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sábado, 19 de fevereiro de 2011

O difícil caminho das drogas-Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

O difícil caminho das drogas

Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / Rosângela

Em 1975, Vera Lúcia acompanhada de seu esposo, conheceu o Espiritismo, passando a freqüentar as sessões espíritas e as palestras doutrinárias. Desenvolvendo sua mediunidade, que se manifestou ainda na infância, Vera Lúcia dedicou-se com empenho a estudar as Obras Básicas de Allan Kardec, onde encontrou forças e esclarecimentos para viver uma nova etapa de sua vida. Mãe realizada de três filhos, Vera Lúcia e seu esposo são comerciantes. Dedicando parte de seu dia ao trabalho na casa espírita, onde colabora assiduamente, a médium afirma que a psicografia já se incorporou ao seu cotidiano, tarefa que procura levar adiante - sempre amparada por bons amigos espirituais.

O DIFICIL

CAMINHO

DAS DROGAS

A imprensa divulga todos os dias notícias envolvendo dependentes de drogas em ações criminosas e trágicas.

A droga está mais próxima do que se imagina, pode estar na porta da escola, nos bailinhos, na esquina, e quantos de nós conheceu ou conhece dramas de pessoas que se envolveram com drogas e a luta diária pela qual passa o dependente e a família.

O que nem se imagina é a situação que fica esse usuário, desencarnando sendo um dependente, o drama pelo qual passa, sentindo ainda os reflexos da droga e suas conseqüências. Relatos emocionantes das experiências de drogados espirituais são aqui expostos, não para chocar, mas sim para alertar.

Esta obra inovadora é de vital importância, porque nos mostra uma realidade até hoje desconhecida e nunca abordada por nenhum outro livro. É destinada ao jovem, ao pai, ao professor, enfim toda a sociedade, já que a droga é um problema social em que todos somos afetados.

www.petit.com.br petit@petit.com.br 9 7 885 7 2 5 3 079 8

A editora

Semeando luz em forma de livros


O dificil

Caminho das drogas

Narrativa do espírito Rosângela

É urgente

conhecer as

conseqüências

das drogas no

espírito!

Psicografia da médium

Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho


da Petit Editora

Nos sentimos muito felizes quando nossos livros alcançam as mãos daqueles que são a razão de ser do nosso empreendimento: nossos leitores leitoras. É pensando em vocês *qi investimos nossos esforços para an pliar a qualidade das publicações da Petit Editora.

Essa busca de excelência se inicia na avaliação criteriosa do original que é realizada por analistas capazes e qualificados para essa tarefa. Aprovado o texto, o trabalho prossegui na direção da melhor produção edtorial e gráfica. Finalmente, o livro está pronto para ganhar o selo Peti símbolo de leitura atraente e inteligente.

Para levar adiante o nosso ideal contamos com sua valiosa colaboração: indique este livro para seus amigos.

Estamos certos de que sua participação vai nos aproximar, ainda mais, do nosso objetivo: transmitir ao maior número possível de pessoas mensagens que traduzem a certesa de que somos espíritos eternos, destinados a um mundo de paz e de felicidade, que já se prenuncia no horizonte de nossa vida.

Agradecidos por sua preferência atenção, nos despedimos, desejando que a leitura que se inicia possa iluminar sua jornada terrestre, e que muito em breve, possamos nos encontrar em novas páginas, escritas ou inspiradas pela Espiritualidade Maior, que acompanha a todos aqueles que perseveram, determnados, no caminho do bem.

O Editor


o difícil caminho

das DROgAS

Somos associados a Fundação Abrinq

pelos direitos da criança. Nossos fornecedores uniram-se a nós e não utilizam mão-de-obra infantil ou trabalho irregular de adolescentes.

O Difícil Caminho das Drogas

Copyright by © Petit Editora e Distribuidora Ltda. 2001

2-05-03-3.500-20.500

Direção editorial:

Flávio Machado

Capa (criação):

Flávio Machado Assistente de produção editorial:

Fernanda Rizzo Sanchez

Chefe de arte:

Mareio da Silva Barreto

Diagramação:

Ricardo Brito

Revisão:

Maria Aiko Nishijima

Fotolito da capa:

Digigraphic

Impressão:

OESP Gráfica S/A

Ficha Catalográfica (feita na própria editora)

Rosângela (Espírito).

O difícil caminho das drogas / narrativa do Espírito Rosângela ; psicografia da médium Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho. - São Paulo : Petit, 2001.

ISBN 85-7253-079-7

1. Espiritismo 2. Psicografia 3. Romance brasileiro I. Carvalho, Vera Lúcia Marinzeck de II. Título.

CDD: 133.9

Direitos autorais reservados. É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio, salvo com autorização da Editora. Ao reproduzir este ou qualquer livro pelo sistema de fotocopiadora ou outro meio, você prejudicará a Editora, o autor e você mesmo. Existem outras alternativas, caso você não tenha recursos para adquirir a obra. Informe-se, é melhor do que assumir débitos.

Impresso no Brasil, no outono de 2003.


o difícil, caminho

das DRóGAS

Narrativa do Espírito

Rosângela

Psícografia da médium

Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

Endereço da editora

Rua Atuai, 383/389 - Vila Esperança/Penha CEP 03646-000 - São Paulo - SP

Fone: (0xx11) 6684-6000

Endereço para correspondência:

Caixa Postal 67545 - Ag. Almeida Lima

03102-970 - São Paulo - SP

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Outros livros psicografados pela médium Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho:

com o espírito Antônio Carlos

· Reconciliação

· Cativos e Libertos

· Copos que Andam

· Filho Adotivo

· Reparando Erros de Vidas Passadas

· A Mansão da Pedra Torta

· Palco das Encarnações

· Aconteceu

· Muitos são os Chamados

· O Talismã

· Aqueles que Amam

· O Diário de Luizinho (infantil)

· Novamente Juntos

· A Casa do Penhasco

· O Mistério do Sobrado

· O Último Jantar

com o espírito Patrícia

· Violetas na Janela

· Vivendo no Mundo dos Espíritos

· A Casa do Escritor

· O Vôo da Gaivota

com o espírito Rosângela

· Nós, os Jovens

· A Aventura de Rafael (infantil)

· Aborrecente, não. Sou Adolescente!

· O Sonho de Patrícia (infantil)

· Ser ou não Ser Adulto

· O Velho do Livro (infantil)

com o espírito Jussara

· Cabocla

com espíritos diversos

· Valeu a Pena!

· O que Encontrei do Outro Lado da Vida

· Deficiente Mental: Por que Fui Um?

Livros em outros idiomas

· Violets by my Window

· Violetas en la Ventana

· Reconciliación

· Deficiente Mental: Por que Fui Uno?

· Viviendo en el Mundo de los Espíritus

Sempre ansiei por estudar. Quando desencarnei, entristeci-me pensando que não ia mais poder fazê-lo. Ainda bem que me enganei. As oportunidades de aprendizado continuam além da morte do corpo carnal. Sempre, em todos os momentos, e onde quer que estejamos, seja no plano físico, seja no espiritual, quando queremos, podemos adquirir conhecimentos. É sobre um estudo interessante que venho, por meio deste livro, falar a vocês, meus leitores. E é a você, meu amigo, ou minha amiga que como eu, irá aprender também -, que dedico esta obra com todo o meu amor.

Outono de 2001.

Observação: São muitos os nomes que se dão às drogas. Por exemplo, houve e há muitos sinônimos para cocaína. E, entre os usuários, fala-se muito em gírias, que mudam de tempo em tempo. Por isso não as usamos nos livros.


um

Rosângela, participava de um curso no plano espiritual, sobre drogas, ansiava por aprender mais sobre este assunto e as conseqüências dos tóxicos sobre nós, encarnados e desencarnados. Estávamos numa sala de aula e ouvíamos atentos as elucidações do instrutor.

-Vocês, meus amigos, estudantes deste curso, espero que não tenham dúvida de que os tóxicos fazem muito mal a todos nós. Quem quiser saber mais, é só pesquisar em livros de ciências e artigos informativos. Esse veneno intoxica a vestimenta carnal comprometendo muitos órgãos com doenças, muitas vezes de forma irreversível.

- Foi isso que aconteceu com você, não foi, Carina? perguntou Marcelo em voz baixa à colega ao seu lado.

- Foi - respondeu a garota.

O professor Gabriel, que estava dando aula para nós, uma classe de quarenta e cinco alunos, todos atentos e com vontade de aprender, olhou sereno para os dois que o haviam feito desviar a atenção e falou:

-Aprendemos muito com exemplos. Se é para ilustrar nosso assunto, você, Carina, poderia nos falar de sua experiência.

Todos aprovaram. Carina olhou para Marcelo, que a incentivou com um sorriso. Ela disse:

- Tenho aproveitado bem este estudo, é deveras interessante. Cheguei até a pensar que, se tivesse esses conhecimentos quando encarnada, talvez minha história tivesse sido diferente. Mas, como Marcelo diz, os encarnados têm acesso a informações, mas quase sempre prestam atenção às que querem, às que lhes são convenientes, e não às que necessitam.

O difícil caminho das drogas

- Digo isso - interrompeu Marcelo -, porque desencarnei muito jovem, não faz muito tempo, e não me envolvi com drogas, apesar de ter tido oportunidades; foram várias as vezes que colegas me ofereceram, na escola e perto de casa . Mas também escutei de amigos que drogas faziam mal e nenhum bem, ouvi palestras no colégio, e meus pais me pediam para ficar longe disso. Tive opção, e ainda bem que escolhi o melhor para mim.

- Não serve de desculpa para ninguém dizer que não sabe que drogas são prejudiciais. Acho que todos os encarnados sabem que tóxicos fazem mal. Pelo menos deveriam saber que, se algo é tóxico, tem o poder de envenenar - disse Carla.

- Pelas estatísticas, uma porcentagem pequena de usuários não sabe do veneno contido nas drogas. Grande parte deles ilude-se, pensando que com eles nada acontecerá - explicou

Gabriel.

- Eu tinha conhecimento de que as drogas eram nocivas, mas achava que fossem só para o corpo físico, desconhecia o tanto que são também para nosso corpo espiritual. Erradamente pensava, como muitos, que ao morrer ficava livre do vício, delas.

- Carina falou e suspirou triste.

Todos estavam olhando atentamente para ela. Mauro José

tentou animá-la:

- Carina, minha colega, não se acanhe, ninguém está aqui para julgá-la. Somos todos jovens, isto é, desencarnamos por vários motivos na mocidade. Drogas foram... são do nosso interesse. Eu não me envolvi com tóxicos e me sinto aliviado por isso, mas tenho um primo encarnado que está envolvido e estou aqui para aprender como ajudar, não só a ele, mas a outros também. Não me gabo por não ter sido usuário. Não experimentei quando encarnado nem me senti tentado a fazer isso, mas não fiquei isento de erros. Por motivos bobos, provoquei um acidente, queria morrer e minha desencarnação foi por suicídio. Devo ter sofrido mais ou o mesmo que você. Que pena Não dei valor à grande oportunidade de estar encarnado.

- Você sofreu muito, Mauro José? - perguntou Larissa. ]

- Sofri! A dor maior foi ver, saber, que causei muitos sofrimentos. Meus pais se desesperaram, meus dois irmãos

entristeceram-se, todos os meus familiares sentiram. Eu me arrependi. Acho que o remorso é a dor maior que existe. Fiquei *corn meu corpo espiritual muito machucado e foram anos de sofrimento. Agora, sinto-me melhor, quero servir, ajudar, como fui auxiliado, principalmente porque sabemos que há falta de servidores. E aqui estou aprendendo.

- Quando encarnada quis morrer várias vezes, mas não tive coragem de me suicidar. Sofri muito com minha doença, desencarnei e fui socorrida. Entristeço-me quando lembro que por vezes pensei nessa tolice. Vou pedir, depois que terminar meu estudo, para trabalhar nesse campo de socorro com suicidas, para aprender e nunca mais pensar nessa imprudência falou Marisa.

- Imprudência! Acho o suicídio uma ação impensada! exclamou Fábio. - Eu desencarnei num acidente de carro. Foi uma fatalidade! Não tive culpa! Eu não ia em alta velocidade. Outro veículo, que vinha em sentido contrário e corria além do permitido, fez uma ultrapassagem indevida e invadiu o meu lado da pista, vindo em minha direção. Não consegui desviar e em segundos estava aqui, do outro lado da vida. Não queria ter desencarnado, era jovem, acabara de me formar, arrumara um bom emprego e ia ficar noivo. Amava e era amado. Era deficiente físico, andava com dificuldade e tinha problemas no aparelho digestivo. Evacuava com freqüência, tinha de usar fraldas. Às vezes entristecia-me com minha deficiência, mas não reclamava e amava tudo, todos e a vida. Nem senti meu desencarne, fui socorrido, mereci ser. Só que fiquei inconformado, üm dia indaguei o porquê:

“Tantos querem morrer, livrar-se do corpo físico, que até se suicidam. Por que não foi um deles a morrer? Por que eu?’

”Meu instrutor escutou pacientemente meu desabafo e respondeu, orientando-me:

”Aprendeu a amar a vida no período em que esteve encarnado. Isso é bom! Se você, Fábio, recordar sua penúltima encarnação, verá que nem sempre agiu ou amou assim.’

”E lembrei-me de alguns fatos, mas o suficiente para não me queixar mais. Na existência anterior fui sadio, tinha tudo

Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / Rosângela

para estar contente, mas, por motivos bobos, me suicidei. Sofri muito! Mas Deus é bondade infinita e deu-me oportunidade de sair daquele sofrimento atroz. Reencarnei e tive um aprendizado de que necessitava. A deficiência ocorreu porque danifiquei outrora um corpo saudável. Agora, dou muito valor à vida, pois aprendi a amar.”

- Estudando a história da humanidade - comentou Otávio -, tomamos conhecimento de que desde a Antigüidade existem suicidas. Atualmente, temos notado que o número de casos está alto e são muitos os jovens querendo fugir da vida física.

- Pensam em acabar com a vida e com os problemas falou Eunice.

- E a vida é única. - disse Magda-. Vivemos encarnados num corpo físico e, quando este morre, continuamos vivos e passamos a viver no plano espiritual; somos, então, desencarnados.

Estava muito contente por participar desse estudo e opinei:

- Não é fácil a continuação da vida para os desencarnados que fogem covardemente do período em que ficariam encarnados. Além de os problemas não serem solucionados, surgem outros.

- Muitos dizem que o que falta aos suicidas é religião - comentou Sara. -Acho que, se a pessoa é mesmo religiosa, não comete esse ato triste. Fui seguidora fiel de uma religião e isso me fez muito bem. Meus pais me deram amor, conforto, mas a educação religiosa foi o melhor presente.

- Não basta dizer que se tem uma religião. Tem que seguir seus ensinamentos - disse Ricardo.

Carla deu sua opinião:

- Muitos pais não ensinam os filhos a ser religiosos; alguns acham que eles poderão escolher o que seguir quando adultos Não acho isso certo. É na mocidade que se precisa muito de uma orientação que leve a amar a Deus, a escolher o caminho certo, evitando os muitos perigos, entre estes o suicídio. Se quando pequenos forem criados sem esses ensinamentos dificilmente serão adultos religiosos. Crianças e jovens necessitam de um alimento espiritual, de quem lhes dite regras morais de bem viver. Todos nós, em todas as idades, precisamos desse elo com nosso Criador; é com mais facilidade que encontramos essa ligação numa religiosidade. Crianças e adolescentes religiosos quando adultos poderão escolher, entre as muitas religiões, aquela com que se identifiquem, para seguir.

- E infelizmente há os que agem como eu, provocando um acidente. Só que não se engana a si mesmo - disse Mauro José.

- Todos pensaram que tivesse sido uma fatalidade. Estava deprimido, porque tinha brigado com a namorada e ela arrumara outro. Pensei que, camuflando, enganaria a todos, só que aqui no plano espiritual não existe engano.

- Tudo isso acontece por falta de amor! - Mariana foi taxativa.

- Acho que quem se droga não ama a si mesmo, üm viciado que desencarna por causa do vício é considerado suicida?

- indagou Magda.

- Boa pergunta! Que você acha disso, Gabriel? - perguntou Ulisses.

Gabriel respondeu e todos prestaram muita atenção:

- Tudo que prejudica o corpo físico o faz também com o perispírito, nosso corpo espiritual, que sobrevive à morte. Sim, são considerados suicidas os que pela livre vontade prejudicam sua saúde. Essa responsabilidade depende do conhecimento de cada um. Quem é usuário de tóxicos consome um veneno e abreviará seus dias na Terra. Mesmo aqueles que

não querem suicidar-se, morrer, vão fazer sua passagem de plano mais cedo, por prejudicar sua vestimenta carnal. Podem ser considerados suicidas inconscientes. Isto é, abreviaram com abuso sua permanência como encarnados. E como sentem e sofrem por isso! Porque a nossa vivência como encarnados é uma bênção pela qual devemos dar graças. Nós, aqui no plano espiritual, estamos preocupados com os suicidas. Esses imprudentes que matam o físico, mas não a alma, o espírito, continuam a vivver

em sofrimento que, embora não seja eterno, é grande. Aqui não há regra geral, cada caso é visto de uma forma. Mas todos se arrependem, e o remorso dói muito. Amor! Se todos amassem de forma verdadeira a Deus, amariam a si e ao próximo e não prejudicariam ninguém nem a si mesmos.

A bondade do Nosso Pai é enorme,

Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / Rosângela

como Seu amor por nós, nos dá novas oportunidades com a reencarnação. Um reinicio feito com esquecimento.

- E quem danificou um corpo físico saudável pode tê-lo na próxima encarnação deficiente? - perguntou Ulisses.

- Isso pode acontecer - respondeu Gabriel. - É estudado cada caso. Muitas vezes é o remorso que danifica. Arrepender-se dos erros cometidos é estar pronto para repará-los, para construir onde se destruiu. Mas muitos têm o remorso destrutivo, isto é, não querem recuperar-se, acham-se indignos de ser novamente sadios, querem se autopunir, o que torna seu perispírito doente e faz com que, ao reencarnar, eles passem essa deficiência à vestimenta que usarão para viver mais um período encarnados. Outros estão tão perturbados aqui no plano espiritual que não têm condições de escolher e às vezes reencarnam não tendo o corpo físico saudável, o que, apesar de tudo, é um alívio para eles, pois sofrerão bem menos encarnados que aqui, com

o remorso.

- Eu que o diga! Suicida sofre muito! - exclamou Mauro José. Tenho medo de voltar a encarnar e me suicidar novamente. Estou pensando em reencarnar sem as mãos.

- Gabriel, isso é possível? - perguntou Ricardo, assustado.

- Pedir é possível - esclareceu o instrutor. - O Departamento da Reencarnação estuda pedidos assim e para atendê-los leva em conta vários fatores. Principalmente se o indivíduo não vai revoltar-se. É preferível aconselhar, e faço isso agora a você, Mauro José. Estude mais, esforce-se para amar, ter melhor compreensão da vida e, quando se sentir apto, volte ao plano físico para sair vitorioso nos seus propósitos e desencarnar no tempo previsto.

- Sei que vou demorar para reencarnar, mas se tivesse que ser agora, queria fazê-lo sem as mãos - disse Mauro José suspirando.

- Quero ter conhecimentos espíritas quando estiver encarnada. Acho que a pessoa espírita estudiosa não se suicida - falou Eunice.

- Depois que aprendemos a amar a Deus, a nós mesmos ao próximo, não fazemos mais nada que prejudique a nós nem ninguém. Estou disposta a aprender. Quero amar! - exclamei.

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O difícil caminho das drogas

- Amar a vida! Como é bom amar a vida e dar valor ao que se tem, e não só ficar se amargurando com o que não se tem ou acha que quer ter - disse Fábio.

Ficamos em silêncio. Gabriel achou que não haveria mais comentários no momento sobre o assunto e convidou:

- Fale Carina! Estamos querendo escutá-la.

13


dois

O difícil caminho das drogas

—Nasci numa família estruturada - disse Carina. - Pai, mãe e três filhos. Eu era a do meio, tinha um irmão mais velho e uma irmã caçula. Parecia tudo certo, até que meu pai desencarnou. Ficou doente por meses e veio a falecer. Sentimos muito; minha mãe sofreu bastante e ainda ficou com toda a responsabilidade do nosso lar. Ela trabalhava fora, tinha um bom emprego, mas teve que administrar bem o dinheiro, pois tivemos de viver sem o ordenado de papai, que passou a ser, então, uma pensão bem menor. Ela não queria nos privar de nada e passou a fazer horas extras. Ora mamãe nos dava atenção demais, protegendo-nos, ora, cansada, não se importava muito conosco. Ficamos um pouco desajustados, inseguros. Eu fui a que mais sentiu. Meu irmão era ajuizado e responsável. Naquela época, eu o julgava certinho demais, perfeito. Ele sempre dizia a mim e à minha irmã:

”’Mamãe está cansada, trabalha muito. Temos que entendê-la, gastar menos e ajudá-la mais.’

”Ele estudava muito, dava aulas para outros colegas, fazia compras para duas senhoras que moravam no prédio e, com isso, pagava suas despesas. Minha irmã não pedia nada, mas eu queria e insistia; eram roupas, passeios... supérfluos sem os quais passaria muito bem. Estava com quatorze anos, era muito rebelde, não fazia nada em casa e reclamava de tudo.

”Numa dessas discussões com minha mãe, em que respondi de modo brusco, ela me deu uns tapas. Revoltei-me. Naquela noite, saí com umas amigas, e um garoto nosso conhecido nos ofereceu drogas. Minhas colegas recusaram, mas eu quis. Fui alertada por elas:

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dal

Carina, por favor, não faça isso!’

’”Por que quer experimentar? Sabe que droga é uma droga!’

’”Não faça isso, Carina. Pense em sua mãe. Ela já tem sofrido tanto.’

”E foi nela que pensei. Ela tinha me batido. Eu quis fazer pirraça e me dei mal. É criancice e burrice fazer esse tipo de desaforo.”

Carina fez um pausa, suspirou profundamente. Todos a olhavam atentos, ela continuou:

-Agora entendo que minha mãe não errou, nem na minha educação nem por ter ficado impaciente e ter me dado aqueles tapas. Eu a deixava muito nervosa, fazendo-a se descontrolar. Não compreendia o tanto que mamãe se esforçava para manter a casa, para que estivéssemos bem, nem que ela estava adoentada e estressada. Fiz sofrer quem muito me amou. Isso é muito triste!

”Fui com aquele garoto para um outro barzinho.

”’Não se preocupe.com suas amigas. Elas não sabem o que estão perdendo. Sabe fumar? Não! Eu ensino você.’

”E fumei meu primeiro cigarro de maconha. Senti calma, e o mundo me pareceu diferente, lindo; esqueci meus problemas. Depois voltei para perto de minha turma. Elas não conversaram comigo, e eu nem liguei.

”Esse garoto me convidou mais vezes e fui com ele fumar. Minhas amigas se reuniram e tentaram me alertar.

”’Não entre nessa, Carina! Você vai se arrepender!’

’”Poderá se viciar e se tornar escrava delas, querendo cada vez mais.’

’”Se você se viciar vai se arruinar. Não fume mais.’

”’Vocês não sabem o que estão falando. São umas bobocas que deveriam experimentar para opinar. Se não querem, não fumem, mas me deixem fazer o que quero’, falei.

’”Carina, se você continuar não seremos mais suas amigas. Você escolhe: nós ou as drogas.’

”’Prefiro vocês!’, respondi rápido.

”Continuei fumando escondido, mas elas logo descobriram *e passaram a me evitar.

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Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / Rosângela

”Achei que eram elas que estavam erradas, eu não estava fazendo nada de mau em fumar uns e sair com esse garoto e com sua turma. Até que...

”’Me dê mais um cigarro!’, pedi.

”’Outro? Já fumou dois. Carina, é o seguinte: se quiser fumar, de agora em diante, vai ter de comprar.’

”No começo não era caro e bastava eu me privar de um lanche, cinema. Mas fui fumando cada vez mais.

”Não via mais minhas antigas colegas, tinha passado a evitá-las, pois achava-as chatas, certinhas. Duas delas tentaram conversar comigo, aconselhar-me. Eu as tratei rudemente.

”Não estava tendo mais dinheiro para comprar os cigarros de maconha. Reclamei para a turma:

’”Estou com muita vontade de experimentar cocaína, mas não tenho dinheiro.’

”’Carina, por que não se prostitui? Você é jovem, bonita, terá muitos clientes, falou um colega.

”’Dou a você a cocaína para experimentar’, disse outro.

”Experimentei e ansiei por mais. Drogar-se é algo estranho. Parece bom e ruim ao mesmo tempo. Para muitos, a sensação boa é de que se vive em outra realidade e que nada incomoda, porém o efeito seguinte não é nada agradável e a vontade de querer mais é um tormento. Você começa a pensar só nela e o resto aos poucos deixa de existir.

’”Carina, tenho um cliente para você. Quando falei a ele que você é virgem, ele lhe ofereceu uma boa quantia, üns dois meses de drogas.’

”Fiquei tentada e acabei aceitando. Foi muito triste. Era um homem já idoso. Para ter coragem me droguei.

”E passei a me prostituir. Não fui mais à escola e não parava em casa. Evitava falar com meus familiares; meu irmão estudava para o vestibular e não prestava atenção em mim; mamãe trabalhava muito, eu pouco a via e, para que não desconfiasse, concordava com tudo o que ela dizia. E, para que ela não *soubessa que não estava indo à escola, eu saía e chegava no horário, como se estivesse indo às aulas, e no colégio peguei a transferência, como se fosse mudar de cidade.

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O difícil caminho das drogas

”üm dia, um cliente me deu uma surra. Fiquei marcada, toda ferida. Disse em casa que tinha sido atropelada por um carro. Meu irmão desconfiou, procurou minhas ex-amigas, que contaram a ele do meu envolvimento com as drogas.

”Elas deveriam ter dito logo no início. Talvez, se tivessem contado, a minha família tivesse me ajudado, mas elas preferiram se calar. Não as culpo nem cobro isso delas.

”Minha mãe, quando soube, sentiu-se mal e teve de ficar internada no hospital. Parecia que tudo o que sucedia não era comigo, que eu estava à parte dos acontecimentos. O viciado quase sempre tem os sentimentos anulados, parece não os vivenciar, fica como que adormecido.

”Falaram, discutiram, e eu fiquei quieta. Meu tio veio em casa e levou-me para uma clínica, onde fiquei internada. No começo estava perturbada, mas depois de uns dias comecei a entender o que ocorria. Fiquei com dó de minha mãe e resolvi largar o vício. Só que não calculei o quanto já estava viciada. Saí da clínica com vontade de me regenerar, largar as drogas. Fui para casa, não saía e fazia todo o serviço doméstico. Meu irmão passou em medicina e minha irmã estudava muito. Todos me trataram com carinho me dando apoio. Quis voltar a estudar, mas como estava com dificuldade de aprender, planejei voltar à escola no ano seguinte.

”Certo dia, quando estava fazendo compras para casa, encontrei por acaso com uns amigos usuários; conversamos e eles me ofereceram droga. Achei que nada ia acontecer se fumasse um cigarro de maconha. E foi um após o outro, e estava novamente envolvida. Dessa vez roubei vários objetos de casa e vendi. Minha mãe se exaltou e me mandou embora. Fui morar numa pensão suja com umas meninas que se prostituíam, e me drogava cada vez mais.

”Mamãe, um mês depois, veio atrás de mim, implorou para que voltasse e aceitasse um tratamento. Não quis. Ela me abraçou e pediu para me cuidar.

”Eu ia fazer um programa, encontrar com um cliente e ne injetei cocaína. Depois, esse homem me deu cocaína para cheirar. Esqueci que já havia injetado e tomei bebidas alcoólicas. Fui com ele a um motel. Senti que adormeci, fiquei como se estivesse num terrível pesadelo. Meu corpo físico morreu por overdose.

17

Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / Rosângela

O sujeito que estava comigo, vendo-me morta, fugiu. Os empregados do motel, percebendo algo estranho, entraram no quarto e, vendo meu corpo morto, me vestiram, me colocaram no portamalas de um carro e me jogaram num local deserto. Vi isso como um filme, perturbada e apavorada. Tinha dezessete anos.

”Um grupo estranho, de que até hoje sinto medo só de lembrar e que ficava falando grosserias, desligou meu espírito da matéria morta, me pegou e me levou com eles1.

”Meu corpo foi achado no outro dia. Minha família sentiu muito. Mais uma vítima das drogas, ou mais uma tola que se envolveu com elas.

”Fiz minha família sofrer, principalmente minha mãe. Entristeço-me com isso.

”Tudo isso é deprimente, mas o pior para mim veio depois que meu corpo físico morreu. Muitos encarnados acham que os tóxicos fazem mal apenas ao corpo físico, desconhecendo o tanto que prejudicam o corpo espiritual, o nosso perispírito, ou a nossa alma. Acho que o inferno com fogo e capeta nos espetando é pouco para descrever o que passei.

”Continuei viciada. Ansiava por drogas. Para ter a sensação de que as usava, passei a sugar energias de encarnados usuários. Vampirizei. Entendi que fui vampirizada quando me drogava encarnada. Agora ficava perto de turmas de viciados usufruindo dos fluidos deles.

”E deprimente falar de tudo o que passei; era uma escrava do grupo, era maltratada e me sentia muito infeliz. Quando tinha consciência do que se passava comigo, chorava agoniada.

”Cheguei ao meu limite. Como queria que minha morte tivesse sido do modo como eu acreditava que seria; queria ir para o inferno ou a um lugar onde não existissem drogas. Preferia ficar no fogo a ficar naquele tormento.

”Deformei tanto meu perispírito, minha imagem, que ninguém me reconheceria. Parecia um monstro, üm dia, estava perto de

1 - Todos nós, encarnados e desencarnados, temos acesso a conhecimentos, basta ser ativo e aprender. Infelizmente, muitos usam o que sabem para o mal. Este grupo sabia desligar o espírito da matéria morta, não usaram deste saber para ajudar, mas sim por motivos egoístasEste processo não é difícil, muitos o fazem. (Nota do Autor Espiritual)

18

O difícil caminho das drogas

Um encarnado viciado, e umas pessoas se aproximaram dele e disseram: Você quer se livrar das drogas?’

”Parecia que perguntavam a mim, e respondi, esperançosa: ”’Eu quero! Pelo amor de Deus, me ajudem!’ ”üm senhor desencarnado que estava com o grupo aproximou-se de mim, pegou na minha mão e falou tranqüilamente:

*sim Venha comigo, mocinha! Ajudarei você!’

”Fui levada para um hospital e, embora socorrida, não foi

fácil me livrar do vício. Foi com tratamento e carinho dos

atendentes e meu esforço que melhorei. Foi como sarar de uma

terrível doença.

”Recuperei-me e hoje estou estudando. Sei da minha família. Minha mãe tem estado muito doente, meu irmão se formou e minha irmã está estudando medicina; os dois, graças a Deus, não se envolveram com tóxicos. Todos pensam em mim com saudade e lastimam o que me aconteceu.

”A vocês, meus colegas, posso dizer: é pior estar viciado desencarnado que encarnado. Vícios são adquiridos, e bobo de quem se vicia. Eles nos desarmonizam e temos de voltar a nos harmonizar, e como isso é difícil. Tolo de quem pensa que a morte do corpo físico nos muda de imediato. Continuamos os mesmos até que resolvemos mudar.

”Sinto por ter desperdiçado a oportunidade de estar encarnada. Tinha planejado, antes de reencarnar, estudar enfermagem e cuidar de crianças; ia encontrar com um espírito amigo, um rapaz, casar e ter filhos. Usando o meu direito de livre-arbítrio mudei os acontecimentos: me envolvi com as drogas e voltei ao plano espiritual antes da hora e muito infeliz.

Quero ser útil e vou esperar pacientemente uma nova oportunidade de reencarnar.”

Carina deu por encerrada sua história. Todos se emocionaram e a olharam com carinho.

Guilherme indagou ao professor Gabriel: impressionei-me com o relato de Carina de que sugava encarnados que se drogavam. Isso é possível? Pensei que os espíritos desencarnados, só ficassem perto de médiuns

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Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / Rosângela

- Meus alunos, a presença de espíritos ao redor de encarnados não depende da mediunidade ou de evocação. A mediunidade faz com que seja esse fenômeno notado, sentido, e por ela podemos nos comunicar com eles.

”A Terra é morada nossa, de seres humanos, seja usando o corpo físico, encarnados, seja sem ele, desencarnados. Quando desencarnamos, podemos por afinidade, merecimento, ir para lugares de paz, abrigos onde continuaremos a aprender a ser úteis; como também podemos ir para lugares tristes, onde o aprendizado se faz pela dor, que são os umbrais; ou podemos vagar, ficar entre os encarnados, e alguns iludidos fazem isso, pensam que ainda estão usando o corpo físico, acham que estão encarnados; são quase sempre pessoas que eram apegadas à matéria e não sabem que mudaram de plano. Há desencarnados que sabem de seu estado e gostam de estar entre os encarnados usufruindo das mesmas coisas usufruídas anteriormente. Alguns desencarnados se desesperam com a falta daquilo em que se viciaram, seja álcool, sejam tóxicos, e podemos ver que alguns até por tabagismo ficam perto de usuários para ter a sensação de que estão usando.

”Sabemos que a morte do corpo não modifica ninguém. Só a pessoa mesmo pode se melhorar. Qualquer vício que a pessoa tenha, torna-a escrava dele até que o vença. Carina desencarnou viciada, afinou com um grupo de desencarnados que vagavam e que também haviam sido usuários. Para ter a impressão, de que usavam drogas, sugavam energias de quem as consumia. Trocavam sensações. Ela não ficou junto de ninguém em especial, usufruía de quem se drogava. Muitas vezes, quem desencarna assim perturbado fica perto de alguém e se torna seu obsessor. Espíritos mal-intencionados, ou viciados como Carina foi, não se aproximam de quem se veste de um corpo carnal se este tem boa vibração, isto é, que costuma orar, ter bons pensamentos, é bom. Grupos se afinam. Pessoas que querem a mesma coisa se atraem. E viciados em tóxicos dificilmente costumam orar, vibrar bem, tornando assim isto possível. Mão estranhem vocês, meus jovens, o termo vampiro ou vampirismo, isto nada mais é do que usufruir da energia de outro; ao fazer isto, passa-se e recebe-se o que o outro sente. Por isso eu disse: trocavam sensações.”

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O difícil caminho das drogas

- Isso parece chocante! - expressou Fábio.

- A vida é contínua; não mudamos quando trocamos de plano, mas sim quando queremos - respondeu Gabriel.

- Não precisa ter medo, só temos companhias más ou inconvenientes quando queremos - falei.

- Lembro a você, Fábio, que temos sempre boas e más influências. E que os bons, estando desencarnados ou encarnados, estão sempre ajudando - esclareceu nosso professor.

- E que nos ligamos e escutamos a quem queremos. Se nos ligamos ao bem, nada disso acontece conosco. Desencarnados imprudentes não se aproximam de nós ou de encarnados

- disse Carlos Eduardo, o Edu, sorrindo.

- Deveríamos temer o erro de fazer algo que nos prejudique. Todos deveriam ter medo é de se drogar - expressou Larissa.

O assunto era muito interessante, mas, como estava no horário do intervalo, fomos para o pátio e ficamos conversando.

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três

estou gostando muito destas aulas! - exclamou Larissa.

- Pena que vocês só estão assistindo a estas - disse Fábio.

- É que nós estamos fazendo um estudo sobre drogas e viemos assistir às que vocês estão tendo no momento com o professor Gabriel - falei.

- Esse estudo é muito interessante! Mas temos que completá-lo com a aula da instrutora Maria Laura - expressou Ulisses.

- Por que vieram só para estas aulas? - perguntou Carina.

- Já fizemos esse curso que estão fazendo - falei. - Já aprendemos a viver sem o corpo físico no plano espiritual, e aí aula sobre tóxicos foi há pouco tempo incluída no currículo por ser de muita importância para nós, que desencarnamos jovens.! Nós seis temos interesse nesse assunto, por isso estamos fazendo! um estudo mais abrangente; logo que acabar esta matéria, o que está previsto para hoje, iremos embora.

”Fiquei quieta por momentos, observei o grupo e pensei o porquê de estar ali, de ter querido fazer esse estudo, achei que foi porque desencarnei na adolescência, sentindo-me ainda criança. Estive muito tempo doente e não tive experiência nenhuma com drogas, escutei pouca coisa do assunto por noticiários. Quis saber mais sobre os tóxicos, pedi para estudar, e meu pedido foi aceito. Faria parte de um grupo, todos jovens Carla, Larissa, Carlos Eduardo, o Edu, Ricardo e Ulisses. Primeiro fomos ter aulas teóricas com o professor Gabriel juntamente com uma turma que fazia o curso para aprender viver sem o corpo físico.

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O difícil caminho das drogas

”Gostei muito. A escola era grande, arborizada, com muitas salas de aula, um lugar agradável. A maior diferença de

Um grupo de encarnados é que todos ali estavam

querendo aprender.

Carla segurou meu braço e exclamou, fazendo-me prestar atenção na conversa.

Achei esse local magnífico! E o estudo também!

Não sabia o tanto que as drogas fazem mal ao corpo físico. Agora sei e, se estivesse encarnado, estaria assustado disse Ricardo.

- E como faz mal! Eu, que não gostava muito de estudar ciências, me encantei com este estudo. O corpo humano é perfeito demais! É fantástico seu funcionamento - falou Edu.

- Que imprudência danificar essa vestimenta do espírito expressou Ulisses.

- É, mas também prejudicamos nosso perispírito com outros erros - opinou Mauro José.

- Claro! Somos um só! - disse Ulisses, rindo. - Calma! Eu explico: nós mesmos, o verdadeiro eu, é o espírito, que revestimos no plano espiritual de um envoltório semimaterial que chamamos de perispírito, que serve de modelo para o corpo quando encarnado. E para estar reencarnado, nós os espíritos, vestimos o corpo de carne e osso. Acho isso fantástico!

Voltamos à classe e tivemos uma revisão do assunto estudado. Ao término da aula, nós seis nos despedimos dos outros colegas, agradecemos o professor Gabriel e fomos ao encontro de Maria Laura, que seria nossa instrutora na continuação do estudo sobre tóxicos.

Encontramo-nos com nossa instrutora no jardim da frente do hospital da colônia espiritual da qual fazíamos parte. Estávamos no momento residindo ali. Maria Laura nos recebeu com um sorriso encantador. Era de estatura pequena, devia medir um metro e cinqüenta, tinha cabelos louros curtos e expressão delicada e aparentava ter desencarnado com sessenta anos.

- Que bom tê-los comigo para mais um trabalho. Espero poder orientá-los neste aprendizado, expressou ela sorrindo.

- Você trabalha aqui há muito tempo? - perguntou Carla.

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Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / Rosângela

O difícil caminho das drogas

- Logo completará dez anos que sirvo nesta parte do hosptal, em que ex-usuários de tóxicos se recuperam. Encarnada, dediquei-me a ajudar dependentes químicos, era médica. Quando me aposentei passei a fazer um trabalho voluntário ajudando os que queriam largar o vício e não conseguiam. Foram muitos anos orientando pessoas. Desencarnei com oitenta e quatro anos e em atividade. No plano espiritual estudei | e aqui estou numa continuação do que fazia encarnada - respondeu Maria Laura.

- Quem é útil encarnado continua a ser aqui no plano espiritual! Normalmente, os que gostam de ser servidos no corpo físico são os necessitados aqui - expressou Ulisses.

- Maria Laura - falei -, desencarnei depois de uma longa doença e de ter tomado remédios fortes, que viciam. Desencarnei; e não tive necessidade deles.

- Rosângela, você os tomou como medicamentos, por; necessidade; foram úteis esses remédios que você usou. É no abuso que está a imprudência, o erro - respondeu a instrutora.

- Nós vamos conhecer a parte do hospital onde estão em» recuperação os que foram viciados em tóxicos? - perguntou Edu.

- Agora não - respondeu Maria Laura. - Vamos primeiro fazer um trabalho de auxílio, depois vocês ajudarão os socorridos, aí conhecerão esta parte do hospital. Quero esclarecê-los que o plano espiritual é diversificado. Há colônias com muitos hospitais e outras com um só, como o nosso, que é repartido em, alas, setores, partes, e os que se recuperam dos vícios ficam

separados.

- E quem foi viciado em cigarro, álcool e tóxicos? - perguntou Ricardo.

- Fica no setor do que causa maior dependência, o dos tóxicos - respondeu Maria Laura. - Agora vamos a uma reunião, estamos sendo esperados no salão número quatro.

Acompanhamos nossa instrutora. Atravessamos um pequeno jardim. Todo o hospital é circundado de bem cuidados canteiros floridos, com bancos confortáveis. Dentro do hospital há bibliotecas, salas de vídeo, salões de palestras, isso em cada parte. O salão número quatro tem capacidade para cem pessoas simples, tendo só as poltronas e alguns vasos com *plantas.

Acomodamo-nos. Logo após chegaram outros grupos, üm senhor, à frente, se apresentou:

- Sou Sebastião. Estou no momento como orientador desta parte do hospital. Estamos aqui para o início de mais um trabalho de socorro aos que forem encarnados dependentes de tóxicos. Contamos com cinco grupos, que têm como instrutores companheiros com experiência e anos de serviço nesta ala. Aqui estão alguns novatos e estudantes. Quero dar as boas-vindas e espero que fiquem conosco. Estamos, em todos os setores de trabalho no plano espiritual, com falta de trabalhadores, e no nosso setor faltam mais ainda. Cada grupo irá a determinados locais e trará um número certo de socorridos; os instrutores de cada grupo passarão as orientações.

Sebastião sorriu e saiu da sala. Observei, curiosa, os outros grupos. O nosso e um outro tinham sete pessoas, outros dois tinham três e o último contava com vinte e sete.

Ricardo indagou a Maria Laura:

- Por que aquele grupo está com mais componentes?

- São os que estão começando; será o primeiro trabalho de socorro deles. Por mais três vezes trabalharão juntos, depois se separarão e formarão grupos pequenos. Estão com dois instrutores mais experientes.

- Vamos socorrer muitos? - indagou Carla.

- Não, só traremos cinco - respondeu Maria Laura.

- Só cinco? - exclamou Larissa espantada.

- Também acho pouco, pensei que fôssemos socorrer muitos - falou Ulisses.

- Temos vinte e quatro leitos vagos - disse Maria Laura explicando. - E serão vinte e quatro socorridos. Foi repartido um tanto para cada um dos grupos aqui presentes.

- Sempre há este número de vagas? - perguntou Larissa. Nossa instrutora sorriu e respondeu:

-Não, Larissa, são vagas periódicas. Não pensem vocês que sairemos e horas depois estaremos de volta com os cinco, nosso socorro demorará, não temos tempo determinado para fazê-lo, dependerá de muitas coisas. Temos aqui muitos pedidos

e socito, iremos até eles e iremos socorrer somente cinco.

- Por que isso? - indagou Larissa.

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O difícil caminho das drogas

-Vou explicar - respondeu Maria Laura. - Como viram, o nosso hospital é grande, imenso. Os imprudentes, os necessitados de ajuda são tantos que infelizmente não há vagas

para todos. 1

- Entendo - disse Ricardo. - Quando estava encarnado, eu freqüentava um centro espírita e lá já via essa diferença. Um grupinho para ajudar - tanto na orientação espiritual como na assistência social - e muitos para serem servidos, e entre estes muitos poderiam cooperar de alguma forma e estavam sempre dando desculpas, evitando ser úteis. Como não mudamos com a morte do corpo, mas sim quando queremos, os que gostam de ser servidos viram aqui necessitados.

- O hospital não poderia ser aumentado, ter mais vagas?

perguntou Edu.

- Poderia, e isso não seria difícil - respondeu Maria Laura.

- A dificuldade maior é a falta de servidores. Não basta ter vagas só por ter, se não há quem trabalhe, quem cuide dos socorridos.

- Os trabalhadores na Terra são poucos - comentou Ulisses Jesus falou isso. Ele até pediu a Deus que enviasse servidores messe. E não é só entre os encarnados que os trabalhadores são escassos. Aqui, no plano espiritual, também há falta deles. Quem quer ser um trabalhador, tenho rogado ao Pai para sê-lo.

- Ulisses, você concluiu certo - disse Maria Laura. - Os

desencarnados viciados, os que, encarnados, imprudentemente

adquiriram dependências químicas, requerem muitos cuidados

Os trabalhadores dos hospitais têm quase sempre muitos horas

de trabalho por dia, num serviço de abnegação. Mas eles também

precisam ter lazer, horário para estudos, porque não é certo que

só trabalhem. Infelizmente, meus jovens aprendizes, vocês verão

como falta pessoal para ajudar nesse campo. Há poucas pessoas

para trabalhar em todos os setores, desde socorristas entre

encarnados até servidores aqui nas colônias. E, como irão ver

nesta área de socorro faltam mais, porque não é uma tarefa

fácil, requer que o servidor seja muito paciente, dedicado e que

tenha conhecimentos.

- Maria Laura, você trabalha muito? - perguntou Carla.

- Sim, quando saio em socorro, trabalho por horas seguidas sem descanso. Normalmente fico no hospital de plantão

oito horas. Tenho algumas folgas, em que visito amigos e parentes. Também dou palestras sobre dependência química em diversas colônias. Tenho vontade de fazer cursos em uma colônia de estudo, mas estou adiando.

- Entendo, você sente que fará falta aqui - disse Larissa.

- Quero estudar medicina aqui no plano espiritual; Vou, com Certeza, um dia fazer o curso. No momento, sinto que tenho de ficar aqui - respondeu Maria Laura sorrindo tranqüilamente.

- Você sabe quem são os cinco a ser socorridos? - perguntou Ricardo.

- Não sei - respondeu nossa instrutora -, mas temos aqui na lista, bem explicado, tudo que devemos fazer. É o Departamento de Socorro que recebe os pedidos; lá são separados e enviados às equipes socorristas. Os que se referem a tóxicos vêm para cá. Nossa ida ao plano físico não é só para trazer os socorridos. Há também auxílios a encarnados. Para ver o que se passa, temos de ir até as pessoas, os pedintes, analisar, tentar orientar e ajudar do melhor modo possível. Quanto aos desencarnados a ser socorridos, temos de analisar cada caso. Primeiro, se o desencarnado quer mesmo ser socorrido para se melhorar. Porque muitos pedem ajuda, clemência, mas não querem o que temos a oferecer: um tratamento para que larguem o vício. Muitos querem só o alívio para se viciar mais. E mais ou menos assim: querem ficar livre da ressaca, para continuar usando a droga. Segundo, uns pedem socorro e ao se sentirem melhor vão cometer outros erros ou se vingar de desafetos. Alguns, ao serem libertados de grupos que os escravizaram, vão escravizar outros.

- Interessante... Para ajudar, tem de ser com sabedoria, senão pode-se fazer mais mal do que bem - disse Edu.

- Por isso, sempre é recomendado, para aqueles que querem servir, que estudem, aprendam, para melhor fazer sua tarefa - explicou Maria Laura.

- Há pedidos que pessoas fazem por outras? - perguntei.

- Claro! - respondeu a instrutora. - E, sempre que a solicitação é sincera, uma equipe vai verificar. Temos, entre os que vamos analisar, pedidos que se enquadram nesse caso. Verão que muitos pedem por outros, mas nem sempre o alvo do pedido

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Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / Rosângela

quer o que se pediu para ele. Vou dar um exemplo: uma pessoa acha que outra está com fome e pede a alguém que dê a ela um prato com arroz e feijão, o que acha que é o melhor para quem está necessitado. Mas essa pessoa, que talvez seja realmente necessitada, pode não querer no momento o arroz e o feijão pedidos, e sim algo como uma viagem para o exterior. Normalmente, é com a participação de muitas pessoas que se realiza um auxílio. O prato com a refeição não surge do nada. Além de ser trabalho de muitos, não podemos obrigar o alvo do pedido a se alimentar. Por isso essas rogações são analisadas.

- E esse trabalho de preparar o alimento, o prato com arroz e feijão, é a nossa tarefa, não é? Seu exemplo foi muito objetivo; compreendi que nada é feito sem trabalho - expressou Carla.

- É a nossa tarefa e a de muitos outros - respondeu Maria Laura. - Quando recebemos solicitações assim, tentamos orientar e ajudar o pedinte, como também o alvo do pedido, mas muitas vezes não conseguimos ajudar porque este não quer o que temos para dar, e assim só podemos doar bons fluidos na nossa visitai Quem pede é que se torna receptivo a receber. 1

- E quem precisa mesmo e não pede? Quem está *tão perturbado que não se lembra nem de rogar? - indaguei.

- Temos um caso assim na nossa lista. Verão que o tóxico o danificou tanto e ele está tão perturbado, demente, que nen consegue pedir, mas mesmo assim anseia por melhorar. Essa vontade é um pedido indireto. Vamos até ele e, se possível, traremos para nosso hospital - respondeu Maria Laura.

- Acho que são estes os verdadeiros socorros, os que são realizados com prudência! - exclamou Ulisses.

- São mesmo! - expressou a instrutora. - São muitos os que pedem socorro; se trouxermos todos não haverá espaço, 1 seria precipitado dar abrigo a alguém que não quer seguir a ordem nem a disciplina que temos aqui. Além disso, ele poderia estar tomando o lugar de outro que quisesse não só diminuir seu sofrimento, mas também melhorar interiormente. E lembro vocês, garotos, que todos nós estamos tendo a oportunidade de aprender, uns o fazem pelo amor, outros pela dor, que os faz despertar. E muitos que não querem hoje o prato de arroz e feijão irãl

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*O difícil caminho das drogas

querer um dia. E, quando o pedido deles for sincero, quando quiserem realmente mudar, chegará a vez deles.

Estou lembrando agora da parábola do rico avarento e do

Lázaro, o pobre2. Preciosos ensinamentos que todos nós conhecemos. O rico quando desencarnou, ficou num local de sofrimentos, denominado umbral. é assim que nos referimos a esta zona de dores. E este ex-possuidor de bens materiais pede somente alívio para seus males sem se converter, sem querer se modificar. Sua mente, que tanto errara, continua como antes. Ele não se modificou, não porque não pudesse, mas porque não quis. E podia querer porque o livre-arbítrio é atributo do espírito e não do invólucro físico. Desencarnados podem se converter, querer se tornar melhores. Vocês, meus amigos, verão que muitos sofrem revoltados e continuam com as mesmas atitudes erradas. Infelizmente, estes, como o ex-rico da parábola, não têm como ser socorridos. Muitos sofrem e entendem por quê. tins acham até que seus sofrimentos são justos; são estes que estão prontos para serem auxiliados. Se aquele rico tivesse compreendido que errou, quisesse modificar-se para melhor, Lázaro ou outro, poderia tê-lo auxiliado. Enquanto existir a maldade, persistirá o mal, que gera culpa e conseqüentemente o sofrimento.

-Esse socorro é imediato? Basta pedir com sinceridade para ser auxiliado? - perguntou Edu.

- Carlos Eduardo, não é assim de imediato, não há equipes de socorro em excesso para isso. Tudo é planejado. Nós, desta colônia que auxilia os toxicômanos, temos no momento cinco grupos, mas às vezes são só dois. Vocês mesmos estão aqui só para estudar, e a equipe maior faz apenas estágio; após, irão se dividir e ir para muitas outras colônias. Saímos em socorro quando ha vagas ou em casos especiais. O pedinte, quando se torna receptivo, afinando-se conosco, é ajudado. Às vezes, é necessário ser persistente, querer mesmo nossa ajuda, para aprender a dar valor ao que vai receber.

- O importante mesmo, turma, é ser útil, ser servidor, e não necessitado - concluiu Ricardo.

2-Lucas 16,19. (N.A.E.)

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Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / Rosângela

- Prontos, garotos? - perguntou Maria Laura. - Vamos! volitar para a Terra, para a cidade a que esta colônia está vinculada. Teremos como ponto de apoio um posto de socorro! localizado num centro espírita. Depois de conhecê-lo, iremos à nossa primeira visita.

Demos as mãos e, ansiosos diante da expectativa desse trabalho, volitamos.

quatro

Fomos recebidos com muita alegria. Albino se apresentou:

- Sou o responsável pela parte espiritual deste posto de auxílio. Sejam bem-vindos! Venham conhecer nosso local de trabalho.

O centro espírita era de construção simples, com um salão grande para palestras, oito salas onde se realizavam trabalhos de desobsessão e que eram também classes de evangelização, um consultório dentário, a cozinha, onde faziam sopas, e uma sala de costura.

- Que lugar bonito! - exclamou Carla.

A vibração era suave, benfazeja, o que tornava o local mais encantador. Mas para nós, desencarnados, a construção não era só isso, tinha mais dois andares. Essa outra parte era invisível aos encarnados, sendo raros os que conseguiam vê-la. Era feita do mesmo material com que são construídas as colônias, ou seja são semimatéria, rarefeita e fluídica. Nós vemos as duas construções, nos locomovemos por elas e sabemos distingui-las. Esta parte está localizada acima da material. No primeiro andar há um mini-hospital e no outro, alojamento para seus trabalhadores, salas de reuniões e de música e biblioteca. É tudo muito limpo e organizado3.

O corpo físico é um acessório do espírito, uma roupagem que é abandonada quando suas funções são terminadas com a morte. Além do invólucro físico, o espírito tem outro, cnaniado perispírito. Essa roupagem é semimaterial e tem a mesma forma humana do envoltório carnal, é uma espécie de corpo fluídico, que possui ainda algumas propriedades da matéria. E nós, desencarnados, que usamos o corpo perispiritual para viver, temos de ter onde morar, estar, senão como ficaríamos? Em que lugar? Esses locais são da mesma matéria

do nosso perispírito.

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Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / Rosângela

- Aqui - explicou Albino -, nesta sala, vocês poderão deixar acomodados os socorridos que deverão ir com vocês.

- Estou vendo que há muitos socorridos no posto, as enfermarias estão lotadas. Há trabalhadores suficientes aqui? perguntou Ulisses.

- Gostaria que houvesse pelo menos o dobro - respondeu Albino. - Mas não posso me queixar, temos uma ótima equipe, São muitos os socorridos, e você, meu jovem, tem razão: nossas enfermarias estão com todos os leitos ocupados. Muitos dos que estão aqui pediram ajuda para nós, outros vieram com os encarnados que freqüentam o centro espírita. Alguns já receberam orientação nos trabalhos doutrinários da casa, ou seja, nas sessões de desobsessão, outros esperam para receber esses esclarecimentos.

- Aqui é tudo aberto. Pode acontecer de o interno sair e o indesejável entrar facilmente? Isto acontece? Como vocês lidam com esse fato? - indagou Carla, curiosa.

Albino respondeu explicando e mostrando o sistema a nóS os estudantes:

- Temos em volta tanto da construção material como da espiritual uma rede de proteção que impede os desencarnados mal-intencionados de entrar, estes só o fazem quando é permitido. Temos também um sistema de alarme que evita ataques, Se para entrar há dificuldades, elas não existem para sair. Nossos abrigados podem fazê-lo facilmente, é só descer as escadas e já estão na rua.

- Não posso entender como alguém que esteja aqui, socorrido, saia, recusando o auxílio do posto - eu disse.

- Pois isso acontece; nossa casa é de primeiros socorros

- respondeu Albino. - Abrigados que aceitam o que temos oferecer ficam conosco e quando estão melhor passam de servidos a servidores e alguns são transferidos para postos maiores ou colônias. Infelizmente há os que não querem ficar conosco e vão embora.

- São muitos os que saem sem permissão? - perguntou Edu.

- Os que pedem socorro para si mesmos dificilmente saen Quando foi outra pessoa que pediu por eles, quase sempre vão

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O difícil caminho das drogas

Embora Por exemplo, um encarnado vem ao centro espírita com o acompanhante desencarnado; este fica aqui, mas normalmente não é isso que ele quer, então vai embora. São muitos os que saem - respondeu Albino.

Entendi, o encarnado pede ajuda porque quer se livrar Do incômodo que o desencarnado lhe provoca, ou pede por ele querendo o seu bem. Este permanece no posto, mas não é isso que ele quer e não fica - disse Ricardo. É isso mesmo - concordou Albino.

- Vocês sabem o motivo de muitos irem embora? - perguntou Larissa.

- A maioria não gosta da ordem e disciplina que temos aqui, não é isso que querem no momento. Outros não se conformam com a morte do corpo físico ou não agüentam ficar longe das coisas que julgavam ser deles ou de afetos - respondeu Albino.

- São os apegados! Eles ainda não compreenderam que a morte do corpo físico os leva a viver de modo diferente, não é? perguntou Ricardo.

- Tentamos ensiná-los, mas muitos não querem ouvir, entender - esclareceu o orientador espiritual do posto.

- Que acontece com esses iludidos? - perguntou Carla.

- Você os definiu bem: iludidos. Muitos até recebem esclarecimentos nas sessões de desobsessão ou de orientação por meio de incorporação. Ficam perto do médium, vêem a diferença entre o corpo físico e o perispiritual, conversam com o orientador. No momento, compreendem sua mudança de plano, mas depois o desejo de estarem perto de afetos, de bens materiais é mais forte, então alguns saem e se iludem, perturbam novamente. Outros, mesmo sabendo que estão desencarnados, preferem estar com afetos. Vão vagar. E isso é perigoso, pois correm o risco de ser aprisionados por desencarnados mal-intencionados que os levem para o umbral e de virar escravos. Há também os que saem por outros motivos: por gostar de farras, não querer largar seus vícios, deixar de fazer maldades, ou para se vingar e estar no Umbral com seu grupo.

- Que acontece com os que são levados para o umbral? Indagou Larissa, preocupada.

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Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / Rosângela

- Estes, recusando-se a aprender conosco, aprendem de outra forma. Quando querem o que temos a oferecer e pedem socorro, são auxiliados por nós ou por outro grupo - respondeu Albino.

-Aí eles ficam, permanecem no posto, não é? - perguntou Edu.

- Normalmente. Mas pode acontecer que, estando melhor, saiam novamente sem permissão - explicou o orientador.

Como ninguém perguntou mais nada, Albino nos levou a outra parte da construção, a do plano espiritual. Cima espaçosa sala de frente para a rua, aberta e sem cercado. Olhamos curiosos, e ele esclareceu:

-Aqui é o nosso pronto-socorro, üm local onde atendemos os desencarnados que querem só alívio, e não abrigo. Esta é Luzia, que explicará a vocês o nosso trabalho. vou deixá-los aqui, enquanto converso com Maria Laura no salão de palestras. Até logo!

Luzia sorriu delicadamente e nos abraçou.

- Sejam bem-vindos! Trabalho neste pequeno laboratório um pronto-socorro, para atendimento rápido, horas seguidas. Se vocês ficarem aqui por trinta minutos, verão como é nossa tarefa

Nisso, chegou um outro servidor com um desencarnado todo machucado. Luzia o cumprimentou:

- Olá, Caju! Você brigou de novo?

- Eles me provocaram. Me faça um curativo - disse ele.

- Esse Caju nem pediu por favor - falou Ricardo. Luzia, enquanto fazia o curativo, nos esclareceu:

- Dos que são atendidos aqui, só raras exceções vão para o interior do posto. A maioria vai embora após receber o auxílio Este aqui, nem sabemos o nome dele, só nos falou o apelido Caju. Infelizmente é um dos nossos fregueses, como costumamos chamar carinhosamente um grupo que costuma vir aqui para receber uma ajuda. Ele se embriagava quando encarnado; desencarnou, se agrupou com afins e está sempre brigando por aí.

- Acho isso incrível! - exclamou Carla.

- Minha colega, só mudamos quando queremos, a morte do corpo não nos modifica - falou Ulisses.

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O difícil caminho das drogas

_Parece que ele pensa que está fazendo um favor a vocês vindo aqui - expressou Carla.

Conversamos sempre com os atendidos, tentamos esclarecê-los, mas não tem dado muito resultado - disse Luzia.

- São pessoas que desde encarnadas julgam que outros sempre estão dispostos a ajudá-las e, pior, pensam que estão fazendo favor, e não recebendo. E acham que os que trabalham têm obrigação de servir - falou Edu.

- São os mendigos de favores dos outros. O termo é forte, mas é assim que devemos chamar os que só querem ser servidos e nunca fazer nada de bom nem para si e muito menos para outros - eu disse.

Nisso, chegou outro desencarnado, que se sentou e esperou a vez de ser atendido. Olhou com cobiça para Larissa. Esta nossa colega é muito bonita, mulata, alta, de cabelos encaracolados curtos, aparenta ter vinte anos. Ela se incomodou e ficou atrás de Ulisses. O homem foi se sentar em outra cadeira para vê-la.

- não sei como agir neste caso. Chamo a atenção dele? perguntou Ulisses.

Luzia largou o que estava fazendo, pegou o homem pelo braço, colocou-o para fora da sala, deixando-o na rua dos encarnados, e ordenou:

- Espere aí, quando for sua vez eu o chamo.

- Tive medo dele! - exclamou Larissa.

- Medo por quê? Ele não ia poder fazer nada com você expressou Edu.

Luzia explicou:

- Como vocês podem ver, eu e os outros que trabalham aqui não somos bonitos. Também são evitados jovens, isso para não haver problemas com os que vêm ao pronto-socorro pedir ajuda.

- Desculpe, Luzia, interrompê-la, mas você é muito bonita! expressou Ricardo.

- Obrigada! Você já consegue ver como uma pessoa é pelo todo. Mas esses que vêm aqui só enxergam a aparência - falou Luzia sorrindo.

- E se um deles mexer com você? - quis saber Carla.

- Eu faço o que fiz com aquele, pego-o e coloco-o para fora *- respondeu Luzia.

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- É muito justo! - exclamou Ricardo. - Vocês estão aqui para servir, ajudar, e não recebem nem ”obrigado” de muitos, mas pelo menos os necessitados têm de ter respeito.

Luzia acabou de fazer o curativo em Caju. Ele, que escutava calado, olhou para ela e para nós e disse:

- Muito agradecido, dona Luzia! Boa tarde a vocês meus jovens!

Saiu rápido. Nós rimos.

- Pelo menos desta vez agradeceu! - exclamou Luzia.

- Como pode ele se machucar? - perguntou Edu.

- Desencarnados assim vivem como se ainda estivessem no corpo físico. Embora ele saiba que já fez a mudança de plano, não aceita viver sem o invólucro carnal. Vivendo como se estivesse na matéria, sente as necessidades de um encarnado. Caju está sempre perto de encarnados afins, trocando fluidos, sensações, sentindo-se embriagar. E, como os bêbados encarnados brigam, os amigos desencarnados deles quase sempre o fazem também. Se eles se machucam, estes também plasmam os ferimentos para si e sentem-se machucados.

- Como podem viver assim? - perguntou Larissa.

- Somos livres para fazer o que quisermos, mas responsáveis pelo que fizermos. Caju tem sempre oportunidades de se modificar, de ser melhor, mas não quer. Um dia essa forma de vida o cansará e ele então vai querer mudar - disse Ulisses.

- É isso mesmo - concordou Luzia.

Nisso entrou outro desencarnado, que se sentou na cadeira de espera e ficou quieto, de cabeça baixa. Luzia falou baixinho a nós:

- Esse é Lourival, desencarnou com trinta anos, aparentando bem mais, era dependente de tóxicos. Sabe que mudou de plano, não quer o socorro, não quer largar o vício. Vem aqui porque sua mãe, que está encarnada, freqüenta nosso centro espírita e pede muito por ele. Atendendo ao pedido da mãe um socorrista da casa foi tempos atrás até ele e o trouxe aqui Estamos tentando orientá-lo, mas no momento ele quer continuar a viver assim. No momento, ele vem espontaneamentepois tem muitas dores de cabeça e pede remédios. - Virou para ele e o cumprimentou:

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O difícil caminho das drogas

Como está, Lourival?

com muita dor de cabeça. Acho que é doença ruim, câncer. Vai me atender com esses moços me olhando? perguntou Lourival.

- Esse grupo está aqui para aprender - respondeu Luzia.

-Não dá para eles aprenderem com outros? Não sou animal para que fiquem me olhando. Aposto que eles nunca se

droqaram. Parecem santinhos olhando um pecador que se deu

mal na vida.

- Eles ficarão aqui - respondeu Luzia. Lourival levantou-se e saiu.

- Não teria sido melhor nós sairmos? - perguntou Edu com pena. - Ele foi embora sem o remédio.

- Estaria educando-o se cedesse à chantagem dele? Não se preocupe, ele voltará, é nosso paciente. Vem pelos menos três vezes por semana para que o livremos dos efeitos colaterais do seu vício ou os suavizemos - disse a trabalhadora do prontosocorro.

- Ele teve câncer quando encarnado? - indagou Ricardo.

- Não, seu corpo físico morreu por uma parada respiratória devido ao excesso de drogas. Inventa sempre doenças para que tenhamos dó dele. Já lhe falei que não nos engana, mas acho que ele engana é a si mesmo - respondeu Luzia.

- Ele é arrogante! - expressou Ricardo.

- é! - disse Luzia. - Tentamos orientar todos os necessitados que vêm aqui, para saberem que o auxílio recebido é por bondade de Deus, que Ele, o Pai Amoroso, socorre um filho por outros. Lourival já me disse que, se ele não viesse aqui, eu não teria trabalho. Não entendeu ainda que é ele quem recebe favores e que deveria ser grato por isso.

- É ressaca que Lourival tem? - perguntou Carla.

- Podemos dizer que sim - respondeu Luzia.

- Agora entendo por que devem ser analisados todos os pedidos e selecionados os necessitados que irão para a colônia. çe, levássemos Lourival ou aquele homem que me olhou com

cobiÇa, não teríamos ordem nas nossas enfermarias - falou Larissa. Existem postos como este por muitos lugares, em que podem receber auxilio - disse Edu.

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Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / Rosângela

- Lembro a vocês: se não são socorridos, é porque não querem o que temos a oferecer - falou Ricardo.

- Observando este atendimento, este posto, nossas colônias, entendo que a vida espiritual não difere muito da vivência física, a encarnada - falei.

- Por que mudaria tanto? Tudo foi criado por Deus e é sustentado por Ele. A morte do corpo carnal é para a maioria tão traumatizante... não seria ainda mais difícil se eles encontrassem tudo muito diferente? O Pai Divino é misericordioso - expressou Luzia emocionada.

Achei Luzia inteligente e muito dedicada. Pensei que, se trabalhasse ali, naquele movimentado pronto-socorro, por um mês, ia certamente aprender muito.

üma mulher entrou amparada por um socorrista, que nos cumprimentou sorrindo e explicou a Luzia:

- Achei Esmeralda no umbral com seus desafetos. Ela não está bem.

Deitou-a no divã e saiu. Luzia segurou sua mão e falou com carinho:

- Esmeralda, por que não perdoa e segue seu caminho entre nós que a amamos?

- Sabe que é justo meu ódio e que tenho de me vingar respondeu a mulher.

- Ódio nenhum é justo e ninguém se vinga impunemente! Se você faz alguém sofrer, sofre mais que eles - respondeu a atendente carinhosamente.

- Hoje aqui está enfeitado! É tão bom ver jovens querendo aprender! - exclamou Esmeralda olhando-os. Depois de uma pausa de segundos, falou novamente: - Se vocês estão aqui para aprender, será interessante eu contar por que quero me vingar. Tinha uma família feliz. Marido trabalhador e três filhos, qe nunca nos deram preocupações. Fomos assaltados, ficamos como reféns na nossa própria casa. üm dos assaltantes quis levar minha filha de treze anos para o quarto para estuprá-la. Tentei impedir e ele me matou. Após ter atirado em mim, eles fugiram E nossa vida se modificou, eles sofrem e eu mais ainda. Não queria ter desencarnado, termo que vocês usam, revoltei-me

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O difícil caminho das drogas

contra os assassinos e quis me vingar. Esses assaltantes eram

ens foram presos, assassinados e estão no umbral. Acho certo os castigar. Vigio-os, porque estão presos num buraco, e o castigo deles é ficar sem as drogas. Agora, desencarnados, eles não podem consumi-las, mas usufrúem dos fluidos dos encarnados que as utilizam. Só que o umbral é um horror! Lutei com eles esta noite, machuquei-me, mas não os deixei fugir. Vim para cá e dois amigos meus que também querem vingar-se deles ficaram vigiando-os. Como vê, não sou um monstro, só sou infeliz! Esmeralda enxugou umas lágrimas, e nós, as meninas do grupo, também secamos algumas. Ulisses perguntou:

-A senhora se acha corajosa por enfrentar esses desencarnados?

-Acho! Sou corajosa! - respondeu ela.

- Pois eu não acho! Quem se vinga é covarde! - expressou Ulisses. - Somos desencarnados como a senhora, deixamos o corpo físico, afetos, sonhos e muitas outras coisas. Nós não temos sentimentos de perda. Sabe por quê? Porque a vida é uma só, única, vivemos em fases, no invólucro material e aqui no plano espiritual. Quando amamos de verdade, conseguimos gostar da vida em todas as suas fases. E, quando isso acontece, somos felizes em qualquer uma delas. A vida desencarnada é tão bela! Viver aqui no plano espiritual é tão esplêndido! Coragem seria se a senhora tivesse perdoado e se esforçado por amá-los.

-É fácil falar quando não sentiu o drama na pele! - expressou Esmeralda.

- Eu, como a senhora, também fui assassinado. Meu desencarne foi parecido com o seu. A diferença é que não tenho autopiedade e não me sinto vítima, e a senhora sim. Trabalhava e estudava; era, graças a Deus, um garoto exemplar. Estava pelo meu serviço num banco que foi assaltado, me fizeram refém e mataram meu corpo físico. Só que não mataram meu espírito, e

continuei a viver sem mágoas ou revolta. Fui socorrido, dei valora iSso fui e sou grato pelo carinho com que me trataram. Amava a vida e, amo mais ainda. E como isso é bom! Os ladrões e asassinos eram viciados em tóxicos. Isto me fez querer conhecer

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Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / Rosângela

mais sobre o assunto, e aqui estou, em estudo, para poder um dia ajudar os usuários com conhecimentos.

- Você vai ajudar quem o matou? - perguntou Esmeralda.

- Por enquanto eles não querem ajuda, mas, se um dia quiserem e puder fazê-lo, vou ajudá-los. Não me liguei a eles, dona Esmeralda, pois não tenho raiva nem mágoa. A ação dessas pessoas é responsabilidade delas mesmas, e a reação virá independente de me vingar ou não. A senhora, com sua atitude, liga-se a eles e sofre junto.

Esmeralda abaixou a cabeça e chorou, sentida. Luzia continuou segurando sua mão; estávamos em volta dela e oramos, demos-lhe um passe, ou seja, doamos energias salutares, desejamos a ela que perdoasse. Ela parou de chorar e disse, comovida:

- Fazendo uma comparação entre nós dois, dá para entender quem está certo. Dona Luzia, por favor, quero mudar, perdoar, esquecer e recomeçar. Peço-lhe auxílio, pelo amor de Deus. Ajude-me!

Até Luzia ficou com os olhos cheios de lágrimas. Abraçou-a e depois apertou um botão. Logo vieram do andar de cima dois servidores com uma maca, onde colocaram Esmeralda. Ela virou o rosto para nós, detendo o olhar em Ulisses, e disse, comovida:

- Meu jovem, não sei como lhe agradecer. Obrigada? É pouco! Que Deus o faça cada vez mais inteligente!

Saíram, e Luzia falou a nós:

- Acho que desta vez Esmeralda ficará conosco. Vai ficar abrigada no nosso posto um tempo; querendo realmente melhorar-se, será transferida para uma colônia. Agora será higienizada e medicada; ela se recuperará logo.

- Tóxicos! Quantas tragédias acontecem por causa deles!

- exclamou Larissa.

- Não só por causa de tóxicos acontecem crimes e roubos, são muitos os motivos que levam imprudentes a cometer erros

- expressou Luzia.

- Ela desejou a você sabedoria! Gostei disso! - expressei, mudando de assunto.

- Você sabe, Rosângela, que inteligência se conquista com trabalho e estudo. Foi sincero o que ela me desejou, senti vontade

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O difícil caminho das drogas

De desenvolver mais ainda minha capacidade de aprender para servir com sabedoria.

Emocionei-me quando você falou que ama a vida. Eu também amo! Por isso não seria capaz de fazer nada que prejudicasse meu corpo físico nem meu espírito - falou Edu sorrindo.

- Maria Laura está chamando vocês. É para irem ao salão de palestras - disse um senhor que entrou na sala.

Larissa foi até a porta, olhou para fora e exclamou:

- Aquele homem está aí fora!

-Quando vocês saírem, vou chamá-lo - disse Luzia sorrindo. Abraçamo-la, agradecemos e fomos para o salão onde

éramos esperados.

41


cinco

Maria Laura nos recebeu sorrindo:

- Garotos, vamos ao nosso primeiro pedido!

Saímos à rua, andando como se fôssemos encarnados e por entre eles.

- Fazia tempo que não andava assim pelas ruas de uma cidade terrestre! Muito bom! Mas é engraçado! - exclamou Ricardo, rindo.

Eu também estranhei, quase sempre quando trabalhamos entre os encarnados, volitamos. Isto é, nos locomovemos de um lugar para outro impulsionando nosso corpo espiritual, o perispírito, e este vai pela força do nosso pensamento, como se voasse. Não são todos os desencarnados que fazem isso, é preciso saber, mas é fácil aprender. Esse conhecimento não é privilégio dos bem-intencionados, muitos desencarnados que ainda não fazem o bem também sabem. Andando nas ruas lembrei-me do período encarnada e sorri; lembranças agradáveis são sempre bem-vindas.

Logo depois que desencarnei fiquei curiosa para saber o que aconteceria se eu desse um encontrão num encarnado. Quando vim pela primeira vez ao plano físico compreendi. Não acontece nada, porque não há topada. Os dois planos não colidem. Quando queremos, passamos por um corpo sólido, atravessamo-lo como se nos fosse uma névoa. Nem nós nem o outro sentimos nada. É bem interessante. O encarnado não precisa ter medo São duas espécies de matéria diferentes, e também esses encontrões não acontecem a toda hora. O que entra em contato são mentes, assim mesmo esse intercâmbio não é tão fácil.

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O difícil caminho das drogas

Estávamos nos deliciando andando pelas ruas. Chegamos

uma praça onde havia um grupo de encarnados e, junto deles,

desencarnados. com a turma estava um moço; julgamos

que fosse jovem porque era difícil dar um palpite sobre a idade

que tinha quando desencarnou. Era muito magro, com calças

verdes sujas e rasgadas e uma camiseta que deveria ter sido um

branca. Era muito pálido, tinha olhos saltados e respiração

ofegante. Estava sentado no chão ao lado de um banco, quieto,

triste, cruzara as mãos sobre os joelhos.

Marcelinho! - disse Maria Laura com delicadeza.

Ele tentou se levantar e quase caiu. Ricardo o amparou.

- Sou eu! - respondeu ele com dificuldade. Olhou-nos e começou a chorar. - Desculpem-me, tenho chorado à toa ultimamente.

- Marcelinho, você sabe quem somos? - perguntou nossa instrutora.

- São desencarnados bons - respondeu ele.

- Ele sabe que mudou de plano - falou Larissa para Carla. Marcelinho escutou, olhou para ela e disse:

- Sei, sim, senhora. Sou um desencarnado que continua a viver miseravelmente.

- Você tem pedido ajuda, e viemos aqui para saber o que quer de fato - disse Maria Laura.

- Quero viver com dignidade! Quero estar como minha mãe pensa que estou. Ela me imagina feliz e longe das drogas, que consumiram meu corpo físico. Por favor, me ajudem!

Maria Laura, experiente, sabe só de olhar se o pedinte fala a verdade ou não, expressou:

- Está disposto a fazer direitinho tudo que lhe for pedido? Nossas casas de socorro têm ordem e disciplina e você irá fazer um tratamento e lá não se pode ter vícios.

- Quero me livrar desta dependência! Pensei que, com a morte do meu corpo material, ficaria livre das drogas. Mas que

decePção, não fiquei! Entendo agora que só me libertarei quando aJudar Porque não basta receber auxílio, tenho de querer mudar. E a luta será só minha - falou Marcelinho devagar e ofegante.

você sabe de muitas coisas! - expressou Ricardo admirado.

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Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / Rosângela

- É o pessoal do Grupo Esperança que me tem dito respondeu Marcelinho.

- Venha conosco. Vamos levá-lo a um abrigo, onde ficará nos aguardando, pois temos de ver outros necessitados. Depois iremos para uma cidade no espaço, que também chamamos colônia. Lá irá para um hospital onde se recuperará e estará em breve como sua mãe deseja - falou Maria Laura.

- Obrigado! - expressou Marcelinho.

Voltamos com ele para o posto; Ricardo e Edu o ampararam. Fomos à sala que fora destinada aos nossos socorridos,; Maria Laura medicou Marcelinho e fez sua higiene, ajudou-o a trocar de roupa, deixou uma bandeja com alimentos e falou calmamente:

- Depois que se alimentar, deite e durma, meu garoto!

- Desculpe pelo choro novamente, mas há tanto tempo não deito numa cama, não sou tratado com tanto carinho, Obrigado!

Saímos do quarto. No corredor, Larissa falou:

- Maria Laura, sempre achei estranho desencarnados se alimentarem. Eu mesma, nas primeiras semanas no plano espiritual, o fiz. Se, quando encarnada, tivesse tomado conhecimento desse fato, teria dito que era fantasioso.

- Vocês mesmos já concluíram que a vida na *Espiritualidade é parecida com a do plano físico, isso pela bondade *<H Deus, para que não estranhássemos tanto a mudança. E, mesno sendo parecida, muitos a acham diferente e não querem aceitá-la. Desencarnados que não sabem viver como tal têm reflexos do físico e só aos poucos aprendem a viver sem Esse tempo de aprendizagem não é igual para todos. Enquanto uns o fazem em dias, outros demoram. E os que vagam não têm esses conhecimentos, continuam com os reflexos e suas necessidades. *j

- Marcelinho era usuário de que droga? - perguntou Carla curiosa.

- Crack - respondeu Maria Laura.

- Essa droga mata mesmo! - expressou Ricardo.

- Marcelinho se referiu a um grupo... o Esperança. Quem são eles? - perguntou Carla.

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O difícil caminho das drogas

Existem pessoas dispostas a ajudar esses usuários e muito têm feito em benefício deles, respondeu nossa instrutora. O Grupo Esperança é composto por desencarnados que acompanham uma equipe de pessoas do invólucro físico e *se *unem e saem para ajudar, para conversar com os toxicômanos pelas ruas da cidade. Enquanto os encarnados orientam os que têm corpo físico, o Grupo Esperança conversa com os desencarnados. E ambos têm ajudado muito. Vamos voltar lá, já é noite e, pelo que Albino me falou, hoje as equipes estarão logo mais na pracinha.

Voltamos à praça; havia aumentado o número de toxicômanos, tanto os que estavam no físico como os que haviam mudado de plano. Eles conversavam. Aproximamo-nos e escutamos um encarnado falar:

- O Tavinho morreu na semana passada; abusou do crack e este o foi matando aos poucos. Passou mal e levaram-no para o hospital, mas não agüentou e faleceu.

- Que pena! Mas, por outro lado, é um a menos para sofrer como nós - expressou uma garota.

(Jm desencarnado falou:

- Coitado do Tavinho, está parecendo um farrapo. Está completamente insano num canto lá no umbral.

-Vocês sabem que os traficantes não estão querendo mais vender crack? É isso mesmo! Essa droga está matando muito. E, como morto não dá lucro, eles estão pensando em substituí-la

- falou um dos encarnados.

- Ouviram isso? Será verdade? - perguntou Larissa.

- Parece que sim - respondeu Maria Laura. - Mas não Pensem que é por bondade deles. De fato, o crack está fazendo muitas vítimas fatais, o que tem deixado os usuários com medo. Assim, com a morte dos viciados, os traficantes têm receio de que o número de clientes diminua.

- Mas as outras drogas também matam - eu disse.

- Sim, porém mais devagar - falou Ulisses.

- Que erro cometem os traficantes! - exclamei.

- São responsáveis por muitas desgraças e infelicidades! Clamou Ricardo.

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Vera Lúcia Marinzeckde Carvalho / Rosângela

- Mas não obrigam ninguém a se viciar. A escolha é de cada um! - falou Ulisses.

Nisso chegaram as duas equipes de socorro, üma era composta de cinco encarnados e a outra, de doze desencarnados, que nos cumprimentaram sorrindo.

Os cinco encarnados eram conhecidos dos toxicômanos e passaram a conversar com eles, como também o Grupo Esperança foi dialogar com os que não tinham o invólucro físico. Ficamos ouvindo. Eu me aproximei dos encarnados, üm dos usuários falou a uma senhora:

- Dona Olivia, Tavinho morreu. Fiquei triste!

- Era jovem, foi sadio, tinha o corpo sem deficiência, perdeu muitas oportunidades: de trabalhar, casar, ter filhos. Olavo, pense bem, se continuar a usar drogas, acabará como ele. É isso que você quer? Lembre-se de seus pais, eles sofrem por você.

O mocinho começou a chorar e falou, sentido:

- Não consigo largar este vício!

- com nossa ajuda conseguirá! - expressou a senhora amorosamente.

- Sou fraco! A droga me faz tanta falta como o ar que respiro. Sei que me faz mal. Vivo no inferno. Já fiz coisas erradas pelo meu vício, já roubei, estou acabando comigo e não consigo me libertar dele - falou Olavo, comovido.

- Consigo uma internação para você, mas precisa querer se libertar dessa dependência - disse a senhora.

Olhei bem para o jovem, que tinha talvez uns vinte e dois anos. Estava sujo, despenteado e sofria muito. Nisso uma garota de uns dezoito anos se aproximou:

- Olavo, pare de choramingar a essa dona. Deixe disso! Está precisando de uma dose.

A senhora tentou conversar com ela, mas a garota foi grosseira, resmungou indelicadezas e se afastou.

Os desencarnados se agruparam. Conversavam, üns se interessavam pelo assunto, outros não.

- Estamos todos mortos! - exclamou um dos ex-usuários de tóxicos.

- Foi o corpo físico que morreu; nós continuamos vivos, mudamos de plano - disse um senhor do Grupo Esperança.

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O difícil caminho das drogas

- Continuamos mesmo vivos, com as mesmas misérias. Às vezes penso que é tudo tão igual, outras vezes que é tão diferente. Ontem fui à casa de minha mãe, e ela não me viu. Sou uma coisa que deveria morrer mesmo, acabar - falou uma mulher.

- Não acabamos. Nosso corpo físico morreu, mas estamos mais vivos que antes. E até que estamos bem se comparados com outros. Tenho visto alguns que foram meus companheiros no vício e estão tão mal que nem sabem quem são. Não querendo ofender, chamo-os de loucos. É isso que são, dementes - falou um moço desencarnado.

- Estão perturbados - falou uma senhora do Grupo Esperança.

Mariozinho, um dos componentes dessa equipe maravilhosa que realmente dá esperança a todos que sofrem por ter se viciado, reuniu nosso grupo e explicou:

- Trabalhamos tentando auxiliar quem tem dependência química, principalmente os toxicômanos. Participamos de um trabalho numa clínica de desintoxicação localizada aqui perto; é uma chácara bonita onde encarnados fazem tratamento, e no plano espiritual desse lugar temos um espaço para os desencarnados, que é também nossa moradia. Saímos com esta equipe de encarnados e ajudamos muito o grupo dos Narcóticos Anônimos.

- Gostaria de conhecer o trabalho de vocês e também o NA-falei.

- Estão convidados! Será um prazer recebê-los. Teremos esta semana uma reunião dos Narcóticos Anônimos e será muito bom tê-los conosco - disse Pedro, que orientava a equipe.

- Pois iremos. Estaremos lá no horário marcado - falou Maria Laura.

Alegramo-nos com o convite. Os grupos continuaram a orientá-los e nós ficamos observando; era um trabalho persistente. Foram embora aparentemente sem nenhum resultado. Ninguém nem do plano físico nem do espiritual acompanhou as equipes. Era, porém, uma semente lançada com muito amor e carinho que acabaria por dar frutos.

- Maria Laura, se o Grupo Esperança tem um espaço na Chácara onde eles moram e abrigam alguns desencarnados e

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Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / Rosângela

Marcelinho estava sempre a escutá-los, por que coube a nós socorrê-lo? - perguntou Carla.

- Você é curiosa! - exclamou Larissa. Rimos. Nossa instrutora respondeu:

- É bom que perguntem tudo o que queiram saber. O Grupo Esperança tem ajudado mais os encarnados. O abrigo na chácara para os necessitados sem o invólucro físico é pequeno e temporário. Lá não há como fazer um tratamento como nos nossos hospitais das colônias. Marcelinho já esteve lá muitas vezes. No abrigo recebeu orientação, seu estado geral melhorou e ele ficou mais consciente. O trabalho do Grupo Esperança é muito importante; orientou Marcelinho, como a muitos outros, sobre o que deveria fazer, que é pedir ajuda para mudar.

- Eles levam alguns socorridos para a colônia? - perguntou Edu.

- Dificilmente o fazem. Quando isso é necessário, eles pedem a nós - respondeu Maria Laura.

- Cada um fazendo o que lhe cabe - eu disse.

- É isso aí. O Grupo Esperança tem o objetivo de auxiliar os que estão vivendo no físico, proteger a equipe encarnada, defendê-la de ataques de espíritos ignorantes e maldosos. Prestam muitos socorros. Quando acham que o socorrido precisa só de uma medicação, levam-no ao pronto-socorro do centro espírita ou para o abrigo deles. Quando o socorrido quer mesmo mudar, eles o ensinam a pedir. Porque aquele que pede torna-se receptivo à ajuda. Foi isso que aconteceu com Marcelinho. Ensinaram-no e ele o fez. com certeza, por ele ter pedido, saberá dar mais valor ao auxílio recebido.

-A diversidade é enorme nos trabalhos dos desencarnados. Acho isso o máximo! - exclamou Ricardo.

- Vamos agora até outro pedinte. é Carolina, uma jovem que desencarnou aos dezenove anos, assassinada. Era toxicômana. Ela está aqui perto - falou Maria Laura.

Atravessamos a praça e seguimos por uma rua que, devido ao horário avançado - era uma hora - e por ser dia de semana, havia poucos transeuntes. Andamos uns cinco quarteirões e Maria Laura foi nos explicando:

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O difícil caminho das drogas

- Carolina tem pedido ajuda, ela reza de forma confusa. Às vezes acha que está no invólucro físico; em outras, não, pois já

disseram a ela que seu corpo carnal morreu. Há sempre espíritos mal-intencionados que falam em gozação e de forma bruta para desencarnados que vagam, que mudaram de planos. Essa garota, quando encarnada, estava sempre por aqui, às vezes quando tinha dinheiro pernoitava nesta pensão, onde também fazia programas. Agora está aí. Vamos entrar.

Paramos em frente a um sobrado, passamos por uma porta estreita e nos defrontamos com uma escada suja e deteriorada. Subimos calados. *O local estava repleto de fluidos deletérios.

Larissa encostou em mim. Olhei para ela, que falou:

- É melhor ficarmos bem perto, não sei o que pode acontecer.

- Não vai acontecer nada de que possa ter medo, Larissa falou Ulisses. Não sei por que você teme tanto!

- Sou só precavida - respondeu Larissa.

Sorrimos. Entendemos que muitos quartos ali naquele corredor comprido eram para encontros. Estávamos curiosos e observamos tudo detalhadamente. Era a primeira vez que nós, os estudantes, íamos a um lugar como aquele. Nossa instrutora parou em frente a uma porta e disse a nós:

- Vamos atravessá-la! Peço-lhes que não deixem a curiosidade os impedir de ajudar. Vamos analisar o pedido de Carolina.

Atravessamos a porta, que para os encarnados estava fechada. Para fazer isso é preciso saber; é fácil, mas desencarnados que não sabem que fizeram a mudança de plano ou que se iludem não fazem isso, agem como se estivessem no plano físico. Para nós, que temos o corpo perispiritual, atravessar a matéria sólida é simples; basta querer, concentrar-se e sentir-se capaz de fazê-lo. Aprendemos isso num curso e, quando saímos em excursão como a que fizemos, todos têm de saber.

O quarto estava na penumbra, era simples, tinha uma cama

De casal, um pequeno armário e duas cadeiras. Sentada num canto no chão, estava Carolina. Devia ter chorado muito, estava

o nida, com roupas imundas e rasgadas, cabelos sujos, mas

Maria Laura exclamou baixinho, ajoelhando-se

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Vera Lúcia Marinzeckde Carvalho / Rosângela

Ela nos olhou, devia ter-nos visto de forma confusa. Encolheu-se mais para o canto.

- Como você está, Carolina? - perguntou Carla.

- Muito mal, sofrendo bastante - respondeu ela baixinho.

- Estamos aqui para ajudá-la - falou Larissa.

- Quem são vocês? O Pessoal do Pó? - indagou Carolina4.

- Não, somos desencarnados que tentam atender quem pede ajuda ao Pai Celeste - respondeu Maria Laura.

- Vieram me auxiliar? - perguntou Carolina, entusiasmando-se. - Pois bem, quero ajuda. Primeiro me tirem deste sonho ruim, ou melhor, pesadelo, em que me dizem que estou morta. Segundo quero estar sadia, sem dores, quero uma roupa nova, melhor.

- Para que *tudo isso? - perguntou Ulisses.

- vou sair por aí, fazer uns bons programas e ter dinheiro para comprar... - disse ela. Fez uma pausa, observou-nos melhor e continuou a falar, devagar: - Vocês são contra as drogas?

- Somos a favor de uma vida digna, almejamos o bem de todos. Nada que nos prejudique é bom - respondeu Maria Laura.

- Vocês são estranhos! Abriram a porta para entrar? perguntou Carolina.

- Não - respondeu Edu.

- Ai! Será que são como os outros que entram e saem passando pelas paredes? São os tais desencarnados? Mas vocês são diferentes! - exclamou ela, assustando-se.

- Carolina, o corpo físico morre. Somos espíritos que sobrevivem à morte da carne. Quando isso acontece, continuamos nossa vida: os bons procurando ser cada vez melhores; os] imprudentes, infelizmente, fazendo maldades; e outros, como você, preferindo iludir-se e não aceitar a realidade - explicou Maria Laura com ternura, segurando a mão dela.

- Então é verdade que Paulão me matou? Mas isso não pode ficar assim! Me ajudem! Vou melhorar e dar uma lição nele. Nunca mais vai assassinar ninguém - disse Carolina.

4 - Como soubemos depois, Pessoal do Pó ou URR, era a designação para um grupo de desencarnados que foram traficantes ou usuários quando estavam no corpo físico. Lembro meus leitores que essas denominações, na maioria, são específicas para grupos, mas podem ser também regionais e passageiras. (N.A.E.)

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O difícil caminho das drogas

Estamos aqui para tentar ajudá-la - disse Ricardo. -

mas não podemos fazer o que nos pede. O auxílio que temos

para lhe dar é outro. Nós a convidamos a vir conosco. Nos

nossos abrigos terá amizade sincera, aprenderá a viver com

espiritualidade como desencarnada e ofereceremos tratamento para

que se liberte de seus vícios.

- Não vou poder cheirar, injetar? Nada? - perguntou ela.

- Não - respondeu Maria Laura.

- Não quero isso! Não estou a fim do que me oferecem. Obrigada! Ai meu Deus, me ajude! - exclamou Carolina.

Oramos por ela, transmitindo-lhe fluidos salutares. Ela ficou quieta, observando. Edu orou um Pai-Nosso, e ela tentou acompanhar. Ulisses orou uma Ave-Maria, modificando a parte final:

- Boníssima Maria, mãe de Jesus, nosso Mestre Maior, protegei Carolina, intuí-a no bem; que seu amor maternal a envolva hoje e sempre. Amém!

Carolina tentou dar um sorriso e continuou quieta no canto do quarto. Saímos. Larissa aproximou-se bem de Maria Laura, olhou para Ulisses e disse:

- é por cautela!

Foi um alívio sair daquele prédio. Caminhamos pelas ruas rumo ao posto do centro espírita.

- Que acontecerá com Carolina? - perguntou Ricardo.

- Será visitada outras vezes, respondeu Maria Laura. Pedidos não ficam sem respostas. Não podemos atender ao que ela quer. Acabará compreendendo que necessita de outra coisa.

- E, quando quiser o que temos a dar, será levada para um socorro.

- Será que, se ela se esforçasse um pouco, não entenderia que tem necessidade de socorro? - perguntei.

- Ela tem livre-arbítrio, e não é justo levá-la para um socorro que não quer, porque daria trabalho triplicado aos servidores das enfermarias - respondeu nossa instrutora.

- Entendi - informei. - Não podemos dar trabalho aos outros; se quisermos fazer algo extra, cabe a nós fazer. E Carolina não está em condições de receber o que os trabalhadores do bem têm para oferecer.

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Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / Rosângela

- Quando fiz o curso para conhecer o plano espiritual expressou Ulisses -, vim a saber da existência do Umbral, e achei que era impossível alguém querer viver nele e os bons permitirem que desencarnados sofressem por lá. Isso estava me incomodando e expus minha opinião na sala de aula. Lembro bem que recebi três respostas que me levaram a compreender essa morada temporária de muitos. A primeira foi de uma colega, que falou: ”Desencarnei e fui para o Umbral porque lá era o melhor lugar para mim naquele momento. Não queria estar com os bons nem era merecedora de estar num lugar de ordem e disciplina. Egoísta, queria só receber; orgulhosa, achava que deveria ser servida e era arrogante com quem servia. Foi lá que compreendi que não estava agindo certo. Sofri, mas aprendi. Quando fui socorrida dei valor e fiquei agradecida”. O segundo depoimento foi de uma companheira: ”Quando desencarnei, fui por merecimento para uma colônia. Mas meus dois filhos ao terem o corpo físico morto foram para esse local de agonias. A gente tem visão diferente de um lugar quando lá está quem amamos. Vi então a Zona Umbralina como uma escola para retardatários que, não aproveitando as oportunidades de aprender pelo amor, têm de aprender pela dor. Hoje os dois foram socorridos e continuo vendo nessa morada um lugar de desencarnados imprudentes que necessitam ser amados como filhos, irmãos”. Nosso instrutor assim expressou, dando a terceira opinião: ”Todas as moradas de sofrimento e maldades acabariam se não existisse quem as habitasse. Muitos gostam de lá porque se afinam. Gostos diferem. Você preferia estar num bar bebendo ou em um local orando? Num hospital servindo ou lá sendo servido? Em lugar de paz ou de guerra e conflito? Há os que gostam desse pedaço do plano espiritual, de suas cidades, organizações. Outros fingem gostar e há os que não gostam, mas por afinidade ficam, não têm escolha. Temos o livre-arbítrio, a liberdade de fazer o bem ou o mal, somos donos dessas ações e a conseqüência dessas atitudes retorna para nós mesmos, independentemente da nossa aceitação ou vontade, porque fomos nós que a fizemos. Maldades se afinam com esse local de sofrimento. Não podemos socorrer todos os que lá estão sofrendo por uma simples razão: eles não querem nossa ajuda. Lembra Ulisses: Tudo é temporário, o espírito sofre

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O difícil caminho das drogas

naquele lugar até que queira melhorar’. Compreendi que o umbral é uma morada de irmãos. Adquiro conhecimentos todas as vezes que vou lá”.

- Que dissertação comprida! Você não cansa de falar perguntou Ricardo.

- Desculpe-me, nem percebi que me excedi - respondeu Ulisses sorrindo.

- Obrigado Ulisses, você me ajudou com sua explanação vou tentar controlar meu receio - disse Larissa.

- Vamos, garotos, temos de voltar hoje à tarde - disse Maria Laura.

Fomos para a parte superior do posto, local só existente no plano espiritual, entramos num aeróbus5, nos acomodamos partimos em seguida. A viagem foi rápida, minutos depois estavamos no umbral, no local programado. Celestino, o condutor falou, amável:

- Garotos, estarei aqui às dezoito horas para retornarem mas se precisar de mim ou que os pegue em outro local é só avisar

- Como? - perguntou Carla.

- Pela telepatia, pensem em mim e informe o local. logo - despediu-se Celestino.

Partiu em seguida, ele tinha muito trabalho a fazer. Lari: ficou perto de Maria Laura. Descemos um vale com poucas árvores. Carla olhava tudo muito curiosa e justificou:

- Aqui há tanta coisa diferente. Gosto de ver tudo! Edu suspirou triste. Nosso amigo era muito sensível, apiedava-se demais de todos. Andamos ligeiro guiados pela nossa instrutora Depois de termos caminhado por uns quarenta e cinco minutos Maria Laura parou em frente a uma abertura numa rocha.

- Aqui está Francisco, o Fran, para os amigos. Está bem aqui dentro. Vamos entrar!

- Não é perigoso? - perguntou Larissa. Olhamos para ela - continuou a falar apressada: - Se está preso foi porque alguém o prendeu, e este certamente não gostará que o soltem

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Aeróbus são veículos usados na Espiritualidade para locomoção; são de diversos tamanhos e muito confortáveis. (N.A.E.)

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-Você tem razão, Larissa - disse nossa instrutora. - Para um; socorro em que consiste soltar, libertar um prisioneiro, temos de estudar todas as conseqüências que poderão ocorrer. Não sabemos ainda se vamos libertá-lo, vamos analisar a situação. Francisco não é um preso importante; está aqui atado a correntes e é fácil para nós, os socorristas, libertá-lo. É só mentalizar que os grilhões se abrirão. Presos que são alvos de interesse ficam em fortalezas ou nas prisões das cidades umbralinas, que são de difícil acesso. Em casos assim, não podemos ir. Quando são feitos esses resgates, quem os faz são as equipes socorristas experientes.

com a nossa entrada, três desencarnados que estavam lá olharam desconfiados para nós e saíram.

- Fran! Francisco! - chamou Maria Laura.

- Aqui! Acho que sou eu! - respondeu um garoto. Fomos até ele. O garoto estava sentado no chão, com

pouca roupa, sujo, fétido e muito magro. Tinha uma corrente que o prendia pelo tornozelo. Olhou para nós assustado. Junto dele estava outro jovem nas mesmas condições, só que não estava preso.

- Qual dos dois é o Fran? - perguntou Carla.

- Sou eu! Este é o Rogério! Vocês são os anjos do Senhor? Vieram me ajudar?

-Você tem pedido socorro a Deus - respondeu Maria Laura.

- Somos pessoas que trabalham tentando auxiliar. Que você quer?

- Sei que não mereço nada de bom, porque nada fiz para receber o bem. Mas sofro tanto! Quando no corpo físico, desprezei as oportunidades, afundei no vício das drogas, morri e aqui estou há tempo. Fui preso aqui por querer mudar. Quero ser bom, fazer o bem e não quero mais envolvimento com o tóxico.

- Você está consciente! - exclamou Ricardo.

- Faz tempo que não me expresso com tanta clareza, não sei o que está acontecendo - respondeu Francisco.

Maria Laura estava ao lado dele, tinha colocado as mãos espalmadas em cima de sua cabeça transmitindo fluidos de harmonia.

- Podemos levá-lo, cuidaremos de você. Mas no lugar para onde irá, você terá de cooperar, sendo obediente, educado e grato - falou nossa instrutora.

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O difícil caminho das drogas

- Serei isso e muito mais - expressou Francisco, comovido.

- Será que Rogério quer auxílio também? - perguntou Edu. -Acho que não, ele só quer a droga. Tenho pena de deixá-lo.

Conheci-o aqui no umbral e tenho tentado ajudá-lo, mas ele não entende nada. Já estive como ele, é muito triste aqui, sofre-se muito - respondeu Francisco.

Olhamos para Maria Laura e ficamos aliviados quando ela falou:

- Fran, você ficará aqui nos esperando, logo mais pegaremos você e seu amigo. Vocês não ficarão juntos. Você irá para um centro de reabilitação e ele para um abrigo temporário.

- Vocês vão me levar mesmo? Muito obrigado! Ficarei esperando ansioso a volta de vocês.

Saímos da abertura. Carla perguntou:

-Maria Laura, e se na volta não encontrarmos mais o Fran?

- Ele quer ajuda e vai esperar - falou Ricardo.

- E se ele for levado pelo desencarnado que o prendeu? indagou novamente minha colega, curiosa.

- Se isso acontecer, que faremos? - perguntou Larissa.

- Isso não vai acontecer - respondeu Maria Laura. - Quem o prendeu não tem muito interesse nele, o fez por um castigo, por ele ter querido mudar a forma de viver. Vamos levá-los embora daqui. Rogério irá para o abrigo do Grupo Esperança onde ficará por um tempo e dependerá dele receber uma ajuda maior. Quanto ao Francisco, analisamos seu caso e decidimos que será socorrido. Mas, se acontecer o que temem, se ele for retirado daqui e levado para outro lugar, será só eu pensar nele que o acharei, e iremos pegá-lo onde estiver.

-Ai! Onde estiver? E se quem o prendeu estiver com ele? Perguntou Larissa.

- Aí o resgataremos - respondeu Maria Laura.

- Não será perigoso? - indagou Larissa.

- Se eu sentir que o resgate será difícil, deixo vocês no posto e volto com socorristas experientes para levarmos Francisco.

Isso que é firmeza! é assim que quero aprender a trabalhar. Se tem de ser feito é feito! - exclamou Ricardo.

Admiro você, Maria Laura! Por que trabalha com tanto emPenho? Tem recebido algo em troca por isso? - perguntou Carla.

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- Eu posso responder isso por ela - falou Ulisses. - Maria Laura trabalha porque ama, preferiu servir a ser servida. Não o faz por troca, para receber. Mas todo trabalho tem sua recompensa. O que se aprende fazendo é conhecimento adquirido, tesouro valioso. E a satisfação do bem realizado nos dá a alegria que nos leva a ser felizes.

nossa instrutora sorriu e falou calmamente:

- A Terra, planeta que habitamos, é a casa de todos nós. Se a quisermos melhor, temos de cooperar para isto. Faço porque tem de ser feito. Oferecendo o socorro a quem precisa e quer, este, quando estiver bem, poderá ser útil, pois todos nós já necessitamos de auxílio. Bendito o que segue o exemplo de seu benfeitor. Tudo o que faço, meus jovens, tento amar, porque o amor é a luz que ilumina nossos caminhos.

- Não tinha pensado ainda no que falou. Devemos cuidar da nossa casa. Bendita morada! Amo a Terra! - falou Ricardo sorrindo.

- Esses socorridos aproveitam o bem recebido? São gratos?

- perguntou Carla.

- Pode ser que muitos não aproveitem os benefícios recebidos e continuem doentes e necessitados - respondeu Maria Laura, esclarecendo. -Tenho a certeza de que uma pessoa aproveitou muito bem: eu mesma. O beneficiado recebeu o bem que alguém lhe fez, o benfeitor se tornou bom pelo bem que fez. Então o principal beneficiado é o benfeitor. Por isso recomendo a vocês amar todos e tudo que fazem. E para manifestar esse amor, fazê-lo forte e verdadeiro para que cresça, devemos praticar a caridade. É a caridade que atualiza, fortifica o amor.

- Que esclarecimento! Pena que muitos não conseguem entender como é bom fazer o bem - disse Ricardo.

- Vamos garotos, o próximo a ser analisado está longe daqui. Andemos! - expressou nossa instrutora.

Andar pelo umbral é ver sempre novidades, pois é muito diversificado. Encontramos desencarnados em grupo ou sozinhos, como também socorristas que nos cumprimentaram sorrindo. Alguns pararam para indagar se necessitávamos de algo. Vimos muitos imprudentes que se julgam maus ou que estão no caminho

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O difícil caminho das drogas

Ao erro, da maldade; estes só observam, olhando-nos com deSprezo. Há os gozadores, irônicos, que não perdem a oportunidade de um encontro assim para dizer palavras obscenas e ofensivas. E vimos os que sofrem. Desses dá pena. Como estávamos ali para um trabalho determinado, passamos por eles sem nada dizer. não é indiferença, é impossível ficar indiferente a dor alheia. Porém, sabemos que o trabalho só dá bons frutos se houver ordem, disciplina e obedecer a um planejamento. Outros socorristas atenderiam a estes, mas também dentro de um critério e normas de socorro.

Enquanto caminhava, lembrei da minha companheira de trabalho, a médium que comigo escreve este livro. Iniciou seu trabalho de psicografia porque foi ajudada. Antes disso, sofria ela e a família de influência de espíritos inferiores. Foi-lhe explicado que poderia ser auxiliada ajudando os outros por meio da mediunidade. Para receber, passou a doar. Estudou e foi perseverante no seu trabalho. Recordou suas encarnações anteriores em que havia uma dívida com a literatura, empenhou-se para repará-la. Sentindo que os havia reparado, compreendeu que precisava fazer mais e aprendeu a amar. Agora faz seu trabalho pelo prazer de desfrutar da companhia dos espíritos que com ela trabalha, e porque este beneficia a outros. Faz porque é bom. Ela se achava em dificuldade e foi auxiliada, teve o benefício, aproveitou para crescer e aprendeu a auxiliar. não importa onde estejamos, no plano espiritual ou físico, o importante é ser útil. Olhei para Maria Laura, quando encarnada, foi uma benfeitora e continua a sê-lo aqui. E que ensinamento profundo nos deu quando nos disse: ”A Terra é nossa casa, cuidemos dela para torná-la uma morada boa a todos nós.”

Chegamos a uma caverna grande. Era um salão de cor escura e suja. Entramos calados. O local era de livre acesso, isto é, não era guardado, entrava e saia quem queria. Havia pouca claridade.

- Aqui é um ponto de encontro entre usuários de drogas encarnados e desencarnados. Os que vivem no físico, ao terem o corpo adormecido, vêm para cá, conversam, fazem festas. E um lugar agradável e de prazeres para eles. Porém, aqui é também Um lugar freqüentado por desencarnados que desejam se vingar,

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prejudicar desafetos, tornando-os dependentes de drogas. Por isso ] é aberto - explicou nossa instrutora.

- Você está querendo nos dizer que alguns, para se vingar, incentivam outros a se viciar? - perguntou Carla.

- Minha colega - falou Ulisses -, não acha que um toxicômano ou um dependente de álcool não se dá mal sempre? Estamos vendo que as drogas aniquilam as pessoas, tanto com o físico quanto com o perispírito, e os envolvidos vêm a sofrer muito. É uma terrível forma de se vingar - falou Ulisses.

- De fato é uma vingança cruel. Só que não se pode obrigar outra pessoa a ser usuário, só incentivar a isso - falei.

- Bobo de quem atende a esses incentivos disse Ricardo.

- À noite, aqui fica movimentado. Há um desencarnado que coordena, manda neste lugar. É o chefe, ele dá conselhos para quem quer se vingar - explicou nossa instrutora.

- Bem que minha mãe dizia para ouvir com cautela os conselhos, pois estes nem sempre são bons, e que devemos ter discernimento para julgar tudo o que ouvimos - comentou Edu.

- São muitos os que freqüentam aqui e eles acham maravilhosas essas reuniões, o reino das drogas. Esse chefe tem facilidade para falar, faz discursos, que ele chama de palestras em favor das drogas, dos vícios, agrada os usuários, é educado, prestativo - continuou explicando Maria Laura.

- üma pessoa perigosa! - exclamei.

- Espero que não o encontremos - balbuciou Larissa.

- Durante o dia aqui não é movimentado! - expressou Maria Laura.

Observamos curiosos o local, estava realmente sossegado. A decoração era parecida com a de uma casa de show noturno de encarnados. Seguimos Maria Laura, que foi a um dos cantos. Estavam sentadas no chão cinco pessoas, três jovens e duas mais velhas. Nossa instrutora se aproximou dos jovens e indagou:

- Você é a Dani?

- Sim, Dani, de Daniela - respondeu uma garota nos olhando curiosa. - Quem são vocês? Querem conversar com o chefe? Ele não está, só vem após a meia-noite.

- Dani, sua mãe tem orado e pedido muito por você, como também recebemos uma rogativa sua. Viemos ver o que se passa

- esclareceu Maria Laura tranqüilamente.

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O difícil caminho das drogas

- Vocês são do bem? Muito estranho! - falou um dos homens que nos observava. - Pensei que fossem diferentes. São anjos? Estão sem asas por quê? Foram jogados do alto no dia de limpeza?

Ricardo achou graça e riu, Maria Laura olhou para ele, que compreendeu que era para ficar quieto e a obedeceu de imediato.

- Por que você acha que temos de ter asas? - perguntou Edu.

- Anjos sempre as têm, todos sabem disso - respondeu o homem.

- Não somos anjos - explicou Maria Laura. - Somos como vocês, desencarnados. Vivemos num corpo físico que morreu e continuamos vivos, só que desejando fazer o bem. Estamos tendo a oportunidade de auxiliar quem necessita e quer nossa ajuda.

- Aqui ninguém quer vocês ou seu auxílio, não somos miseráveis para pedir esmolas. Dêem o fora! - expressou em tom alto um moço que estava perto de Dani.

- Fique quieto Lalau! - ordenou Daniela. - A conversa é comigo. Os senhores estão enganados, não preciso de auxílio. Estou bem aqui e não quero nada dos que se julgam bons. Sei que vocês são chatos e vivem na chatice, amolando os outros. Que nunca se divertem. Sei que a coitada de minha mãe, como sempre preocupada comigo, quer que eu esteja bem. Pois eu estou ótima, não como ela quer, mas como eu quero.

- Mas você pediu socorro! - exclamou Ulisses.

- Foi num momento de fraqueza! - respondeu a garota. Minha mãe me enche tanto, diz lá em suas orações para eu pedir ajuda, aceitar um socorro, que acabei por pedir. Não pensei que vocês viessem me ver aqui.

- Você acha que está bem? Está feliz? - perguntei.

- Nada é perfeito! Claro que temos algumas dificuldades. Este aqui é o Lalau, um conhecido meu. Foi morto numa chacina, quer se vingar. Está um tanto difícil realizar essa vingança, porque quem o matou é muito mau e amigo dos vingadores daqui. Mas ele está conseguindo que uma filha desse assassino se vicie. Para receber essa ajuda ele trabalha muito para o chefe.

- Que deslealdade! É amigo, mas deixa que se vingue dele!

- exclamou Carla.

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- Por que tanto espanto, anjinha fajutá? Aqui é como no plano físico, ninguém confia em ninguém. É cada um para si e contra todos - falou Lalau.

- A conversa acabou, não quero mais falar com vocês. Vão embora! - expressou Dani.

- Daniela, será que não quer mesmo mudar de vida? Conhecer outra maneira de viver desencarnada? üm lugar onde reine a harmonia, a lealdade e onde se confia nas pessoas? perguntou Maria Laura.

- Você acha que sou confiável? A primeira coisa que faria num lugar assim seria uma intriga para fazer brigar essas anjinhas com expressões tolas. Sempre odiei meninas certinhas. Saiam daqui, me deixem, por favor. Fora! - exclamou Dani.

- Daniela, mas você pediu ajuda. Você... - disse Edu. A garota não o deixou terminar de falar, gritou alterada:

- Já disse que foi uma recaída. Vocês já me encheram demais. Caiam fora!

Maria Laura nos convidou com um gesto de cabeça a sair. Do lado de fora, Carla indagou, curiosa:

- Maria Laura, o que se passa com Dani? não entendi bem esse caso.

- A oração tem grande poder. A mãe de Daniela ora por ela e esta recebe fluidos de carinho e, num desses, Dani pediu ajuda. Porém oscila, ora querendo e logo em seguida não querendo mais - explicou nossa instrutora.

- Talvez, se tivesse sozinha, longe de Làlau, mudasse de opinião - expressou Edu.

- Ela não quis mesmo nosso auxílio. Acredito que mudara de opinião e logo essa garota vai querer ficar conosco - falou Maria Laura.

- Amor de mãe é o farol que nos ilumina. Também acho que a mãe de Dani vai conseguir mudá-la - opinei.

- Larissa, você está muito quieta. Que aconteceu? - Perguntou Ricardo.

- Fiquei preocupada. O chefe poderia aparecer - reSpondeu Larissa.

- Pois se tivesse, não aconteceria nada. Já o vi outras vezes, me encontrei certa vez com ele aqui, foi educado,

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cumprimentou e me perguntou quem procurava. Ele acha que quando um dos freqüentadores daqui não quer mais o que o local tem para oferecer, deve mesmo ir embora - falou Maria Laura.

Ele é terrível mesmo! Deve iludir, enganar muitos! exclamou Ulisses.

-Engana mesmo! Ele é querido neste lugar, endeusado, embora seja temido. Todos sabem que se o desobedecer o castiqo é cruel. Mas quando ele quer castigar os leva para outro lugar. Aqui tudo é divertido, fácil, oferece prazer, meios de vinqança - explicou nossa instrutora.

- E os imprudentes caem nessa armadilha, afundando no erro cada vez mais, fazendo ações das quais um dia receberão a reação. Os freqüentadores daqui são escravos que se iludem, acreditando-se livres para fazer o que quiserem - falou Ulisses.

- E esse chefe? Minguém tentou conversar com ele? perguntei.

- Rosângela - respondeu Maria Laura - já tentamos falar com ele. Como disse, ele é educado, por vezes escuta e só sorri. Somos livres para fazer o que queremos, esse chefe também o é. üsa mal sua liberdade, um dia terá de dar conta do que faz. Ele é cínico, maldoso, hipócrita. Fala que não faz mal e sim o bem para quem freqüenta essa caverna. Ilude a muitos, mas não esqueçamos que ele engana quem quer e aceita ser enganado.

-Jesus disse: ”Ai dos hipócritas!” Quem, para iludir, finge ser o que não é, na minha opinião, erra mais - falou Ulisses suspirando.

- Ulisses, você é um sabidão! - exclamou Ricardo.

- Ora, eu só estudo! - respondeu Ulisses.

Fomos caminhando pelo umbral, conversando baixinho. seguimos Maria Laura que conhecia bem aquela região.

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sete

Logo ali, atrás daquelas pedras, está Maria Cecília, outra que terá o pedido analisado - explicou nossa instrutora.

Nesse pedaço do umbral havia muitas rochas cinzentas e algumas tinham aberturas formando buracos ou pequenas crateras. Subimos, descemos e chegamos a uma cavidade. Lá estavam Maria Cecília e um outro jovem que estava largado, sem se movimentar, com os olhos parados, boca aberta e babando. Ambos estavam sujos e fétidos.

- Maria Cecília? - perguntou Maria Laura com carinho.

- Sou eu senhora! Como vocês estão limpos! São visitantes? Estão mortos? - perguntou ela.

- Somos desencarnados como vocês. Já tivemos o corpo físico morto. Moramos em outro local muito bonito, onde se estuda, trabalha, por isso estamos limpos. Estamos aqui em resposta ao seu pedido de ajuda - respondeu Maria Laura.

-Verdade? - perguntou ela, sentando-se. Antes achava-se deitada com a cabeça apoiada numa pedra. - Vocês são pessoas que ajudam? Será que podem me auxiliar?

- Vamos ver primeiro se podemos fazer o que quer - respondeu Ricardo.

Maria Laura olhou para Ricardo, que tossiu baixinho. Entendeu que não era para ter dito isso a ela. Maria Cecília o olhou, começou a chorar e falou depressa:

- não sei o que tenho de fazer, como pedir para vocês me ajudarem. Só quero um socorro. Me ajudem pelo Amor de Deus.

- Maria Cecília, não chore! Diga para nós o que quer! exclamou Maria Laura.

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O difícil caminho das drogas

- não sei o que falo, tenho medo de dizer alguma coisa que ofenda vocês e aí não me ajudem - expressou Maria Cecília

sUSpirando.

- Vamos levá-la! Terá um lugar confortável para ficar, aprenderá a viver com dignidade sem o corpo físico, fará um tratamento que a livrará da vontade de usar drogas - falou Maria Laura carinhosamente.

- Ficarei limpa? - perguntou a garota.

- Sim, ficará! - respondeu nossa instrutora.

- Por favor, me levem, não se arrependerão. Quero sarar, ser boa, vou aprender tudo direitinho e serei obediente - disse ela falando depressa.

- Pois vamos! - exclamou Maria Laura lhe dando a mão.

- E ele? Como ficará? - perguntou Maria Cecília, apontando para o jovem que estava ali com ela.

- Você o conhece? São amigos? - indagou Carla.

- não sei nem como ele se chama. Encontrei-o aqui, foi largado por um bando de maldosos, está assim parado, às vezes balbucia algumas palavras, aperta minha mão e me pede socorro. Tenho cuidado dele do meu modo, não sei como ajudá-lo. Tenho pena de deixá-lo aqui sozinho - respondeu Maria Cecília chorando.

- É por isso que podemos ajudá-la, Maria Cecília. Está pronta para receber porque já quer ser útil - disse Edu e, virando-se para Maria Laura, perguntou: - Não podemos levá-lo?

- O nome dele não consta em nossa lista de análise respondeu nossa instrutora. - Mas podemos levá-lo para o abrigo do Grupo Esperança, lá ele melhorará e aí dependerá de seu esforço pessoal receber uma ajuda maior. Maria Cecília, nós vamos levar esse jovem e podemos dizer que ele é seu amigo, Porque amigo é o que ajuda. não ficarão juntos, mas ele será bem tratado e ficará bem.

- Obrigado! E... -Maria Cecília começou a chorar de novo.

-De nada! Não precisa chorar mais! Está resolvido! Aclamou Ricardo.

- é que... - Maria Cecília chorou mais alto.

- Fale garota! Que quer? - perguntou Maria Laura. Ela enxugou o rosto com as mãos e respondeu:

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- Tenho um amigo, o Tato, que está num abrigo logo ali. Queria vê-lo antes de ir embora. Nunca tive coragem de pedir a eles, tenho medo de chegar perto do casarão, eles têm dispositivos de ataque. E eu só queria saber dele...

- Conheço o abrigo de que fala. é um posto de socorro que auxilia os encarnados que tiveram a imprudência de matar o próprio invólucro físico. Eles não atacam, apenas defendem-se quando necessário de ataques de espíritos mal-intencionados - explicou Maria Laura.

- Você não precisa ter medo de se aproximar, eles sabem bem a intenção de quem chega perto do posto - falou Edu e, virando-se para nossa instrutora, pediu: - Será que não podemos atendê-la?

- vou falar a vocês sobre Tato - disse Maria Cecília. Éramos namorados, nos queríamos bem, mas nos envolvemos com tóxico que só nos trouxe desgraça. Penso tanto como seria diferente se tivéssemos dito não às drogas. Estaríamos ainda no físico, porque desencarnamos antes do previsto, estaríamos namorando, estudando e fazendo planos para viajar, casar e ter filhos. Mas, em vez disso, estamos sofrendo e fizemos sofrer. Nossos pais sentiram demais e saber, sentir, que sofrem por nós é bem triste e agonizante. Tato tinha uns amigos usuários de drogas que estavam sempre oferecendo drogas a ele. Uma vez, numa festa, ele acabou por experimentar e eu, para agradá-lo ou para mostrar que não tinha medo e era a namorada ideal, que concordava com tudo, também o fiz. Não gostei, não me senti bem, mas Tato gostou e por mais duas vezes usamos junto de amigos, üma noite, saímos de carro. Tato parou num local isolado e me mostrou a droga: ”Maria Cecília, disse ele, veja o que consegui para nós”. Quis protestar, mas ele não me deixou falar e usamos mais do que deveríamos. Eu tive uma parada cardíaca por overdose e Tato nem percebeu, porque também usou uma dose maior, só que com ele nada aconteceu. No outro dia de manhã, encontraram o carro conosco dentro. Digo conosco porque se meu corpo físico morreu, eu não, continuei viva em lastimável estado. Foi um escândalo. Ele foi internado e eu sepultada. Socorristas que trabalhavam no velório, onde fui velada, desligaram-me do corpo carnal antes de ele ir para o túmulo.

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O difícil caminho das drogas

fiquei apavorada, perturbada e revoltada; não quis ficar no abrigo do cemitério, saí e fui vagar em desespero. Tato não se conformava, se sentiu culpado pelo que me aconteceu e num ato de desespero se suicidou. Pegou um revólver de seu pai e atirou na cabeça.

Maria Cecília deu um longo e profundo suspiro, fez uma pequena pausa e continuou a falar:

- Um fato triste, uma tragédia em que muitos sofreram. A família de Tato é espírita e tem orado, pedido muito por nós. Acho que foi por isso que fui melhorando. As orações que fazem por mim me acalmam. Entendi que não adianta me revoltar, eu tive culpa e paguei caro por esse erro. Meu ex-namorado foi levado para esse abrigo, o casarão de que lhes falei. Foi um senhor que me disse ser o avô dele, que morreu faz tempo, que o levou para lá. Esse senhor conversou muito comigo e então melhorei meu raciocínio e fiz o que ele me recomendou: que orasse, pedisse perdão e rogasse por uma ajuda, que receberia. Nunca mais vi o Tato, queria vê-lo, me despedir dele. Só assim irei mais tranqüila.

Maria Cecília ficou cansada após falar tanto e Maria Laura bondosamente passou as mãos na cabeça dela e falou com carinho.

- Vou tentar atendê-la! Vocês esperem aqui. vou até esse posto de socorro e pedirei esse favor a eles. Não cabe a mim dar permissão, mas aos trabalhadores da casa.

Nossa instrutora voltou minutos depois. Então nos falou, sorrindo:

- Vamos! Tive permissão para você visitá-lo! Quero que um de vocês fique aqui com esse jovem para impedi-lo de sair daqui.

- Eu fico! - exclamou Ulisses.

Caminhamos. De fato o posto não estava longe. Era uma construção grande, murada. De fora vimos uma claridade existente nele, paramos em frente. Nossa instrutora entrou em contato mental com eles e foi aberto o portão; entramos. Para nim, não existe local de socorro no plano espiritual que não seja bonito. Pessoas simples e amantes da natureza vêem beleza neles, e pode ser que outras não achem nenhum atrativo. Mas

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todos são confortáveis sem serem luxuosos, há jardins com plantas e flores. Maria Laura explicou:

- Esta casa abriga só os que por imprudência encerraram antes do previsto a vida no corpo físico.

- Ou seja, os suicidas - falou Ricardo.

- Aqui ficam por um período, o necessário a cada um, depois são transferidos para colônias próprias - esclareceu Maria Laura.

Fomos recebidos por Jairo, um senhor agradável. Maria Cecília o reconheceu e foi abraçá-lo.

- É o avô de Tato!

Após os cumprimentos, Jairo falou nos mostrando o local:

- Este é o pátio de entrada, aqui está nosso jardim, do lado esquerdo estão a biblioteca, as salas de palestras, música e nossos alojamentos, na ala direita estão as enfermarias.

O jardim era encantador, muitas flores brancas enfeitavam os canteiros bem cuidados. Dirigimo-nos às enfermarias.

- Aqui está Tato! - exclamou Jairo.

üm moço bonito estava no leito, dormia. Maria Cecília ajoelhou-se ao lado do leito, pegou na sua mão e a beijou. Maria Laura nos chamou:

- Deixem Maria Cecília a sós com ele por um instante. Vamos esperar no jardim.

Sentamos num banco, Jairo ficou conosco e Carla logo perguntou:

- Você trabalha aqui há muito tempo? Como funciona o atendimento nesta casa? Gosta daqui?

- Gosto muito daqui - respondeu Jairo. - Sou feliz independentemente de fatos externos, de onde estou. Trabalho aqui somente há cinco meses. Esta casa é um abrigo temporário de primeiros socorros para os que se suicidaram. Estava antes trabalhando, estudando na colônia e aguardando o reencontro com minha esposa. Para recebê-la arrumei uma casinha linda, com flores de sua preferência. Mas quem voltou foi meu neto e de forma trágica, nos causando muito sofrimento. Atendendo a pedidos da família, pudemos desligá-lo da matéria e abrigá-lo aqui. Para ajudá-lo, pedi para servir nesta casa, meu pedido foi aceito e aqui estou.

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- Você, Jairo, largou tudo para estar aqui perto dele? perguntou Larissa.

- Sim, foi o que fiz - respondeu Jairo. - Não cuido só dele, mas de muitos. Vocês sabem, meus jovens, que aqui no plano espiritual não existe regra geral nem definições taxativas e tudo, até no umbral, diverge de um local para outro. São muitos os lugares para os quais esses infelizes, imprudentes, podem ir após ter matado o corpo físico. Aqui perto existe um Vale dos Suicidas6 e os trabalhadores desta casa incansavelmente têm dado assistência aos que lá estão. Aqui, neste local de socorro, eles recebem auxílio, permanecendo até que possam ir para uma colônia.

- Tato está dormindo. Ele já acordou? Está machucado? O garoto está bem? - indagou Carla.

Olhamos para ela, alertando que estava perguntando demais, e nossa colega justificou:

- Quero tanto saber! Jairo, me desculpe, responda só o que achar possível.

- Não tenho por que desculpar - falou Jairo sorrindo. Alegro-me vendo vocês, jovens, aprendendo e ajudando. É tão triste ver outros, como meu neto, voltar à Pátria Espiritual em condições lastimáveis. Temos no momento nesta casa muitos jovens que se suicidaram. Tato não está bem, mas poderia estar pior. Ele está dormindo agora porque achamos melhor que Maria Cecília recebesse socorro com a impressão de que seu ex-namorado está bem. Ele não está machucado. Muitos dos que se suicidam sentem intensamente o reflexo do corpo carnal, a agonia do momento da morte física. Meu neto teve a seu favor muitos fatores. Tato não planejou o ato, agiu num momento de desespero. Era muito jovem e se arrependeu de imediato. Muitas orações o ajudaram. Tem dormido muito, quando acorda não raciocina com clareza, quer estar na sua ex-casa, quer a família, a mãe, grita às vezes desesperado querendo estar encarnado.

- Que estranho! Mata o corpo depois o quer de volta! exclamou Ricardo.

6 - Vale dos Suicidas são lugares no umbral onde suicidas são agrupados. É um local de sofrimentos, onde a permanência depende deles mesmos, do seu arrependimento. (N.A.E.)

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- Esse fato acontece muito com desencarnados que não entendem a continuação da vida no plano espiritual. Revoltam-se com a mudança e querem estar encarnados. E com os suicidas que se arrependem essa vontade é maior - esclareceu Jairo.

- Ele não pode sair daqui? Se quer tanto estar encarnado, num momento de desespero ele não pode voltar ao ex-lar? perguntei.

- Ninguém entra ou sai desta casa sem permissão. Suicidas têm uma vibração muito forte, é muita imprudência deixá-los vagar entre encarnados. Não digo que isso não acontece, mas não é tão comum. Normalmente eles vão para o Vale dos Suicidas, ou então vão para abrigos. Tato quando se desespera, bate a cabeça na parede, puxa os cabelos. é bem triste!

- Ele está aqui e não no Vale porque você se responsabilizou por ele, veio trabalhar aqui para ajudá-lo - disse Maria Laura.

Jairo enxugou os olhos, concordou com a cabeça.

- Admiro você! - exclamou Edu.

- Vamos buscar Maria Cecília. Temos de ir embora! - falou nossa instrutora.

Ao sairmos, Maria Cecília abraçou Jairo e expressou, comovida:

- Sou eternamente agradecida. Diga ao Tato, quando ele acordar, que estou bem e que o amo.

Fomos embora. Voltamos pelo mesmo caminho. Larissa e Ricardo ajudaram Maria Cecília; Ulisses e Edu, o outro jovem que estava com ela na abertura da rocha. Caminhamos em silêncio. Logo chegamos aonde estava Francisco, que suspirou aliviado ao nos ver.

- Que bom, amigos, vocês voltaram, cumpriram a promessa. Carla e eu o apoiamos, uma de cada lado. Maria Laura

pegou Rogério, que continuou sem nenhuma reação. No horário marcado estávamos no local onde o aeróbus nos esperava. Acomodamo-nos e partimos em seguida.

- Por favor, pare antes na chácara, no abrigo do Grupo Esperança, vamos deixar esses jovens lá - pediu Maria Laura ao condutor.

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O difícil caminho das drogas

Foi rápida nossa parada. Maria Laura desceu, pediu a eles para abrigar os dois. Obtida a permissão, ela deixou os jovens aos cuidados do grupo.

- Pensei que fôssemos descer - disse Larissa.

- Marcamos uma visita e quando viermos conheceremos o trabalho deles e o local. Agora temos de ir, vamos cuidar de Maria Cecília e Francisco. E logo à noite assistiremos no centro espírita a uma sessão com os encarnados.

A condução nos deixou no pátio do teto da construção espiritual. Levamos nossos socorridos à sala que nos foi destinada. Encontramos Marcelinho sentado no leito lendo um livro. Sorriu ao nos ver. Higienizamos, medicamos e alimentamos Maria Cecília e Francisco.

- Como é bom ficar limpa! Obrigado por tudo! - expressou Maria Cecília.

- Sou muito grato a vocês. Deus lhes pague! - expressou Francisco chorando.

- Tato ficará bem? - perguntou Maria Cecília.

- Ficará. Lembre dele com carinho e incentive-o com bons pensamentos - respondi.

- O que mais quero agora é que minha família, principalmente meus pais, não sofram tanto por mim. Como gostaria de pedir perdão a eles - expressou Maria Cecília, suspirando.

- Peça perdão! Eles a perdoarão. O que você fez não tem como desfazer, eles sofrem, mas o tempo passa suavizando as dores. De alguma forma eles sentirão que você agora está socorrida e a tranqüilizarão. E, por eles, esforce-se para estar bem, para não lhes dar mais preocupações - aconselhou Maria Laura.

- É o que farei! - exclamou a garota aliviada. Deixamo-los acomodados e fomos para o salão do centro espírita.

71


oito

Descemos para a construção dos encarnados, ficamos num canto reservado a nós. Maria Laura explicou:

- As orientações desta noite já estão programadas, embora sempre surjam algumas extras. Se nos pedirem para fazermos algo, faremos com muito prazer. Se não, estaremos só olhando para aprender.

- Você tem ainda alguma coisa para aprender? - perguntou Ricardo.

Maria Laura riu, olhou com carinho para Ricardo e respondeu, esclarecendo:

- Quando participamos de qualquer trabalho, estamos sempre aprendendo. Nas sessões de orientações a que assisto, no socorro realizado, seja no Umbral, seja com encarnados, cada indagação que me fazem em que tenho de raciocinar para achar a melhor resposta é conhecimento novo que adquiro. Tenho muito ainda o que aprender e anseio por isso, meu caro jovem.

A movimentação era grande. Ainda não havia chegado nenhum encarnado, mas a equipe de trabalhadores do centro espírita estava na ativa. Albino organizava tudo.

üm grupo de desencarnados que necessitava de uma orientação entrou no salão acompanhado pela equipe da casa. Maria Laura explicou:

- São muitos os necessitados de esclarecimentos, mas pelo nosso estudo vamos concentrar a atenção nesses doisum homem e uma mulher que foram toxicômanos e que receberão ajuda por meio de uma incorporação.

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O difícil caminho das drogas

- Para onde eles irão quando terminar a sessão? - perguntou Carla.

- Para o hospital da nossa colônia - respondeu nossa instrutora. Esses socorros são programados, um número certo

por mês.

- Quem os levará? - indagou Edu.

- A equipe do centro espírita - respondeu Maria Laura.

O local foi aberto ao público. O atendimento daquela casa, naquela noite, estava programado assim: no horário marcado, o local seria aberto, depois seria lido um texto do Evangelho e um dos freqüentadores encarnado dissertaria sobre o que foi lido. Seriam dados passes, feitas orações e duas senhoras atenderiam, numa outra sala, quem quisesse conversar, passar por uma entrevista. Após, ficando só os trabalhadores encarnados, começava a sessão de desobsessão. As atividades daquele centro espírita eram muito diversificadas, todos os dias havia reuniões, grupos que se reuniam para o auxílio social, encontro de jovens, evangelização infantil, reuniões de estudos, atendimento por passes, entrevistas e também trabalho de esclarecimento a desencarnados necessitados.

Albino nos chamou para ouvir uma entrevista. Cima senhora pedia aflita:

- Peço ajuda para minha filha, ela não quis vir. Está usando drogas cada vez mais. Não sei o que faço...

- Vocês podem ir lá, dar uma olhada e, se possível, ajudar esta mãe? - perguntou Albino a Maria Laura. Depois de ela afirmar comum gesto de cabeça, ele continuou a falar: - Aqui está o endereço, quando terminar nosso trabalho vão ver o que se passa.

- A equipe do centro espírita age assim com todos os Pedidos? - indagou Carla.

- Normalmente, sim - respondeu nossa instrutora. - Em todos os centros espíritas há trabalhadores que analisam os pe-

idos e tentam auxiliar da melhor maneira possível.

- Deve ser bom para os desencarnados se seus afetos encarnados vierem pedir por eles em um centro espírita. Se esti-

verem sofrendo ou vagando, recebem uma visita, um consolo até socorro - falou Ricardo.

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Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho / Rosângela

- Observem esse homem, ele tem trinta e cinco anos, freqüenta os Narcóticos Anônimos e tem vindo aqui para um tratamento com passes - disse Albino.

- Isso ajuda? - perguntou Larissa.

- Claro, suas energias são renovadas e isso tem lhe dado forças para não recair. Sua luta é grande, mas está conseguindo se libertar do vício -respondeu Albino.

Havia poucas pessoas naquela noite para passar pela entrevista. Elas queriam uma orientação ou fazer um pedido. Voltamos para a sala onde seria feita a desobsessão.

- Todos esses desencarnados que aqui estão irão receber orientação por meio de uma incorporação? - perguntou Carla.

- Mão, muitos só de ver e ouvir companheiros serem doutrinados compreenderão que já mudaram de plano. Os desencarnados que estão do outro lado são os abrigados do posto, eles vêm sempre, aprendem muito nessas reuniões *-respondeu Laura.

Observei o grupo que estava no lugar indicado pela nossa instrutora, contei o número de integrantes, eram vinte e dois, homens e mulheres que ouviam tudo com atenção e oravam.

Conforme nos foi orientado, deveríamos prestar atenção em dois que estavam na fila que quando encarnados foram toxicômanos. Maria Laura nos mostrou e explicou:

- São estes que juntamente com os outros da fila receberão esclarecimentos. Alguns ali não sabem nem onde estão. Perturbados, confusos, se acham desprezados, humilhados pelos familiares que não lhes dão mais atenção. Necessitam saber que desencarnaram. Outros estão tão iludidos que ora acham que ficaram loucos, ou são os outros que estão, üns pensam que estão sonhando, tendo pesadelos e anseiam por acordar. E também estão na fila os que sabem que desencarnaram e por algum motivo obsediam encarnados. E uma grande terapia essas reuniões. O desencarnado perturbado, ao chegar perto do médium, consegue comparar seu corpo perispiritual com o corpo físico do encarnado. Escuta palavras de orientação e pode ficar livre das dores, que são o reflexo do seu invólucro material. *Tem sempre grandes melhoras.

- E eles são doutrinados mesmo? Mudam realmente seu modo de ser? - indagou Edu.

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O difícil caminho das drogas

Mudamos só quando queremos - respondeu Ulisses. É verdade - explicou Maria Laura. - Muitos, quando re-

cebem a orientação, choram, sentem o impacto da diferença, dos fluidos bons, entendem a necessidade de se transformar para melhor. Mas há aqueles que não gostam das casas de socorro,

queriam estar encarnados e, mesmo sabendo que desencarnaram, saem sem permissão voltando aos ex-lares ou ficam a vagar. Outros que estavam se vingando, aqui perdoam, mas não o fazem de coração. A mágoa volta e eles retornam para perto de desafetos. Mas grande parte acata as palavras de esclarecimento, é grata pelo auxílio e se esforça para melhorar não só os reflexos do corpo no perispírito, mas interiormente.

- É muito importante esse trabalho! - exclamou Larissa.

- Sim, é! - expressou Maria Laura. - É uma grande caridade orientar um indivíduo dando oportunidade para que se melhore. Os dois que devemos observar estão perturbadíssimos.

- Quem são eles? - perguntei.

- O homem desencarnou faz doze anos e vai, após ser orientado, para nosso hospital. A moça infelizmente não poderá ir, será levada para o abrigo do Grupo Esperança. Ela está bastante perturbada, sentindo muito a falta das drogas. Quando melhorar, caberá a ela querer ou não o socorro. Essa moça está aqui a pedido de sua mãe, que está encarnada, e porque já fazia tempo que ela estava sofrendo no Umbral - respondeu Maria Laura.

- Tenho muita pena de quem não quer socorro! - exclamou Edu.

Calamo-nos, pois ia começar a sessão. Como já havia sido feita a leitura do Evangelho, oraram pedindo a proteção do alto, ajuda e orientação dos bons espíritos. Sempre gostei de ver e ouvir esses esclarecimentos. Os desencarnados necessitados são colocados pelos trabalhadores da casa perto dos médiuns. O impacto é grande, eles recebem dos encarnados fluidos, conSeguem raciocinar melhor e entender com mais clareza. Ouvir a orientação do doutrinador é muito importante. Quando são afastados dos médiuns depois da incorporação, alguns o fazem dormindo, outros se sentem aliviados, há também os que choram, mas todos se sentem bem mais tranqüilos.

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Ficamos atentos aos dois que quando encarnados foram toxicômanos e que, infelizmente, continuavam a ser, porque a morte do físico por si só não muda ninguém.

A moça devia ter desencarnado aos vinte e cinco anos, estava parada, babava, muito suja e demente. Aproximaram-na do médium, ela estremeceu, moveu os olhos, passou as mãos pelos cabelos, teve nojo deles, estavam empastados de sujeira. Dois trabalhadores da casa a limparam e já por isso sentiu-se melhor.

- Eles não poderiam tê-la limpado antes? - perguntou Carla baixinho à nossa instrutora.

- Poderiam - respondeu Maria Laura -, mas como ela tinha sido escalada para receber ajuda por meio de uma incorporação, deixaram para fazer isso agora. Fica mais fácil higienizá-la neste momento que recebeu bons fluidos e melhorou. Se a limpassem antes, ela não ficaria muito tempo limpa, porque quando encarnada, pensava que por ter errado, feito más ações, estaria sempre suja, na lama; desencarnou e se sentiu como pensava.

Ela balbuciou palavras e a médium repetiu algumas:

- Mãe, mãezinha, eu vou! Meu Deus! Ai de mim, vou morrer! A doutrinadora disse-lhe palavras carinhosas e com os

fluidos que recebeu melhorou bastante, porém não conseguiu compreender que desencarnara. Aliviada, foi levada para uma outra fila. Todos os que foram doutrinados ficavam do lado esquerdo do salão esperando o término da sessão. Essa moça ficou quietinha, olhando tudo; passava às vezes as mãos pelo rosto, cabelos, esforçava-se para entender o que ouvia.

Chegou a vez de o homem receber auxílio pela incorporação. Ele desencarnou com quase quarenta anos. Encarnado, fez uso das drogas por muitos anos, até que seu físico faleceu, o que lhe causou muitas dores. Sentiu o reflexo do corpo material no perispírito e se ressentiu da falta das drogas. Tal impacto clareou sua mente, levando-o a raciocinar um pouquinho, e ele chorou. Ouvia o doutrinador sem no entanto entender direito. Foi então usado o processo de regressão.

-Meu amigo, lembra quando você fumou o primeiro cigarro de maconha? Recorda?

-

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O difícil caminho das drogas

- Foi aos quinze anos - respondeu ele *corn muito esforço. A médium repetiu:

- Vamos lembrar como você era! Pense forte! Isso! Você era esse garoto saudável, bonito, forte e risonho. Pense em você assim! Mentalize como era aos quinze anos, antes de se viciar!

O homem foi pensando e com a ajuda da equipe desencarnada seu perispírito foi se modificando e tomou a aparência de um jovem de quinze anos.

- Pronto! Como se sente? - perguntou o doutrinador.

- Muito bem! Não estou desesperado para me drogar, não sinto mais a falta de tóxico. Estou bem! Graças a Deus! Mas estou triste pelo que fiz ao meu corpo sadio. Por que fui me envolver com as drogas? Minha vida poderia ter sido tão diferente!

E chorou sentido.

- Recomece, meu amigo, aproveite esta oportunidade e vá com estes companheiros para uma recuperação no plano espiritual.

Ele agradeceu com emoção e foi para a fila. Ficamos todos a observá-lo. O jovem orava e chorava.

A sessão foi maravilhosa. No horário previsto, acabou com a linda Prece de Cáritas. A equipe desencarnada deu passes nos trabalhadores encarnados e fluidos benéficos caíram no local.

Os encarnados comentaram por minutos sobre o ocorrido e foram embora. Os desencarnados abrigados no posto que vieram assistir voltaram para as enfermarias. Os orientados foram separados, os que ficariam na casa foram para os alojamentos. A moça foi levada por um trabalhador para o abrigo do Grupo Esperança e os que iriam para a colônia entraram num aeróbus e partiram. Os servidores da casa voltaram aos seus afazeres. Ainda estávamos no salão e foi Carla, a mais curiosa, quem indagou:

- Maria Laura, o homem que voltou a ser garoto ficará de que jeito no hospital, adulto ou jovem?

Nossa instrutora respondeu, dando-nos uma preciosa lição:

- Deverá permanecer jovem durante um bom tempo, depois do tratamento ele poderá escolher como ficar. vou exPlicar a vocês esse processo. O perispírito é modificável. Podemos

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mudar nossa aparência perispiritual por muitos motivos. Se eu quiser agora tomar a forma que tive na minha encarnação anterior é só pensar forte como era naquela época e querer que mudo, modifico. Tenho visto muitos mudarem, alguns porque aparentam ser idosos demais e essa aparência pode dar a impressão de limitações, então remoçam. Outros, que foram deficientes, não serem mais. Pode-se fazer isso sozinho quando se tem conhecimento para isso ou com ajuda de outros. Infelizmente, esse não é um conhecimento que só os bons detêm. Alguns mal-intencionados sabem como fazer isso e mudam para enganar, assombrar e até para castigar a si próprios ou os outros. Vemos sempre no Umbral desencarnados com aparência de animais ou monstruosos 7, que foram transformados. Nos trabalhos que realizamos hoje aqui, vimos um espírito que mantinha a aparência de quando desencarnou ir modificando seu perispírito até ficar com o aspecto que tinha antes de começar a se drogar. Ele está sentindo o reflexo de seu corpo em seu perispírito naquela idade.

- Genial! Assim ele não sente falta de tóxico! - exclamou Ricardo.

- Esse processo não anula o que ele fez, suas ações erradas. Ninguém anula nada para os outros. O que fazemos de bom ou ruim nos pertence. Ele recebeu socorro. Sentindo-se como naquela época, seu estado geral ficará melhor, poderá pensar bem no que fez, nas conseqüências dos tóxicos em sua vida. Ele vai ter de vencer seu vício, a vontade de usar as drogas. Embora com este socorro sua recuperação será mais fácil.

- Mas tudo isso não anula o que fez! - exclamou Larissa suspirando.

- Por que não se faz isso com todos? - perguntou Edu.

- Esse processo de regressão, feito pelos trabalhadores do bem, é usado em alguns casos: com desencarnados que estão muito desesperados, com alguns suicidas e com toxicomanos, quando a equipe de socorro julga necessário. Hoje vimos dois ex-usuários receber auxílio, embora o processo de

7 - Conhecido por Licantropia, é o fenômeno pelo qual Espíritos pervertidos no mal atuam sobre outros desencarnados, fazendo-os ter aparências de animais, ou deformações horrorosas (N.A.E.)

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O difícil caminho das drogas

regressão só tenha sido usado cormum deles. Isso porque o homem já havia sofrido muito, ele queria mudar, mas não conseguia se livrar do vício. Já a moça recebeu ajuda e caberá a ela escolher o que quer.

- Fica muito fácil aplicar esse processo a todos os desencarnados que sofrem em desespero, mas o que é fácil não tem valor, não é? Para muitos, não adianta simplificar, não aprendem pelo amor e temos visto que a dor é a maneira de muitos aprenderem, opinei.

- Infelizmente acontece isso! - expressou Maria Laura. Facilitar, para muitos, é impedir que aprendam para não errar no futuro. Feita essa regressão, se o indivíduo não tiver vontade de se regenerar, querer o auxílio para mudar, ele não ficará com a aparência que lhe foi sugestionada. Mesmo no hospital, se aquele homem não quiser permanecer com o aspecto jovem, voltará a se sentir como o vimos, a ser como antes. Mas, como disse, aquele homem queria mudar, se regenerar, estava pronto a receber esse auxílio. Meus jovens aprendizes, alerto-os para um outro detalhe, são muitos os necessitados e para esse socorro é necessário trabalhadores de boa vontade e dedicados de dois planos, físico e espiritual.

- Essa regressão não poderia ser feita no hospital só pelos benfeitores daqui? - indagou Larissa.

- Não com esses espíritos - respondeu nossa instrutora. Estão tão iludidos, tão presos à matéria que não conseguiriam ver ou ouvir os desencarnados bons e, se a fizessem, sem o impacto da incorporação, das energias primárias de um corpo físico, seria muito difícil.

- Como essas sessões de doutrinação são importantes! E cada um recebendo de acordo com o que faz jus! - exclamou Ulisses.

Agora vamos verificar o pedido daquela mãe que não estava na nossa lista, mas que Albino nos pediu para verificar falou Maria Laura.

Saímos do centro espírita e nos dirigimos para o endereço que orientador do posto nos dera.

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nove

entramos numa modesta casa. A senhora que vimos no centro espírita estava sentada numa cadeira na cozinha e tentava convencer uma moça de dezoito anos a não sair de casa.

Desencarnados bons não costumam entrar nas casas de encarnados sem serem chamados ou convidados. Entramos porque a dona, a senhora, foi pedir ajuda e estávamos ali em resposta ao seu apelo. A garota com vestes provocantes não queria conversa, e a mãe insistia:

- Não saia de casa, você vai se drogar. Fique comigo! Hoje fui ao centro espírita, pedi ajuda para você.

- Quem quer ajuda dos espíritas é você, eu não! vou sair e não tenho hora para voltar. não me amole! - respondeu a filha, nervosa.

A mãe suspirou triste. A garota deu um sorriso cínico e nós escutamos seus pensamentos:

Essa velha chata poderia morrer!”

- Se ela morrer quem cuidará de você?- disse Ulisses, que estava bem ao lado dela. A garota não ouviu, mas sentiu os dizeres como que pensasse.

Ela se arrepiou, passou as mãos pelos braços e pensou: ”Tenho de agüentar essa mãe neurótica! Se ela morrer não

terei mais ninguém para se preocupar comigo.”

Saiu sem falar mais nada. Fomos atrás dela. na rua, em

frente à sua casa, estavam três desencarnados. Um deles falou a

um outro, um jovem que estava aflito para vampirizar alguém

que fizesse uso da droga.

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O difícil caminho das drogas

- Você, Lauro, acompanhe-a, grude nela e faça com que se drogue. Assim, você pode usufruir as energias dela à vontade. Mas faça-a usar, senão você será castigado e ficará sem as drogas.

Os dois desencarnados de aspecto maldoso afastaram-se, e o que foi chamado de Lauro, que deve ter mudado de plano aos vinte anos, aproximou-se da garota e eles andaram rápido. Minutos depois, chegaram a uma esquina e um carro a esperava.

-Ainda bem que não se atrasou. Entre logo! - falou o moço que dirigia.

A moça e Lauro entraram no carro e nele estava, além do motorista, um outro jovem e três desencarnados. Cumprimentaram-se alegres.

Volitamos acima do veículo e fomos ver aonde iriam.

- Por que aqueles dois desencarnados querem que essa garota se drogue? Por que não vieram junto? - perguntou Carla.

- São muitos os motivos que levam certos desencarnados a querer que encarnados sejam toxicômanos, a maioria é por vingança. Aqueles dois, pelo que percebi, odeiam essa jovem e a querem viciada. Não os acompanharam porque acham que Lauro deverá dar conta da tarefa.

Pararam num barzinho movimentado. O som estava alto, havia muita bebida alcoólica e drogas. Tentamos influenciar a garota para não se drogar; fomos repelidos, íamos embora. Edu pediu:

- Posso conversar com aquele jovem desencarnado, o Lauro? Maria Laura permitiu. Edu envolveu Lauro com sua vibração

e ele se afastou alguns metros do grupo. Nosso colega se fez visível a ele. Desencarnados iludidos ou os que estão muito ligados à matéria só vêem outros parecidos com ele e o mundo material que é visto pelos encarnados. Ele se fez visível, isto é, abaixou sua vibração. É fácil, basta querer, pensar como o outro está. Foi isso que Edu fez, e ele o viu.

- Oi, Lauro! Como você está passando? - perguntou Edu.

- Bem e você? - respondeu o jovem.

- Estou aqui para ajudar e...

Quando Edu falou isso, o garoto quis fugir, mas nosso companheiro o segurou pelo braço e lhe falou com carinho.

- Calma, sou amigo! Só quero conversar com você.

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- Devemos ter cuidado com os que querem ajudar e se denominam bonzinhos. Prometem muita coisa, mas querem mesmo é nos privar das drogas - falou Lauro.

- Você gosta da maneira como vive? - perguntou Edu.

- Não conheço outra forma de viver. Estou bem - respondeu o jovem.

- Este local é ponto de encontro de desencarnados e encarnados? - indagou Edu.

- Você quer dizer dos mortos com os vivos? Nos encontramos sempre aqui.

- Lauro, você não quer conhecer outros lugares no plano espiritual? Poder ter um lugar para morar e não necessitar vampirizar ninguém?

- Vampirizar? Você está doido? Que é isso? Não sou vampiro! - exclamou Lauro exaltado.

- Você inala os fluidos dos encarnados - falou Edu calmamente.

- üso drogas junto, desfruto com amigos de que gostamos

- disse Lauro se acalmando.

- Você é feliz? - indagou nosso companheiro.

- Não! Mas poderia estar pior. Tenho pensado muito em minha mãe, ela me dizia que ia me dar mal. E me dei!

- Por que você não ora e pede a Deus para ajudá-lo?

- Se eu fizer isso, posso me prejudicar, o chefe não gosta de orações e Deus está muito longe - respondeu Lauro.

- Queria ser seu amigo. Se você aceitar minha ajuda poderá fazer um tratamento para se libertar do vício, aprender muita coisa e ser feliz - falou Edu.

- Não sei, não! Você está me confundindo. Estou morto! E de defunto não se trata.

- Se não faz tratamento não deveria então ficar como você está, que se sente usuário e necessitado de muitas coisas.

- Você pode até ter razão, mas é muito complicado. Agora preciso voltar para perto daquela garota - falou Lauro.

Maria Laura fez sinal para Edu. Tínhamos de ir embora. Nosso colega despediu-se de Lauro com um simples tchau Afastamo-nos do bar.

- Queria tanto socorrer Lauro! - exclamou Edu, suspirando-

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- Por quê? Você o conhece? - indagou Carla.

- Nunca o vi, mas fiquei com muita pena dele - respondeu Edu e, virando-se para Maria Laura, perguntou: - Não podemos levá-lo para um socorro?

- Ele não está na nossa programação. As vezes encontramos alguém que merece ser socorrido e que não consta da nossa lista. Nesse caso, peço permissão e, uma vez obtida, levo-o. Mas não é o caso de Lauro, este não quer o socorro - respondeu nossa instrutora.

- É porque ele não sabe nem que existe socorro - respondeu Edu.

- Todos nós sabemos pedir a Deus quando queremos. Pode-se não saber como será o auxílio, e essa ajuda não depende de ter esse conhecimento, mas sim da sinceridade do pedido falou Ulisses.

- Vamos agora responder - disse Maria Laura -, ou seja, ir ver o que acontece, analisar alguns pedidos e se possível ajudar. São apelos que algumas pessoas fazem por outras por julgarem que são necessitadas. Iremos até Luís Alberto, um jovem que desencarnou aos dezoito anos num acidente de carro e estava drogado. Ele está no momento no umbral.

- Vamos ao umbral de novo? - perguntou Larissa.

- Sim, vamos - respondeu Maria Laura.

Volitamos. Fomos impulsionados pela força dos nossos pensamentos. Luís Alberto estava na Zona ümbralina perto da crosta terrestre com um grupo, todos perturbados, encostados um no outro. Ali, escutavam-se gemidos de dores, um socorrista dava água e alimento a eles. Ele nos cumprimentou sorrindo.

- Sejam bem-vindos! Vieram aqui por algum motivo?

- Viemos ver Luís Alberto, uma prima dele tem pedido com fervor para o plano espiritual interceder por ele - respondeu nossa instrutora;

- Está ali! É este o garoto! - exclamou o socorrista.

- Como ele está? - indagou Maria Laura.

Nada bem - respondeu o socorrista. - Voltou ao plano esPiritual sem preparo, antes da hora, foi inconseqüente abusando das drogas e dirigindo. É considerado suicida involuntário, queria a morte do seu corpo físico e por uma imprudência

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fez sua passagem de plano. Foi desligado dias depois de ter sido enterrado, veio para cá, está assim, muito perturbado, revoltado por estar sofrendo e querendo se drogar.

Aproximamo-nos dele, vimos o que pensava: cenas do acidente, e ele se drogando, recordava-se disso ininterruptamente. Revoltava-se, xingava Deus, outras pessoas, seus familiares e amigos, culpava-os pelo sofrimento pelo qual passava. Maria Laura nos convidou a orar por aquele grupo; estendemos as mãos sobre eles e rogamos fervorosos. Nossos fluidos salutares caíram sobre o grupo, mas eles não os receberam, não queriam isso.

- Trabalho num posto de socorro aqui perto, venho duas vezes por dia ajudar os desencarnados que vagam por aqui. Tento conversar com esse grupo, orientá-lo, mas não tenho obtido sucesso - falou o socorrista.

- É uma pena eles não escutarem o senhor - expressou Larissa.

- Aqui é o melhor lugar para eles no momento - opinou Ulisses.

- Você está certo, meu caro jovem - falou o socorrista. - A vida dá a cada um de nós o que necessitamos. Esse grupo, como muitos daqueles que sofrem aqui no umbral, ficará aqui por um período e esse tempo de permanência dependerá apenas deles. E pela minha experiência alguns, ao se sentirem melhor, sairão e irão atrás do que lhes faz falta - pode ser afetos, desafetos e até para usufruir, junto de encarnados, de algo de que gostavam e em que eram viciados. Outros, despertados dessa agonia, desse torpor, vão querer melhorar tanto de suas dores físicas quanto morais, e serão socorridos.

- E os que não melhoram, os que ficam anos nesse estado, o que acontece com eles? - perguntou Carla.

- Estes são levados para um socorro e quando adquirem consciência podem escolher se querem ficar no abrigo ou sair e ir vagar - respondeu o socorrista.

Agradecemos a esse dedicado trabalhador e volitamos novamente, voltamos à cidade do plano físico, paramos em frente a um prédio de apartamentos.

- Uma amiga tem pedido pela outra. Aqui está a pessoa que é o alvo do pedido: é Mariana, tem dezesseis anos e está com muita vontade de se envolver com tóxicos por causa de um

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jovem usuário. Ela acha que está apaixonada, mas para namorá-lo terá de experimentar as drogas. - explicou Maria Laura.

- Será que esta garota irá se arriscar? - perguntou Carla, curiosa.

- Arriscar é como fazer uma roleta-russa! - exclamou Ricardo. - Aquela imprudência de colocar somente uma bala no revólver, rodar o tambor e apertar o gatilho apontando para a própria cabeça. Arrisca-se e pode se dar mal.

- É isso Ricardo - falou Maria Laura. - Não devemos nunca ser imprudente e arriscar nossa saúde e vida. É difícil ficar só na experimentação.

Entramos no apartamento de Mariana. Ela estava inquieta no seu quarto, tinha um livro aberto, deveria estar estudando, mas pensava num moço. Foi fácil concluir que ele era dependente, que gostava de consumir drogas e não estava querendo largá-las. Maria Laura deu passes na garota, que ficou com sono, apagou a luz e adormeceu. O espírito de Mariana afastou-se do seu invólucro físico, nos observou e perguntou:

- Quem são vocês? Professores?

- Como ela estava estudando antes de dormir, adormeceu envolvida nos estudos e acha que somos professores - falou Ulisses.

- Somos amigos, viemos conversar com você - respondeu Maria Laura.

- Sobre o quê? - indagou Mariana.

- Tóxicos! - exclamou nossa instrutora.

- Isso está sendo um problema sério para mim. Não sei se experimento ou não - falou a garota suspirando.

- Não experimente! Não se envolva com drogas, minha jovem. O garoto pelo qual você julga estar apaixonada já é dependente, acabará por sofrer muito e fará sofrer quem estiver com ele. Você já viu como ficam os dependentes? São escravos do vício, perdem a dignidade, anulam os bons sentimentos falou Maria Laura com muito carinho.

- Eu não quero me viciar! vou tentar libertá-lo dessa dePendência! - exclamou Mariana.

- Ninguém salva uma pessoa do afogamento se afogando - Não libertamos um indivíduo do vício se nos viciarmos

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com ele. Você sabe como lidar com uma situação assim? Mariana negou movimentando a cabeça e nossa instrutora continuou: - Então não insista, evite! Envolver-se com algo perigoso e não saber como proceder é imprudência! Se você experimentar, poderá se viciar e ser escrava do tóxico. É isso que você quer para si? Já pensou no quanto seus pais vão sofrer?

- Eu gosto dele! Quero ajudá-lo! Sei que posso! - exclamou a garota.

- Viciando-se junto? - perguntou Larissa.

- Mariana, não faça isso! Você tem muito o que fazer pela vida, vai gostar de outros garotos. Esse não serve para você. Não queira consertar alguém. Escolha para namorar um já certo que, além de ser menos trabalhoso, é mais garantido - falou Ricardo.

- Você é bonita, jovem, terá muitos pretendentes. Por que não pensa em estudar, ter uma profissão? Mão pode esperar acontecimentos bons se você se viciar - disse Larissa.

- Que sonho estranho! Esquisito! - exclamou Mariana.

- Por que você não se aconselha com seus pais? - perguntou Carla.

- Que absurdo! Eles serão contra! - expressou a garota.

- Você acha que eles a amam? - perguntou Larissa.

- Claro que sim! - respondeu ela.

- Se você tem certeza de que eles a amam, querem seu bem e reprovam o uso de drogas, então reflita, Mariana: você quer fazer algo errado - falou Edu.

- Você não tem visto muitos se darem mal por causa das drogas? Não vê os noticiários? Jornais? São muitos os que morrem, são assassinados ou se tornam assassinos, roubam. São só infelicidades! Drogas não fazem ninguém feliz, ficar bem, sair vitorioso - falei.

- Mariana, você quer essas infelicidades? É uma garota inteligente, procure se informar melhor sobre esse assunto. Ore e peça auxílio a Deus. Saia dessa, garota! Não se envolva com esse veneno! - expressou Ulisses.

- Mariana! Você está dormindo? Já estudou? - perguntou a mãe da garota batendo na porta do quarto.

Ela acordou assustada e respondeu sonolenta:

- Cansei de estudar e dormi. Boa noite, mamãe!

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O difícil caminho das drogas

Ficou pensando no sonho, no encontro que teve conosco e não se lembrou de todos os detalhes, só que conversou com algumas pessoas que a aconselharam a não se envolver com tóxicos. Para nosso alívio, ela decidiu:

”Acho que é perigoso usar drogas. não quero ser dependente. Se experimento e depois não consigo parar? Deve ser muito ruim ser viciado. vou esquecer o Leco. Minhas amigas devem ter razão. Só estou entusiasmada por ele ser bonito.”

- Será que ela se decidiu mesmo? Não vai usar drogas? perguntou Carla.

- Espero que sim - respondeu Maria Laura. - Na semana que vem farei outra visita a ela e reforçarei os conselhos. Agora iremos até Isabela. Seu avô desencarnado, que está na colônia, pediu por ela. Amigos e o namorado dela são usuários. Estão agora numa festa. Vamos lá!

Volitamos do apartamento para um salão de festa e logo vimos Isabela, uma jovem bonita, alegre, conversando com um grupinho. Aproximamo-nos. Escutamos, umas das garotas falava a ela:

- Isabela, você está sendo ingênua acreditando em tudo que se fala sobre tóxico. Só você da nossa turma ainda não experimentou!

- Meus amigos - disse Isabela - não vou experimentar. Não quero saber como é, que gosto tem. Sonho alto! Quero ser alguém na vida! vou ser uma grande bailarina e se eu me envolver com as drogas não serei nada!

- Que preconceito! Eu uso e abandono quando quiser, só faço para farrear! - exclamou outro jovem.

- Você não precisa ficar viciada! - expressou uma garota.

- Você, Renata, já não está? Pegou o dinheiro que sua avó lhe deu para comprar roupas e está gastando tudo em tóxico! E você, Mirela, já não está estudando como antes. Se quer cursar medicina não deve parar de estudar. O fato é que as drogas não deixam a gente se concentrar e o aprendizado se torna mais difícil. Por favor, tentem me entender, vocês são meus amigos, gosto de vocês, mas não quero me envolver com drogas e gostaria que pensassem no mal que elas estão fazendo a vocês falou Isabela com firmeza.

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-Você disse que gosta da gente! Mas não está se afinando conosco. Estamos aqui numa festa, vamos usar drogas e você só fica olhando. Isso é chato - falou uma garota.

- Acho que você, Isabela, terá de escolher: ou entra nessa com a gente ou não estamos mais namorando - disse um rapaz.

Todos se calaram. Nós estávamos só observando. Fiquei apreensiva. Isabela estava numa situação difícil. Mas ela nos surpreendeu, respondeu tranqüila:

- Se os incomodo é porque sentem lá no íntimo que estou certa. não vou entrar na de vocês. Sabem por quê? Eu me amo! Quero o melhor para mim! Quero ser alguém! Não preciso de nada disso para estar bem, ser feliz. Acredito que drogas só trazem infelicidades e problemas. Pois bem, se é assim, não estamos mais namorando. Vocês não me querem mais como amiga. Tudo bem! Mas estão perdendo uma amizade verdadeira. Não vou usar tóxico, ceder à pressão de vocês. Não quero! Digo não às drogas! Acho também que nós não nos afinamos mais. Tchau!

Virou e saiu de perto da turma segurando-se para não chorar. Foi até o telefone, ligou para o pai ir buscá-la.

- Que garota inteligente! Fantástico! - exclamou Edu.

- Corajosa! - expressei.

- Será sem dúvida uma grande bailarina, uma pessoa extraordinária. Disse não às drogas! Ela realmente se ama! - falou Larissa emocionada.

Logo o pai dela chegou, foram para casa. Acompanhamos os dois. Ela estava triste, o pai sonolento nem percebeu a tristeza da filha. Isabela pensou que teria de arrumar novos amigos e que dessa vez ia prestar mais atenção.

- Quem dança com você? Será que as garotas do bale não podem ser suas amigas? - perguntou Larissa.

Nossa colega falou para Isabela, que não escutou, porém captou e pensou: ”vou convidar as garotas da escola de dança para irem lá em casa. Escutaremos música, servirei refrigerantes; vou tentar fazer amizade com elas”. Suspirou aliviada.

- Vamos deixar Isabela. Seu avô não tem motivos para se preocupar, ela não se envolverá com tóxicos - falou Maria Laura.

- Se mais jovens tivessem a coragem, o discernimento de Isabela, haveria menos indivíduos envolvidos com drogas - falou Ulisses.

O difícil caminho das drogas

- Se Isabela conseguiu dizer não às drogas, muitos outros podem dizer também - falei.

- São muitos os que repelem as drogas! - falou Maria Laura. Atualmente a juventude está mais informada, segura, entende que é prudente afastar-se de amigos, namorados que são usuários, que nunca deve se envolver com esse veneno e correr o risco de se tornar dependente.

- Que acontecerá com aqueles garotos que ficaram na festa? Irão se drogar? - perguntou Edu.

nossa instrutora respondeu nos esclarecendo:

- Eles não aceitaram a sugestão, os conselhos de Isabela, e certamente não ouvirão ninguém. O Grupo Esperança tem tentado alertar pessoas como eles. É um trabalho que exige persistência de quem o faz. Todos nós temos o livre-arbítrio e escutamos quem queremos. CIns dizem a eles para usar, outros para não usar, e a decisão é de cada um. Agora iremos visitar um jovem usuário que está muito dependente. Sua mãe, pessoa muito boa, está sofrendo muito e tem pedido ajuda. Tenho ido visitá-lo já há algum tempo. Infelizmente não quer nosso socorro. Mas sempre podemos fazer algo, principalmente para a mãe pedinte. Vamos lá, meus caros aprendizes!

Volitamos novamente.

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dez

Ao chegarmos na frente da casa desse jovem, notamos que algo mais sério havia ocorrido. A luz da sala estava acesa, entramos, üm moço estava sentado no sofá, tinha a fisionomia triste, tentava orar sem conseguir. Maria Laura o indagou:

- Que aconteceu?

Ele não ouviu nem percebeu nossa presença. Mas recebeu o pedido de nossa instrutora e pensou no que havia acontecido. Acompanhamos seu pensamento.

”Meu irmão exagerou, está em coma por uma dose excessiva. Foram todos para o hospital e eu não sei o que faço. Acho que vou tentar dormir, amanhã tenho de ir para a escola. Tomara que ele melhore. Meus pais têm sofrido muito por causa dele.”

- Vamos ao hospital, essa mãe precisa de nós - expressou Maria Laura.

Sempre há muito movimento nos hospitais de encarnados. Alguns socorristas trabalham nesses lugares de tratamento tentando ajudar os que lá vão e os que estão internados. Assim que chegamos, encontramos com um desses abnegados servidores. Ele cumprimentou sorrindo nossa instrutora, que perguntou pelo garoto.

- Não está nada bem - respondeu o socorrista.

Os pais do garoto estavam na sala de espera. Maria Laura os conhecia. A mãe chorava, orava e pedia socorro para o filho. O pai estava muito preocupado. Aproximamo-nos deles, demo-lhes passes transmitindo energia. Acalmaram-se. Fomos ver o garoto. Ele estava numa sala de emergência, um médico e duas enfermeiras tentavam animá-lo, mas não estavam conseguindo-

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O difícil caminho das drogas

O jovem tomou uma overdose e sua matéria estava em colapso. na mesma agonia do corpo estava seu espírito. O coração parou de bater e o invólucro físico do garoto morreu. Desencarnou antes do prazo previsto. Seu espírito, em aflição, ficou ali, junto ao corpo carnal. Nosso esforço para acalmá-lo foi em vão. Nossa instrutora nos explicou:

- Vamos dar energia, consolo aos pais sofredores. A desencarnação desse moço ocorreu por imprudência, é considerado suicida involuntário, terá responsabilidades por ter abreviado seu tempo na Terra. Ele não pode ser desligado agora. Seu espírito ficará na matéria morta. Irá para o velório e a equipe que trabalha naquele local tentará desligá-lo. Dependerá muito dele o êxito desse socorro.

Voltamos à sala onde estavam os pais dele. O médico encarnado veio dar a notícia, tentando suavizá-la. Como é doloroso esse acontecimento. Eles sofreram muito. A dor da mãe era tanta que nos comoveu e choramos.

Nisso chegou um casal acompanhando o filho que era amicíssimo do garoto que havia desencarnado. Sentiram muito o que aconteceu. O moço ficou apavorado com o falecimento do amigo, usavam drogas juntos. Começou a chorar e pediu à mãe:

- Quero ser internado, fazer um tratamento, me recuperar. Não quero morrer!

- Hoje mesmo levaremos você à clínica - falou o pai. Maria Laura abraçou a mãe, que chorava sentida, e falou

anos:

- Vão, meus meninos, ao centro espírita, fiquem no alojamento, cuidem dos nossos socorridos e depois descansem. Logo mais estarei com vocês. vou ficar um pouco com a família.

Volitamos para o alojamento. Após ter feito o que nos foi recomendado, nos acomodamos para descansar. Ulisses comentou:

- Será que o jovem que desencarnou não pensou no sofrimento que causou aos pais? Se ele pudesse voltar atrás iria se envolver com drogas?

- Ele sofreu e sofrerá mais ainda. Agora não terá mais os Pais para acudi-lo. Estará sozinho, sem afetos por perto. Que tristeza! - expressou Larissa.

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Calamo-nos e aguardamos Maria Laura. Quando ela chegou nos deu a notícia:

- Deixei os pais do garoto mais tranqüilos, a mãe é uma pessoa responsável, tem o hábito de orar e tem amigos no plano espiritual que vieram ficar com ela neste momento difícil.

Sentou-se junto a nós. Larissa a abraçou e comentou:

- Acho que não existe dor maior no mundo do que o sofrimento que vimos naquela mãe, naquele pai.

- Você tem razão. Eu passei por isso e ... - falou Maria Laura.

- Continue, por favor. Você não quer nos contar suas lembranças? - pediu Carla.

- Ao ver aquela mãe sofrendo, recordei o que aconteceu comigo. Quando encarnada senti a dor da separação física de seres que eu amava. Só quando desencarnada vim a compreender que o amor permanece, o tempo só o faz aumentar e a distância não existe para afeições.

- Creio que aprenderemos muito se você nos contar como foi sua vivência quando encarnada. Gostaria de ouvi-la - pedi.

Todos nós a olhamos com carinho. Nossa instrutora suspirou e falou:

- Foi com dificuldades financeiras que consegui estudar a medicina que tanto amava. Os obstáculos também foram muitos pelo fato de eu ser mulher. Quando me formei já estava com quase trinta anos. Era estudante quando conheci um rapaz e passamos a namorar. Minha família não queria o namoro, mas eu insisti, mesmo vendo nele muitas atitudes erradas. Me formei, fui trabalhar e nos casamos. Tivemos três filhos: uma menina, a mais velha, e dois garotos. Não deu certo o meu casamento, sofri com traições, humilhações e também por ele não parar em empregos. Meu esposo foi embora de casa, foi morar *corn outra, e fiquei com as crianças pequenas. Foi um período de muito trabalho e preocupações. Eu amava muito meus filhos e eles a mim. Eles eram pessoas ótimas, estudiosas, obedientes, educadas; na me deram aborrecimentos. Meu filho do meio fez dezoito anos e o outro estava com dezessete. Naquela tarde, foram ao *^en^lS e, ao passarem em frente a um terreno baldio, foram assaltadoS Samuel, o mais velho, se apavorou, quis correr e foi atingido p

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O difícil caminho das drogas

uma bala; meu outro filho correu em defesa do irmão e também foi assassinado. Desencarnaram na hora. Os assaltantes fugiram; dias depois foram presos, eram toxicômanos. O caso foi muito divulgado porque não eram muitos naquela época os dependentes de tóxico. O mal das drogas, que ocasiona esses acontecimentos tristes, infelizmente se torna mais comum nos dias atuais. O nosso sofrimento foi grande, sofri muito. Meus filhos eram bons, pessoas úteis, mortos em plena rua, numa tarde. A dor era tanta que parecia que me arrebentaria por dentro e tinha minha filha que sofria comigo. Resolvi reagir, podia ser útil e queria ser, não era só eu a sofrer no mundo. E foi enxugando as lágrimas alheias que tive as minhas secas. Dediquei-me mais à medicina e à minha filha, que se casou e me deu dois lindos netos. Perdoei os assassinos de meus filhos e achei que deveria fazer algo de born em favor dos toxicômanos, na tentativa de evitar crimes como o dos meus meninos. Estudei o assunto, tratei de muitos usuários e desencarnei ativa no trabalho. Tive um enfarte, senti muita dor, foram minutos de agonia, mas não foi um milésimo se comparado com a dor que senti ao ver meus filhos mortos. Acho que nenhuma dor física é maior que a que senti. Ao ter meu invólucro físico morto, adormeci como se tivesse sido anestesiada para acordar num hospital de uma colônia. Despertei sentindo-me ótima. Estranhei quando me contaram que havia mudado de plano. Mas foi uma alegria imensa abraçar um dos meus filhos. O meu caçula havia reencarnado, é um dos meus netos. Adaptei-me logo ao plano espiritual, um ano depois estava estudando e trabalhando. E aqui estou numa continuação do que já fazia encarnada, tentando ajudar os usuários de drogas.

Maria Laura nos deixou emocionados. Larissa lhe deu um beijo no rosto e falou comovida:

- Quem quer ser útil o é em qualquer lugar, no plano físico ou no espiritual. Admiro você!

É um exemplo! Em vez de se revoltar, resolveu servir neSsa area para evitar outros acontecimentos tristes - falei. É pena que a imprudência é grande e o número de usuários tem aumentado junto com o da violência, causando muitOs sofrimentos - expressou Edu.

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- Maria Laura, você sabe o que aconteceu com os assassinos de seus filhos? - perguntou Carla.

- Eram três - respondeu nossa instrutora - e também sofreram muito. Porque toxicômanos sempre acabam sofrendo. Foram presos, üm deles, logo após, foi assassinado. O segundo ficou muitos anos na prisão e quando foi solto voltou ao crime; também teve uma morte violenta. O último se regenerou, tornou-se religioso, libertou-se do vício e desencarnou por doença. Só este foi socorrido; quis reencarnar, pediu e teve a bênção para um recomeço no plano físico. Os outros dois estão no umbral. Um sofre por lá, o outro é morador. Meu filho tenta sempre auxiliá-los, ele trabalha como socorrista na Terra.

Ricardo suspirou e falou, mudando de assunto:

- A maioria de nós não está preparada para a desencarnação. Em virtude do serviço do meu genitor, moramos em muitas cidades e meu pai falava que via nesse fato algo positivo: que quando desencarnássemos não íamos estranhar essa grande mudança. Em parte ele tinha razão, só que nas outras mudanças que fiz a família estava junto e quando desencarnei vim sozinho. Mas ainda bem que não me senti só. Logo fiz amigos, continuei a viver tranqüilo e estou feliz.

- De que você desencarnou? - perguntei.

- Estava andando de bicicleta, levei um tombo, bati a cabeça na quina da calçada, sofri um traumatismo craniano e meu corpo físico morreu três dias depois. Foi tudo muito tranqüilo, tinha conhecimentos espíritas e compreendi assim que acordei que mudara de planos. Gostei muito das novidades. Quando encarnado ficara imaginando como seria o plano espiritual e, ao ver, achei a colônia linda demais. Quis, dias depois, visitar meus familiares, üm orientador me aconselhou a ter calma e a esperar. Entendi o conselho dele quando me foi dado autorização para ir à Terra; fiz em companhia de um instrutor. Ao ver meus familiares, me emocionei e quis ficar com eles. Como é difícil se desapegar de afetos! Se tivesse vindo antes do tempo, talvez tivesse ficado no meu ex-lar, sem permissão. Na primeira visita fiquei com vontade de ficar, mas já compreendia esses sen mentos e regressei à colônia alegre por revê-los. Hoje faço essa visitas com mais tranqüilidade, gosto de vê-los, estar com eles

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O difícil caminho das drogas

mas a vida continua para eles e para mim. E sabem por que estou fazendo esse estudo? Só para aprender!

Ricardo riu. Ele costumava dar gargalhadas contagiantes. Esse nosso amigo está sempre rindo.

- Ainda bem que é para aprender! üma vez que temos mais conhecimentos, agimos com mais segurança e tudo sai bem-feito. E você, que certamente será um servidor útil, fará seu trabalho com mais empenho se souber fazer - expressou Carla rindo também.

- Mudar sempre mexe conosco, é deixar para trás afetos, objetos com os quais estamos acostumados, para iniciar a vida em outro local. Desencarnar é uma mudança! Agradável para os bons, mas nem tanto para os que fizeram maldades. E, como em qualquer transferência que se faz de um local para o outro, é preciso haver adaptação. Para as pessoas desapegadas é um processo mais tranqüilo - falou nossa instrutora.

- Maria Laura, pessoas como os assassinos de seus filhos podem dar desculpas que cometeram esse crime só porque estavam drogados? - perguntou Edu.

- Desculpas que não são aceitas, usaram drogas porque quiseram - opinou Larissa.

- Meus garotos - respondeu Maria Laura - tenho visto aqui, no plano espiritual, muitos se desculparem. é o que tinha nediunidade, lamentando que quando encarnado não teve tempo para praticá-la, não achou um bom lugar para ir, teve medo de ser enganado, tinha vergonha, temia o que os outros Pudessem pensar ou falar. Outros dão desculpas por não terem feito o bem por isso ou por aquilo: ”Não fiquei com meu pai velho porque não havia espaço na minha casa”; ”Estava sempre poente, por isso coloquei minha mãe no asilo”; Não criei meu pequeno porque precisava trabalhar”; ”Não dei esmolas porque precisava comprar isso ou aquilo”; E por aí vai... As justificativas são

analisadas e são poucas as aceitas. Vocês poderão ver uma

Pessoa assim aqui mesmo no posto, está abrigada. Há semanas

eu e uma equipe a resgatamos, estava no umbral. Vamos visitá-la.

- Agora? Ela não está dormindo? - perguntou Carla.

Ela deve estar acordada, se queixa muito de que não rrrie - respondeu Maria Laura.

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- Eu durmo só raramente, mas o fazia muito quando vim para o plano espiritual. Os abrigados do posto, os que ainda se recuperam ou estão em adaptação, dormem muito, não é? - indagou Larissa.

- Enquanto se tem os reflexos do corpo físico há a necessidade de dormir, de se alimentar etc. Os necessitados abrigados em qualquer casa de socorro dormem; uns, mais, outros, ficam períodos maiores acordados. E como dormiam à noite, aqui normalmente o fazem também. Essa jovem abrigada que vamos visitar diz que quando era encarnada sofria de insônia e aqui teima em continuar a ter.

Fomos até o pátio e a encontramos. Dalisa, assim era chamada, estava sentada num banco lendo um livro. Respondeu sorrindo ao nosso cumprimento e ao ser indagada como estava foi logo dizendo:

- Melhor do que dias atrás, e se comparar agora com o período que Fiquei no umbral, estou ótima. Mas ainda me sinto fraca e muito triste.

- Por que foi para o Umbral? - perguntou Carla.

- Porque ela se afinou, não mereceu ir para outro lugar expressou Ricardo.

- O moço aí tem razão. Mas foi por engano! - exclamou Dalisa.

- Engano? Você não quer explicar a nós por que acha que foi engano? - indaguei.

- Ninguém me disse que ia morrer, ou seja, desencarnar e nem me avisaram que aqui era desse jeito - respondeu Dalisa.

- Nem para mim, para ninguém é avisado! Nunca quando encarnado ouvi isto: ”Ei, você aí, vai morrer daqui duas semanas. Prepare-se!” - exclamou Ricardo.

- Pois temos esses avisos! - expressou Maria Laura. - Todas as religiões alertam para seguir o bem e evitar o mal. A ciência ensina que tudo o que nasce morre. E que se reencarnamos, iremos desencarnar. Isso é natural e deveria ser encarado como tal. Há muitos livros que narram com detalhes como é a vida aqui; quem procura saber, os acha.

- Dalisa, fale para nós o que aconteceu com você - Pediu Edu.

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O difícil caminho das drogas

- Me envolvi com drogas e me dei mal - falou a garota.

- Ninguém a alertou que isso ia acontecer? - perguntou Carla.

- Falaram, mas eu não acreditei. Talvez, se tivessem me provado... - respondeu Dalisa.

- Se tivessem lhe provado? Como? Será que não teve provas suficientes? - indagou Ulisses.

- E para me drogar me prostituí, roubei e até assassinei um jovem que reagiu a um assalto. Não teria feito isso se não estivesse drogada e não fosse influenciada por desencarnados toxicômanos - lamentou a garota.

- Não foram aceitas as suas justificativas e você foi para o Umbral - falou Ulisses.

- Dalisa - orientou Maria Laura -, sofremos sempre influências tanto dos bons, que nos aconselham ao bem, quanto dos maus. Ouvimos, damos atenção ao que queremos e infelizmente algumas vezes atendemos as que não nos convém. Você se afinou com toxicômanos encarnados e desencarnados. Ninguém a forçou a fazer nada, temos o nosso livre-arbítrio. Se você não quisesse, não teria roubado nem assassinado. Teve culpa! Os erros que cometeu são seus, como quem a influenciou também tem culpa. É responsável pelo que fez, por isso ficou quinze anos no umbral. Agora que está socorrida não coloque a culpa dos seus atos em outros. Assuma seus erros, aprenda para não fazê-los mais e para que no futuro você possa repará-los no bem praticado.

Dalisa escutou de cabeça baixa, ficou quieta. Maria Laura despediu-se dela, que ficou aliviada por nos afastarmos.

- Vocês entenderam como muitos se desculpam, isso quando não tentam colocar a culpa em outros. Vamos ao salão, será feita daqui a vinte minutos a prece da manhã. Teremos muito o que fazer hoje - falou Maria Laura.

- Que bom! Amo trabalhar! Se tivesse de descansar pela eternidade, seria para mim um tremendo castigo. Tenho um amigo escritor que diz sempre: ”Devo trabalhar como se tudo dependesse de mim”. vou tentar fazer como ele! - exclamei.

- Só me senti feliz quando comecei a trabalhar, a ser útil e a fazer o bem. Maria Laura, o que você entende por felicidade? Perguntou Edu.

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- São tantas as definições para felicidade! - respondeu nossa instrutora, suspirando. - Amar de forma pura é ser feliz! Mas acho que todas as pessoas felizes alcançam a felicidade simplesmente por fazerem outras pessoas felizes. Porque, meus jovens aprendizes, quem quer ser feliz sozinho, de forma egoísta, sem os outros ou até contra outros será sempre infeliz. E você| Edu, tem razão, posso às vezes ficar triste por alguns momentos’ em razão do meu trabalho, mas isso passa logo. Conheci a felicidade quando passei a ajudar, a fazer irmãos ficarem melhores, e a felicidade então passou a ser minha companheira. Sou feliz!

Fomos contentes para o salão.

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onze

*D

Depois de termos feito a prece, Carla disse, entusiasmada:

- ”A oração é o sustento da nossa alma”, disse uma vez um poeta inspirado, e realmente é! Renovamos nossas forças quando oramos e recebemos incentivos para agir certo e fazer o bem. O maior benefício que podemos fazer a nós mesmos é rezar!

Concordamos com ela. É muito bom orar, e pela oração nos ligamos a forças positivas e recebemos energias benéficas. Passamos pelo pronto-socorro e vimos Luzia em atividade. Depois nos dirigimos ao centro da cidade dos encarnados.

Embaixo de um viaduto, vimos sete jovens e duas crianças.

- São as crianças, meninos de rua? - perguntou Edu, penalizado.

- Sim. Vamos nos aproximar para vê-los melhor - convidou-nos Maria Laura.

Estavam dormindo amontoados, pois fizera frio à noite. Dos nove, três eram garotas, e todos haviam consumido drogas. Junto deles estavam, também adormecidos, treze desencarnados que haviam sido usuários. Notamos que todos, os encarnados e os desencarnados, encontravam-se muito perturbados. Perto do viaduto vimos Mariozinho do Grupo Esperança junto com uma equipe que havia recebido conosco orientações no salão do hospital.

- Que bom vê-los por aqui! - exclamou Carla. Mariozinho nos recebeu sorrindo, e cumprimentamos a

outra equipe com carinho.

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- Nós, do Grupo Esperança - explicou Mariozinho -, temos tentado orientar estas crianças e jovens, tanto os que estão no invólucro físico, como os que fizeram a mudança de plano e ainda se sentem dependentes do tóxico. Marcelinho, que vocês vão levar para o hospital da colônia, foi um menino de rua.

- Todos eles são ou eram órfãos? - perguntei.

- Talvez tenham sido órfãos de amor - respondeu Mariozinho.

- Muitos têm pai e mãe; outros só um dos dois; a maioria tem família, embora algumas sejam desestruturadas. São muitos os motivos que levam estes jovens às drogas, nenhum justificável. Recebemos sempre reforços de grupos da colônia, que vêm conosco ajudá-los. Estamos esperando que acordem, fizeram muito uso de crack esta noite.

-Todos estes desencarnaram por causa dos tóxicos? - perguntou Ricardo.

- Direta ou indiretamente - respondeu Mariozinho. - Vê aqueles dois? Foram assassinados ao cometer um roubo; aquela ali teve o corpo físico morto por um traficante por não ter pago uma dívida; este outro desencarnou por overdose; e assim é com todos eles.

- Não vejo nenhum desencarnado maldoso por aqui comentou Ulisses.

- Normalmente, um desencarnado assim como você falou, maldoso ou vingativo, não fica perto de pessoas como as deste grupo. Eles as incentivam a começar a se drogar, isso por muitos motivos, normalmente por vingança. Depois, quando estão viciadas, eles não se preocupam mais, já se consideram vingados

- explicou o membro do Grupo Esperança.

- Você, Maria Laura, atende estes meninos? - perguntou Larissa.

- Quando estão na minha lista, sim - respondeu ela.

- Que vocês vão fazer com eles? Como pretendem ajudá-los?

- indagou Carla, curiosa.

- Estamos esperando uma assistente social que virá aqui conversar com estes garotos. Ela oferecerá ajuda, os convidará para irem a uma clínica e nós tentaremos intuí-los para irem. Os desencarnados também escutarão, aí falaremos com eles também oferecendo auxílio. Espero que desta vez consigamos levar alguns

- respondeu Mariozinho.

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O difícil caminho das drogas

Maria Laura nos lembrou de que tínhamos nossa tarefa. Despedimo-nos deles desejando êxito.

- Iremos agora ao nosso último pedido, em que um encarnado roga ajuda por outro. Visitaremos Conceição, que pede por Mariluce. Ambas trabalham neste prédio.

- uma colega pedindo por outra! Que bonito gesto! exclamei.

Entramos no prédio de escritórios. Conceição era uma senhora agradável, muito simpática e prestativa. Aquela pessoa a que todos recorrem nas horas de dificuldade. Ela estava preocupada com Mariluce e orava pedindo que fosse dada ajuda à colega.

Mariluce acabara de chegar, estava trêmula, inquieta, olhos avermelhados. Fizera, à noite, uso de drogas; bastou olhar para ela para sabermos. Maria Laura, nossa instrutora, estudiosa e conhecedora dos problemas alheios, analisou-a com o olhar e nos esclareceu:

- Eu já analisei Mariluce e já poderíamos ir embora, mas para que vocês entendam, vou lhes explicar o que acontece: ela não quer nossa ajuda, não está querendo, por enquanto, auxílio de ninguém. Está se drogando, já é dependente, mas acha que não e que tudo está sob controle. Mariluce tem trinta anos, é solteira, tem um bom emprego, mas, se continuar assim, logo estará desempregada. Não está rendendo no trabalho, já não desempenha bem sua função. Como os tóxicos deixam o raciocínio lento e a memória confusa, ela tem cometido muitos erros e deixado o trabalho atrasar, está irritada e deprimida. Foi por isso que Conceição, preocupada, pediu ajuda a Deus.

- Atendemos em nome de Deus! Não é que somos importantes? - disse Ricardo.

- Acho que ninguém de nós é digno de atender em nome de nosso Pai Amoroso; nós o fazemos por misericórdia! - exclamou Edu.

- Se ela não quer ajuda, o que vamos fazer? - perguntou Carla.

- Vamos dar um passe, energias benéficas em quem está pedindo, Conceição. Depois faremos a mesma coisa com Mariluce e tentaremos instruí-la sobre o perigo que corre - respondeu Maria Laura.

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Rodeamos Conceição e oramos com as mãos estendidas sobre ela que, por instantes, parou de trabalhar e suspirou; veio à sua mente a figura de Jesus abençoando-a. Ela se sentiu bem, recebeu nossas energias. Fomos até Mariluce, fizemos a mesma coisa, mas ela não recebeu nossas energias, que voltaram a nós. Nossa instrutora tentou intuí-la, aconselhá-la a se afastar das drogas, a se cuidar. Ela recebeu os pensamentos de Maria Laura de forma confusa e pensou por momentos que poderia se dar mal com os tóxicos, mas repeliu a idéia, não queria pensar nisso.

- Uma oração sincera, em que se pede com fé, não fica sem resposta. A prece beneficia mesmo quem a faz! - exclamei.

- É verdade, mas é bom orar e pedir por outros. Vimos aqui um ato bonito de uma colega preocupada em pedir por outra. Conceição, que orou, foi beneficiada porque estava receptiva; Mariluce, como não estava, pouco recebeu. Agora vamos à nossa visita tão esperada à chácara rever os amigos do Grupo Esperança.

A chácara Esperança é muito bonita. Fomos recebidos por Pedro e Mariozinho, que nos deram as boas-vindas. Carla, assim que viu Mariozinho, lhe indagou:

- Que aconteceu com o grupo sob o viaduto?

- Trouxemos dois para o nosso abrigo e um encarnado foi com a assistente social, os outros continuaram lá. Vamos insistir, somos persistentes - respondeu ele sorrindo.

Primeiro fomos conhecer a construção que abrigava os encarnados. Era uma casa antiga reformada, com vários quartos. Tudo ali era simples, mas confortável. Naquela hora do dia, todos estavam trabalhando: três garotos na limpeza da casa, duas meninas ajudando na cozinha e outras duas lavando roupas. Pedro nos explicou:

- O trabalho é uma grande terapia, aqui todos os internos trabalham, só não o fazem se estiverem doentes ou muito debilitados, como este aqui.

Num quarto, um jovem estava deitado num leito; tinha aspecto doentio, estava pálido e magro, parecia febril, estremecia de vez em quando. Mariozinho nos esclareceu:

- Este é Rodolfo, tem vinte e três anos, está muito dependente, mas quer se libertar do vício. Está anêmico, fraco e, embora

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medicado, necessita de cuidados especiais. Ficará mais uma semana no leito, depois se juntará aos outros. Começará com pequenas atividades e depois vai trabalhar. Todos aqui fazem oito horas de trabalho diário, a instituição lhes dá roupas e alimentos saudáveis. No horário de lazer, ouvem música, dançam... há revistas e bons livros para ler e eles podem também assistir à televisão. -A instituição tem muitos empregados? - perguntou Carla.

- São cinco: duas senhoras que trabalham na casa, um senhor que organiza o trabalho na horta e no jardim, outro que ajuda os jovens a cuidar dos animais e o diretor, que coordena tudo. E podemos contar com o abençoado trabalho voluntário. Como esse ato é importante! São pessoas de boa vontade que aqui vêm para ajudar, e como ajudam! Cima senhora ensina os jovens a pintar e a bordar, e eles têm feito artesanatos que são vendidos. Uma parte da venda é destinada à compra de material, outra fica para eles. Cima pessoa vem duas vezes por semana lecionar inglês, um jovem professor dá aulas de espanhol. Cima mestra aqui vem para instruí-los em matemática e português. Estão entrando em contato com um marceneiro, que virá dar lições de como fazer peças de madeira. Temos enfermeiras que aqui vêm quando necessitamos, dois médicos e dois psicólogos que nos atendem gratuitamente; também recebem orientação de uma terapeuta ocupacional e ajuda de uma bibliotecária. Contamos também com senhoras que vêm aqui ensinar a cozinhar e até para fazer algumas comidas diferentes. é a sociedade tentando ajudar seus membros a se melhorar, a viver melhor, para todos estarem bem.

Depois que olhamos a casa toda, fomos conhecer a parte externa. A área não era muito grande. Havia um lago, e Mariozinho informou:

- Aqui temos uma pequena criação de peixes, os internos podem pescar, mas só o que consumirão, üm vizinho fez o lago para nós e comprou os peixinhos que foram soltos aqui.

Nos fundos da casa existia um pomar em formação, mas que já dava frutos; do lado, uma horta, onde encontramos muitos jovens trabalhando.

- Os internos cuidam do pomar e da horta, que fornecem alimentos a eles, e o excedente é doado a uma creche aqui perto.

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Ali estão os animais: duas vacas, que dão leite, galinhas cujos ovos utilizamos, e dois cavalos que os jovens gostam de cavalgar pela chácara no horário de lazer.

- Os internos não podem sair daqui? - perguntou Larissa.

- Quando aqui chegam, por um período, não podem se ausentar. Depois o fazem acompanhados de familiares. Se estão bem, podem sair em determinados dias, ir para casa por uma semana - respondeu Pedro.

- Esta instituição está vinculada a alguma religião? - perguntou Ulisses.

- Não, este abrigo não está ligado a nenhuma religião. As pessoas que cuidam daqui têm as suas crenças, mas todas são cristãs e seguem os ensinamentos de Jesus, amando o próximo como a si mesmo. A maioria dos internos é religiosa. Aqui os jovens são convidados a orar três vezes ao dia: quando se levantam, antes do almoço e à noite. Às vezes, um deles ou o diretor recita a prece em voz alta. É recomendado que cada um faça a sua - esclareceu Mariozinho.

No horário certo, os internos foram chamados para o almoço. Vieram rápido, lavaram as mãos, sentaram em volta das mesas. Funcionários e internos faziam as refeições juntos. Naquele dia, antes de se servirem, oraram em silêncio, üns fizeram orações com suas palavras, outros rezaram o Pai-Nosso ou a Ave-Maria.

Pedro nos convidou para ver o abrigo no plano espiritual, um pequeno posto de socorro para os desencarnados que foram toxicômanos. Era uma construção grande a alguns metros do casarão dos encarnados. O local era bonito; a casa, grande, com muitos quartos, uma boa biblioteca, sala de música e os alojamentos da equipe.

Vimos os garotos que havíamos trazido, limpos e já com aspecto melhor. Mariozinho nos informou:

- Este chama Lázaro, desencarnou há cinco meses. Ele é Rogério vão se recuperar devagar.

- Quando ficarem mais conscientes permanecerão aqui-

- perguntou Larissa.

- Este abrigo é provisório - respondeu Mariozinho -; os que querem mesmo se libertar da dependência, dos reflexos

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do invólucro, são transferidos para o hospital da colônia. É difícil prever se vão querer mudar a forma de viver. A maioria sai assim que se sente melhor, vai vagar ou ficar atrás de afins para novamente usufruir de seu vício.

- Temos no momento vinte e seis abrigados. Há vaga para trinta. Mesta noite haverá reunião dos Narcóticos Anônimos, e nesses encontros sempre trazemos desencarnados necessitados, por isso, logo cedo transferimos três, e um outro saiu sem permissão - esclareceu Pedro.

- Qual é o objetivo desta casa? - perguntei.

- Meus jovens aprendizes - respondeu Pedro -, quase sempre junto de um usuário encarnado, encontramos um ou mais dependentes desencarnados. Nosso objetivo, do Grupo Esperança, é auxiliar os que estão no invólucro físico, e muitas vezes para ajudá-los é necessário separar, ou tirar de perto do toxicômano encarnado os viciados sem o corpo físico; assim fazemos e os trazemos para cá. Também abrigamos alguns, como os que vocês trouxeram, que não estavam vampirizando ninguém. Quando um usuário se interna na instituição, se ele vier com dependentes sem o envoltório, estes ficam conosco e se saírem não podem voltar para perto do companheiro enquanto ele estiver na instituição. Aqui, nesta parte, alguns permanecem mesmo sem querer, não ficam presos, mas trancados, como costumamos dizer, isto é, ficam por uns dias aqui conosco sem poder sair. Isso é feito para que os companheiros encarnados deles, que tentam se libertar do vício, não recebam suas influências.

- E, quando saem, para onde vão se o companheiro encarnado está aqui? - perguntou Carla.

- üns vão atrás de outros usuários, alguns ficam esperando o companheiro sair e até os chamam em pensamento - resPondeu Pedro.

- E eles escutam? Recebem esses apelos? - indagou Ricardo.

- Sim, recebem os deles e os nossos, que são de incentivos, atendem quem querem. Eles não escutam, sentem esses chamados, é como se pensassem, üns ficam desesperados para usar e alguns o fazem - explicou Mariozinho.

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- Só estou vendo aqui alguns membros da Equipe do Grupo Esperança. Onde estão os outros? - indagou Carla.

- Como já disse a vocês, ajudamos nas reuniões dos Narcóticos Anônimos. Temos de incentivar o grupo encarnado a ir aos encontros e a não fazer uso das drogas - respondeu Pedro.

- Que trabalho interessante! Tem dado resultado? - perguntou Ulisses.

- Não tanto como gostaríamos. Mas desanimar e nada fazer não resolve nem auxilia. Temos tido muitos resultados positivos - falou Mariozinho.

- Estamos hoje com duas dificuldades: dois freqüentadores dos Narcóticos Anônimos estão muito indecisos. Vocês não gostariam de ajudar nosso grupo? - perguntou Pedro.

- Sim! - respondemos em coro.

Maria Laura concordou, deixando-nos alegres com a expectativa de ver algo mais, de participar de uma ajuda diferente e com a qual certamente aprenderíamos muito.

- Venham primeiro conhecer nosso abrigo; depois vocês vão auxiliar nossa equipe - disse Pedro.

Os quartos são grandes, arejados; muitos dos internos estavam nos leitos. Encontramos alguns no salão; uns lendo, outros pensativos. Foram poucos que responderam aos nossos cumprimentos, a maioria estava muito perturbada.

- São muitos os que estão trancados? - indagou Edu.

- Três. Estão aí porque são rebeldes e para que os encarnados na instituição melhorem; eles têm de ficar isolados, senão vão incentivar os companheiros do físico a sair e a se drogar. Mas aqui eles recebem muito carinho, auxílio e orientação - esclareceu Mariozinho.

Depois que vimos tudo, fomos com Pedro até um dos freqüentadores das reuniões dos Narcóticos Anônimos. Marisa, membro do Grupo Esperança, estava junto de um moço e tentava intuí-lo para que não usasse a cocaína que estava no seu bolso. Após a cumprimentarmos, Marisa nos explicou:

- Este é Renato, tem vinte e seis anos, é usuário desde os dezesseis. Seu histórico é triste e parecido com o de muitos dependentes. Já roubou, principalmente de seu lar e de familiares, afastou-se dos bons amigos, não conseguiu concluir os estudos

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e já fez os pais sofrerem muito. Começou a freqüentar o grupo dos Narcóticos Anônimos há três meses e tem se esforçado para libertar-se do vício; seus familiares estão esperançosos. Hoje ele se encontrou com dois colegas usuários, que lhe deram a cocaína, e está muito tentado a usar.

Vimos que perto de Renato estavam três desencarnados; dois aflitos para vampirizar um encarnado que fizesse uso de tóxicos e um outro de aspecto maldoso; eles não nos viram. Marisa nos esclareceu:

- Só podemos nos afastar de perto do Renato e levar para o nosso abrigo estes dois que foram viciados e que ainda não se libertaram da vontade de usufruir das drogas. Mas eles já estiveram conosco seis vezes, não querem abandonar o modo como vivem. Este outro é um espírito com idéias vingativas, que odeia Renato por brigas de outras encarnações e quer vê-lo acabado, escravo do vício, um fracassado. Este desencarnado não foi usuário, não gosta de ser dependente, por isso trouxe estes dois para tentá-lo, para que desse nele vontade de usar a cocaína.

- Marisa, por favor, leve os dois para o abrigo; ficaremos aqui com Renato - pediu Pedro. Depois explicou-nos: - Mas eles só poderão ficar na chácara por três dias, dão muito trabalho. Será mais uma tentativa de auxiliá-los.

Marisa pegou os dois pela mão e volitaram. Para eles foi como sumir daquele lugar para estar no abrigo. O desencarnado maldoso se inquietou, percebeu o que tinha ocorrido: que socorristas bons estavam ali e que os dois haviam sido levados para outro local. Porém não deixou de incentivar Renato, olhou-o com firmeza e disse-lhe: ”Use a cocaína! Faz tempo que não usa algo tão puro assim! Fará bem a você! Afinal, não é de ferro e uma recaidazinha não lhe fará mal!”

Cercamos Renato. Pedro falou-lhe, e ficamos vibrando para que atendesse ao nosso apelo.

”Renato, não se drogue! Jogue fora esse veneno! Já sofreu e fez seus entes queridos sofrerem. Eles estão confiantes de que você não se drogará mais. Não tenha essa recaída!”

O jovem encarnado não escutou com o ouvido físico, mas recebeu os dizeres de Pedro e do outro desencarnado como se pensasse.

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E usou a cocaína. Nós o vimos preparar a seringa e injetar a droga na veia. O espírito maldoso riu vitorioso. Marisa retornou e Pedro falou:

- Deixemos Renato. O tóxico vai fazer efeito e ele não irá à reunião.

- Vamos deixá-lo sozinho na companhia deste desencarnado? - perguntou Larissa, chegando mais perto de Maria Laura.

- Foi a companhia que ele escolheu, que atendeu - respondeu Pedro.

- Vocês não vão mais ajudá-lo? - indagou Edu.

- Vamos se ele nos pedir auxílio ou se voltar às reuniões dos Narcóticos Anônimos. Vamos à outra dificuldade - disse Pedro.

Fomos até Marília, outra trabalhadora do Grupo Esperança, que estava com Adriana, uma jovem de dezoito anos. A socorrista nos explicou:

- Adriana começou a usar drogas muito jovem, aos doze anos, por causa do namorado, mais velho e completamente dependente. Ela se viciou logo nas primeiras vezes em que fumou maconha e passou em seguida para a cocaína; já fez uso até de heroína. Esteve internada numa clínica e quando saiu passou a freqüentar o Grupo dos Narcóticos. Tem tentado se libertar, e sua luta não está sendo fácil.

- Quem é esse desencarnado perturbado que está ao lado dela? - perguntou Carla.

- O ex-namorado, que desencarnou num acidente de carro, quando estava sob o efeito das drogas. Ele também já esteve no nosso abrigo, melhorou e saiu. Está aqui querendo que Adriana se drogue para vampirizá-la, para sugar sua energia e ter a impressão de que faz uso também - respondeu Marília.

- A luta é dela, só vamos orientá-la! Não podemos ficar afastando todos os obstáculos dos usuários. A luta é de cada um

- explicou Pedro.

Cercamos Adriana, oramos por ela, e a garota foi receptiva, recebeu os conselhos de Pedro como intuição. Ele lhe disse palavras bonitas, lembrou-a dos pais, dos amigos, e ela pensou:

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“Não vou me drogar! Prometi a mim mesma não usar. Só mais um dia! É difícil, estou com vontade. Mas só por hoje! Devo isso a meus pais. Eles já não têm dinheiro para me internar, para qastar comigo! Não vou usar!”

Pegou um livro para ler. O desencarnado aborreceu-se e saiu resmungando, disse que ia procurar outro usuário. Pedro recomendou a Marília que ficasse com Adriana até ela ir à reunião.

Despedimo-nos deles e nos dirigimos ao posto do centro espírita. Fomos cuidar dos nossos três abrigados e esperar a hora de irmos ao local da reunião dos Narcóticos Anônimos.

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doze

Chegamos ao salão, o local das reuniões dos Narcóticos Anônimos, bem antes da hora marcada para o início. Fomos recebidos por Luís Afonso e Margarida, dois trabalhadores do plano espiritual que auxiliavam nesse importante trabalho que tanto tem ajudado os dependentes químicos. nossa instrutora nos apresentou e explicou:

- Este local não é uma instituição religiosa. Mas, como em todos os lugares em que se ajuda alguém, há orientação do plano espiritual. Além do Grupo Esperança, a casa conta com o auxílio destes dois amigos.

- Sejam bem-vindos! - exclamou Margarida delicadamente.

- Mostrarei o local a vocês; é pequeno, mas tem sido de grande ajuda a muitos que querem se libertar de suas dependências. Aqui é o salão das reuniões, ali um banheiro.

Era só isso, um salão com cadeiras e, ao lado esquerdo, um banheiro. A casa ainda estava fechada para os encarnados. Ali não havia construção no plano espiritual como vemos em vários locais de socorro. Carla indagou, curiosa:

- Vocês não têm abrigo para desencarnados?

- Não - respondeu Luís Afonso. - Margarida e eu temos nossa moradia num posto de socorro e, se algum desencarnado vier aqui precisando ficar internado, o levaremos para os centros espíritas da cidade ou para o abrigo da chácara.

- Este salão pertence ao Grupo? - perguntou Larissa.

- Não - respondeu Luís Afonso. - Aqui antigamente era um bar; o proprietário teve um filho alcoólatra e, como foi recuperado pelos Alcoólatras Anônimos, cedeu este prédio *para

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que eles tivessem onde se reunir. Duas vezes por semana, no horário noturno, há reuniões dos ex-dependentes de álcool e outras duas vezes há encontros dos que lutam para vencer o vício das drogas. As cadeiras foram doadas, e um senhor paga as contas de água e de energia elétrica. E, são divididas entre os próprios freqüentadores as outras despesas.

A porta foi aberta, e as pessoas começam a chegar. Foram distribuídos alguns folhetos.

- Temos a nossa Literatura: livros e folhetos que damos às pessoas que aqui vêm; são de grande ajuda - explicou Luís Afonso.

Ulisses pegou um livro, Narcóticos Anônimos, e leu para nós um texto: ”O fruto de um trabalho de amor atinge sua plenitude na colheita, e esta chega sempre no seu tempo certo...”

- Que bonito! - exclamou Larissa. - Deixe-me ver. Que livro lindo! - Abriu uma outra página e leu: ”Não podemos modificar a natureza do adicto ou da adicção. Podemos ajudar a modificar a velha mentira, que: uma vez adicto, sempre um adicto”. Escutem esta outra frase, que ensinamento profundo: ”Esforçando-nos para tornar a recuperação cada vez mais acessível. Deus, ajude-nos a lembrar que isso é possível”.

Dos livros e folhetos que os encarnados tinham ali à disposição, os desencarnados podiam encontrá-los numa estante, que são feitos da mesma matéria que usamos no plano espiritual. Nós examinamos esta Literatura. A Irmandade de Narcóticos Anônimos, ou NA, é muito organizada e sem fins lucrativos. E há somente um requisito para ser membro: o desejo de parar de usar drogas. São Doze Passos que possibilitam a recuperação que o adicto segue. E há também as Tradições, que são diretrizes que mantêm a Irmandade viva e livre.

- Que textos interessantes! - exclamou Edu. - Vou ler para vocês: ”A única maneira de não voltar à adicção ativa é não tomar aquela primeira droga. Se você é como nós, então sabe que uma é demais e mil não bastam”. Escutem esta: ”Reconhecemos que não usávamos as drogas; elas nos usavam”.

- Falam muito em adicto, adicção. Que é isso? - perguntou Carla.

- üm adicto é simplesmente um homem ou uma mulher cuja vida é controlada pelas drogas. Evitamos nas nossas reuniões

De NA


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falar palavras como: viciados, drogados, cocaína, como se usam tóxicos etc. - respondeu Margarida.

O ambiente estava agradável. Foi um alívio ver Adriana entrar no salão, ficamos chateados com a falta de Renato, que não veio mesmo. O grupo era muito fraterno, companheiros se cumprimentavam carinhosamente. Entraram alguns desencarnados, que foram recebidos com carinho pelos membros do Grupo Esperança e convidados a ficar. Maria Laura nos esclareceu:

- Estes desencarnados irão para o abrigo da chácara. Após medicados e alimentados serão incentivados a ficar. Alguns ficarão e outros não.

- Estou vendo que alguns desses desencarnados vieram aqui sozinhos, isto é, não vieram acompanhando os nossos irmãos encarnados - falou Ulisses.

- Vamos observar este que acabou de chegar - disse Maria Laura.

Era um moço, que se aproximou de Mariozinho e pediu:

- Sr. Mariozinho, estou muito debilitado, sozinho e triste. Venho pedir ajuda, pelo amor de Deus! Será que não posso ir para a chácara de novo? Por favor!

- Espero que desta vez, Augusto, você fique na chácara e não saia após sentir-se melhor. Fique aqui, e irá conosco quando terminar a reunião - respondeu Mariozinho.

- Deus lhe pague! - exclamou o moço, suspirando aliviado.

- Augusto já pediu ajuda várias vezes. Ele vem aqui no horário das reuniões; é emotivo, chora, vai para o abrigo e não fica; diz que o vício é mais forte que ele - explicou Maria Laura.

- O vício está dentro da gente mesmo! Não é só do físico! Desencarnados que se iludem, que querem viver como encarnados, têm os mesmos reflexos do envoltório de carne. Isso é incrível! - expressou Ulisses.

- Os vícios são hábitos adquiridos - explicou Maria Laura -, às vezes devagar, e que desarmonizam a pessoa. Para se livrar deles e harmonizar-se, é necessário querer mesmo, ter força de vontade. E não são só os vícios materiais, mas todos. Pessoas que mentem, que se entregam à gula, à luxúria etc. Alguns estão muito enraizados, foram muito alimentados, assim o hábito se tornou mais forte, e a luta para vencê-los é mais difícil. Como

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O difícil caminho das drogas

você disse, estão em nós, no espírito, e se refletem no perispírito. As qualidades que adquirimos são nossas, sejam boas ou más. Augusto sabe que desencarnou, mas não quer viver de outro modo e sofre as conseqüências do que a droga causou em seu físico. Era toxicômano e continua a ser.

No horário marcado, a reunião começou, üm senhor fez uma linda oração pedindo proteção ao Poder Superior, às energias cósmicas. Todos acompanharam. Em seguida ele falou com voz agradável:

- Estamos contentes porque você conseguiu chegar aqui e esperamos que decida ficar. é importante você saber que vai ouvir falar em Deus nas nossas reuniões. Nós nos referimos a um Poder Maior do que nós, que torna possível o que parece impossível. Nós encontramos esse poder aqui, nas reuniões e nas pessoas. Este é o princípio espiritual que tem funcionado para vivermos livres das drogas: um dia de cada vez.

üm jovem leu um texto intitulado: ”Só por hoje”. Lindo! Nos emocionamos. Guardei parte na memória e transcrevo a vocês: ”Só por hoje meus pensamentos estarão concentrados na minha recuperação, em viver e apreciar a vida sem drogas. Só por hoje se aplica a todas as áreas de nossa vida, no que temos de fazer e no que não convém ser feito e não apenas à abstinência das drogas. Temos de lidar com a realidade: um dia de cada vez. Muitos de nós sentimos que Deus só espera de nós as coisas que somos capazes de fazer hoje”.

Leram mais uns textos dos livros deles. Falaram um pouco sobre o assunto lido e depois começaram os depoimentos. Ficamos admirados com esses relatos, todos tinham uma história de vida cheia de problemas, erros, recaídas e culpas, mas também de vitórias, um jovem de dezessete anos falou comovido:

- Amava muito meu pai, ele era meu herói, amigo, mas morreu por causa de um enfarte, nos deixando sozinhos e tristes. Não estava agüentando tanta dor, experimentei drogas para fugir e aliviar esse sofrimento e acabei me tornando dependente delas. Um dia minha mãe me buscou na rua, estava caído numa calçada; ao debruçar-se sobre mim chamando-me, tive a impressão que vi meu pai. Melhorei do torpor de imediato, então vi minha genitora à minha frente; estava tão sofrida, envelhecida,

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magra, que estremeci. Eu a via todos os dias, mas não reparava nela. Compreendi que era a causa do seu sofrimento. Fui para casa com ela, prometi a mim mesmo não usar mais tóxicos. Mamãe me levou a um médico e ele nos falou deste grupo. Vim, me receberam com muito carinho e hoje faz quatro meses que não uso drogas. Se às vezes vacilo, me lembro daquela madrugada e afirmo o meu propósito: só hoje não uso! Também tenho pensado bastante no que escutei aqui: ”Quando acreditamos que as drogas resolverão nossos problemas e esquecemos o que elas podem fazer contra nós, estamos realmente em apuros”. Quero me amar e me curar dessa doença! Quero ser limpo!

Palmas. Emocionei-me, desejei ardentemente que aquele jovem vencesse.

- Você não quer falar hoje Maurílio? - perguntou o senhor que orou.

- Não! - respondeu Maurílio - que era um moço de trinta e poucos anos.

Uma mulher foi falar e Carla perguntou curiosa a Pedro:

- Por que Maurílio não quer dar seu depoimento?

- Maurílio tem uma história triste - respondeu Pedro. - Está conseguindo ficar sem drogas, já freqüenta o grupo há um bom tempo e nunca deu seu depoimento. Tem medo. Está confuso, sem saber como agir a respeito de um erro que cometeu. Anos atrás, Maurílio estava exagerando no consumo de tóxicos, saiu de casa, viajou, enturmou-se com outros dependentes. Um dia, estavam Maurílio e mais três colegas, quando um homem aproximou-se deles e ofereceu uma quantia em dinheiro para que matassem uma moça. Ele e outros dois aceitaram, mas um não quis. Seguiram a moça, souberam de seus horários, lugares que freqüentava. Dias depois, surgiu uma oportunidade: ela estava sozinha numa rua pouco movimentada. Aproximaram-se, deram uma pancada em sua cabeça, que a fez desmaiar, colocaram-na num carro, afastaram-se da cidade. Pararam num local isolado, desceram a moça e mataram-na a facadas. Receberam o pagamento e Maurílio fugiu dali. O dinheiro não era muito, gastou-o todo em drogas. Soube pelo jornal que o companheiro que não participou foi assassinado e os outros dois, presos. Teve medo e voltou para casa. A cidade em que aconteceu esse crime é longe

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daqui e os dois que foram presos não sabiam de onde ele era nem o nome dele, conheciam-no só pelo apelido. Por isso a polícia não tem nenhuma pista dele. Os pais o receberam com carinho e ele aceitou um tratamento que a família ofereceu. Foi internado e agora freqüenta o grupo. Arrumou emprego, está namorando, mas a consciência o acusa. é um assassino! Temos orientado Maurílio, aconselhando para que confesse, pague pelo crime que cometeu perante a lei. É o certo! Está confuso e não fala a ninguém sobre esse episódio. Acha que fez isso sem pensar, que não teve responsabilidade pelo ato. Mas uma garota desencarnou, o erro existiu e terá de repará-lo.

- Como se cometem erros, roubos, crimes pelas drogas! exclamei.

- Tenho pena do Maurílio, e, ainda mais dessa jovem que desencarnou (porque foi Maurílio quem a matou) - falou Edu.

- E o mandante é tão errado quanto eles? - perguntou Ricardo.

- Creio que mais! - respondeu Pedro. - Vocês sabem que para o mesmo erro há várias reações. Maurílio e os companheiros justificam-se: estavam drogados; mas essa desculpa não é válida. Já o mandante, como pagou outros para cometer o ato, pode tentar se safar, dizendo que não teve nada a ver com o crime, mas isso também não é aceito. Todos são assassinos! E não se cometem erros só por causa das drogas, há vários outros motivos, porém, nenhum justificável.

A reunião terminou, todos os encarnados estavam contentes, com as forças renovadas. Mais um dia foi vencido. A luta é diária. ”Hoje prometo a mim mesmo não tomar, não usar drogas.” E assim o dia passa, inicia-se outro, com nova proposta, nova promessa. Um dia por vez. E que luta! Que vitória! E, dia após dia, completam-se a semana, os meses e os anos.

Os encarnados foram embora, membros do Grupo Esperança se aproximaram de alguns freqüentadores e foram com eles. Carla perguntou:

- Perto de um encarnado adicto há sempre um desencarnado bom para ajudá-lo?

- Não! Os membros do Grupo Esperança visitam sempre os que fazem parte dos Narcóticos Anônimos. As visitas se

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intensificam dependendo da necessidade. A ajuda recebida é a resposta a um apelo deles.

- Esse auxílio é só para os que vêm aqui, nestas reuniões?

- indagou Larissa.

- Essa ajuda é para todos os que pedem e querem receber o que temos a oferecer. Os usuários são muitos e tentar auxiliar quem não quer é perda de tempo. Temos muito o que fazer e somos poucos. E nosso auxílio é limitado; não podemos ajudar aqueles que pedem mas não estão receptivos à nossa ajuda. A luta é do dependente, ele se desarmonizou, ele é que tem de se harmonizar - respondeu Margarida.

- A ajuda de vocês é fundamental! Esta Irmandade é de muita importância! - exclamou Edu.

- É, realmente - expressou Margarida. - Tenho observado que sem auxílio de outros não se consegue abandonar os tóxicos. Mas não podemos fazer nada no lugar do dependente. Aos desencarnados que querem ajuda, oferecemos abrigo, aos encarnados, orientação, e aqui todos são incentivados, mas cabe a cada um fazer sua parte, üm adicto que não queira parar de usar não vai parar de usar.

Gostamos muito da reunião, ajudamos o Grupo Esperança a levar os desencarnados para o abrigo, lá cuidamos deles. Depois de todos acomodados, Maria Laura nos falou:

- Garotos, fomos convidados a ir ao posto de socorro aqui perto para ouvir música.

Aceitamos contentes e volitamos até o posto. Era uma casa de porte médio, muito bonita, com um lindo jardim, mas simples. Assim que chegamos, nos dirigimos ao salão, üm grupo de músicos, seis instrumentistas, nos brindaram com lindas melodias. Fiquei emocionada, sempre gostei de músicas; as que nos acalmam, nos elevam, inspirando bons sentimentos. O concerto terminou, aplaudimos os músicos com entusiasmo. Eles eram moradores de uma colônia, tinham outros afazeres, mas davam concertos pelos abrigos da região.

Ficamos conversando com Luís Afonso e Margarida.

- Então vocês foram casados quando encarnados! - eXclamou Carla, sorrindo.

- Estivemos casados por quarenta anos - respondeu Margarida.

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- Tivemos muitas dificuldades - falou Luís Afonso. - Margarida foi, é, uma pessoa maravilhosa, me ajudou muito. vou contar a vocês só um pouquinho de nossa vida: comecei a beber quando adolescente, dizia ser por farra, divertimento. Conheci Margarida, nos enamoramos e prometi não me embriagar mais. Casamos e tivemos três filhos; passei a beber cada vez mais. Tornei-me um alcoólatra. Fui despedido do emprego e ela passou a trabalhar dobrado para sustentar a casa. üm dia fui atropelado e ao ser hospitalizado um médico conversou muito comigo, me fez entender que estava agindo errado e que fazia meus familiares sofrerem. Convidou-me a ir a uma reunião. Saí do hospital, não bebi e fui a esse encontro. Era dos Alcoólatras Anônimos. Me fez um bem enorme. Segui suas normas, seus conselhos e dia após dia venci meu vício e não bebi mais. Arrumei emprego, me tornei um bom esposo e ótimo pai para meus filhos. E me dediquei a essa Irmandade até desencarnar. Minha esposa veio para o plano espiritual primeiro, encontrei-me com ela aqui quando mudei para o plano espiritual. Aqui estudamos e nos foi permitido trabalhar ajudando os que assim desejam, os que lutam para se libertar de suas dependências. E já faz anos que auxiliamos estas duas instituições: a dos AA e MA.

- E essas duas Irmandades têm ajudado na recuperação de muitos, não é? - perguntou Edu.

- Sim, têm ajudado. Embora recuperam-se somente aqueles que realmente querem. Só recebe auxílio quem se torna receptivo

- respondeu Margarida.

- São muitos os que incentivam o consumir drogas, álcool e há aqueles que auxiliam na recuperação do vício. Ainda bem que existem aqueles dispostos a ajudar! - expressou Ricardo.

- Lembro a você, Ricardo, que não são muitos os que trabalham ajudando; a maioria quer ser servido - falou Ulisses.

- O melhor mesmo é não se envolver com as drogas, não adquirir nenhum vício ou dependência! - exclamei.

Despedimo-nos do casal abraçando-os com carinho e saímos do posto.

-

- Vamos agora socorrer os dois que faltam - falou Maria Laura.

- Sem analisar? - indaguei.

- Estes dois já estão certos - respondeu nossa instrutora.

- um está preso numa fortaleza no umbral e outro está num local na Zona Umbralina. O primeiro pede socorro, quer ajuda, e os servidores do Departamento de Pedidos decidiram que ele deve ser tirado de lá e levado para o hospital da colônia. O segundo, uma garota, está tão perturbada que nem consegue pedir, mas já está aqui há tempo e hoje chegou sua vez de ser socorrida.

- E se ela não quiser o nosso socorro? - perguntou Ricardo.

- Ela vai demorar para se recuperar, e quando melhorar, se não quiser ficar no hospital, poderá sair. Mas dificilmente em casos como o dela não se aceitam ajuda. Essa garota já sofreu muito respondeu nossa instrutora.

- Vamos entrar numa fortaleza? - indagou Larissa.

- Sim, vamos - respondeu Maria Laura. - É uma moradia do umbral e não fica longe do posto de socorro em que estivemos. Estamos indo agora, às duas horas, porque neste horário seus moradores saem muito e a fortaleza recebe muitas visitas de desencarnados e também de encarnados que têm o corpo físico adormecido. Nesse entra-e-sai de pessoas é fácil para nós entrar e resgatar esse jovem.

Mum terreno plano estava a fortaleza: uma construção de pedras, cor cinzenta, com algumas janelas pequenas e na frente um grande portão de ferro, que estava aberto.

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-Maria Laura, você tem certeza de que precisamos entrar aí? E se eles perceberem que somos servidores do bem? E se um dos moradores nos enfrentar? - perguntou Larissa.

- Calma, garota, não vai acontecer nada. não tenha medo!

- exclamou Ricardo.

- Se você não quiser ir, poderá ficar aqui nos esperando expressou Maria Laura.

- Sozinha? Prefiro ir - respondeu Larissa.

O umbral é enorme, tem vales, locais com muitos buracos, cavernas, lamaçais e muitas construções isoladas e cidades onde se agrupam grande número de desencarnados. Há moradores que se sentem bem como estão, isto é, vivendo na maldade, nas suas cidades, onde há muitas orgias; vemos escravos que lá permanecem contra a vontade e outros que aprendem pela dor, por terem desprezado as oportunidades pelo amor. São os sofredores. Esses lugares têm nomes e muitos deles são mais específicos a determinados vícios; existem construções para luxúria, vingança e ódio, que incentivam o uso do álcool e, mais recentemente, dos tóxicos. Esta era uma delas, freqüentada pelos amantes das drogas. Seus chefes, os desencarnados que mandavam ali, não eram usuários, porque eles sabiam que ao se prender nesse vício, ficam realmente presos e ninguém manda, comanda, perturbado por causa dos tóxicos.

- Entraremos invisíveis na fortaleza - determinou Maria Laura.

- Eles não irão nos ver mesmo? - perguntou Larissa.

- Desencarnados que têm conhecimentos sabem sentir nossa presença sem nos ver. Por isso viemos nesta hora e dia, soubemos que os mandantes deste local saíram para uma reunião e os que ficaram certamente não saberão nos sentir respondeu nossa instrutora.

- Como iremos fazer para resgatar este que nos pede socorro se ele não nos ver? - perguntou Carla.

- Ele não nos verá, mas poderá nos escutar. Vamos entrar agora. Evitem falar, nos comunicaremos por pensamentos e só quando necessário. O jovem que iremos socorrer se encontra na parte esquerda, nos fundos do casarão, onde está a prisão. com ele estão mais dois que infelizmente não podemos auxiliar.

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Se estivesse sozinha, iria já para lá, o soltaria e sairia em seguida. Mas vocês estão aqui para aprender, e vamos aproveitar a oportunidade para conhecer algumas repartições da fortaleza. Depois iremos à prisão, à cela, falarei com o pedinte e teremos de ser rápidos para tirá-lo de lá, pois ele não ficará invisível aos outros como nós - explicou Maria Laura.

Atravessamos o portão que estava aberto, uma porta e nos defrontamos com uma salinha onde estavam três desencarnados conversando animados e dando gargalhadas. Eram guardas corpulentos, cabelos compridos, com roupas escuras e estavam armados. Larissa arregalou os olhos e ficou bem próxima da nossa instrutora. Os guardas atingiam seus objetivos: muitos só por vê-los já ficavam com medo. Passamos por eles sem dificuldades, eles não nos viram nem nos sentiram.

Entramos num salão que estava vazio. Era o local de reuniões e de festas, as paredes eram coloridas e havia muitos quadros eróticos. Maria Laura apontou para um local e recebemos seus pensamentos:

”Ali está a parte reservada aos chefes, são salas denominadas escritórios ou alojamentos. Vamos por aqui.”

Andamos por um corredor com várias portas e novamente nossa instrutora esclareceu:

”Aqui ficam os freqüentadores da casa, que foram toxicômanos encarnados e que agora, desencarnados, ainda sentem falta das drogas porque não perderam os reflexos do corpo físico. Eles se agrupam, estas salas são como o quarto deles.”

üma porta se abriu. Maria Laura fez sinal para que olhássemos para dentro, üm casal saiu, observamos os dois. Deveriam ter desencarnado com quarenta anos, estavam sujos e com expressão de que usaram drogas. Depois olhamos para dentro da sala, não havia móveis nem enfeites. Lá estavam uns vinte desencarnados sentados no chão; uns conversando, outros quietos. A porta se fechou e nossa orientadora explicou:

”Desencarnados que sugam energia de um encarnado que usou droga sentem seu efeito. Vamos à prisão.”

Descemos por uma escada, defrontamo-nos com uma porta de ferro. Passamos por ela sem abri-la. Nós, que já mudamos de planos, aprendemos a passar pelas construções

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O difícil caminho das drogas

materiais. É fácil, mas para fazê-lo é necessário aprender. Desencarnados que têm os reflexos do corpo físico dificilmente fazem isso; e se acha que está encarnado ele nem tenta fazê-lo. Repito que conhecimentos não são privilégios só dos bons, maus também o possuem. Construções da matéria do nosso perispírito, que são as do plano espiritual, são mais difíceis de atravessar. Para conseguir, temos de estudar muito, ter domínio sobre nossa vontade e treino. Todos nós do grupo já tínhamos feito esse estudo, mas foi Maria Laura que fez, ela mentalizou um buraco, que se abriu, e passamos. Há, em muitos locais no umbral, um sistema de alarme que impede de fazer esse processo. Felizmente, neste lugar não havia. Entristeço-me sempre quando vou a lugares assim. Prisões são locais de dores, muito sofrimento. Lembrei-me de uma amiga que diz sempre: ”É bem melhor não se afinar com as trevas, com espíritos trevosos, porque se o fizer, é sofrimento na certa”.

Como o processo de atravessar construções do plano espiritual também pode ser do conhecimento dos maus, as colônias e postos de socorro têm sistema de alarme que impedem a entrada de intrusos. E quando é preciso fazer um socorro em locais onde existem alarmes, ele é feito por socorristas experientes, e a tarefa é sempre bem-sucedida.

Maria Laura parou em frente a uma cela. A prisão era parecida com uma cadeia de encarnados. A cela era pequena e sem janela. Só no corredor havia claridade. A porta tinha grades. Entramos pelo mesmo processo. Os três prisioneiros que estavam nela se encontravam quietos, sentados no chão. Nossa instrutora nos pediu para ler seus pensamentos.

Rodeamos um homem. Deve ter desencarnado com cinqüenta anos, estava preso por desobediência e ansiava cumprir sua pena para farrear com seus companheiros. Achava seu castigo merecido, não fez o que lhe foi ordenado e tinha de pagar por isso.

O segundo era um homem de trinta e cinco anos. A maioria no umbral mantém a aparência de quando tinha o corpo físico morto, embora isso não seja regra. Os moradores da Zona umbralina mantêm o perispírito como querem, pois este é modificável e os que sabem o modificam por muitos motivos. Esse homem queria sair da prisão para unir-se a outro grupo;

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odiava os que o prenderam. Queria vingança pela humilhação de estar preso.

O terceiro, nosso pedinte, tentava orar, rogava perdão a Deus e pedia para o Pai ajudá-lo. Queria ficar livre daquele lugar. Estava preso porque não quis fazer uma maldade.

Nossa instrutora fixou o olhar nos dois e os fez adormecer. Aproximou-se do que ia ser socorrido e falou baixinho:

- Vamos ajudá-lo! Fique calmo! Quieto! Embora você não me veja, sentirá uma mão pegar na sua. Siga em silêncio!

- É a senhora, vovó? - perguntou ele.

- Confie, auxiliaremos você - respondeu Maria Laura. Ulisses pegou na mão dele. O jovem levantou-se e passou

conosco pela abertura da grade, depois pela porta de ferro. Nossa instrutora ficou por último, fechando as aberturas. Passamos pelo corredor.

- Procure ser natural! Saia como costumava fazer antes de ser preso! - Maria Laura falou baixinho para o moço.

Só ele era visível para os que se achavam ali, e ninguém na fortaleza nos viu. Não fomos vistos nem pelo nosso pedinte. Ele obedeceu, fez como lhe foi ordenado.

Nossa instrutora passou à frente, foi sozinha à sala onde estavam os três guardas, nós ficamos esperando no corredor. Ela entrou no cômodo ao lado, era a sala da chefe e, lá dentro, fez-se um barulho. Os três abriram a porta e entraram para ver o que havia acontecido. Passamos rápido pela salinha e saímos da fortaleza. Andamos ligeiro apoiando o socorrido. Depois que nos afastamos uns duzentos metros, paramos e olhamos para o casarão. Tudo parecia tranqüilo. Carla perguntou:

- Será que darão por falta dele?

- Seus dois companheiros dormirão por um bom tempo e como costumam prender e soltar prisioneiros sem dar satisfação, eles não estranharão a ausência do colega de cela. Acho que ninguém lá sentirá sua falta, mas, se sentirem, certamente não darão importância - respondeu Maria Laura.

- É verdade que nesta fortaleza quem manda é uma mulher?

- perguntou Edu.

- Sim - respondeu nossa instrutora -, é uma desencarnada que na última encarnação vestiu um envoltório feminino. Ela é fria, calculista e é temida por esta região umbralina.

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O difícil caminho das drogas

-Mulheres no poder! - expressou Ricardo dando um risinho. Como ninguém achou graça, ficou sério e falou: - Desculpem-me!

- Quem são vocês? Quero agradecê-los. Para onde me levarão? É a senhora vovó Alba que está aqui? - perguntou o moço.

- Somos um grupo que socorre os que pedem auxílio a Deus. Logo você nos verá. Levaremos você para um local bonito onde aprenderá a viver desencarnado com dignidade. Sua avó não está aqui. - Respondeu Maria Laura e, virando-se para nós, continuou a falar: - Andemos rápidos! üm de vocês ajude Ulisses a amparar este jovem, vamos seguir por aqui. Não muito distante está o nosso quinto pedinte. Voltaremos ao abrigo do centro espírita só com os dois.

Amparei o moço, coloquei seu braço sobre meu ombro e seguimos ligeiro. Foi então que reparei melhor nele, estava machucado, tinha levado uma surra. O corpo que usamos após a morte do físico, o perispírito, é idêntico ao que usamos quando estamos encarnados, mas pode ser modificável, como já falei. A maioria dos desencarnados mantém a aparência que tinha quando encarnado e, se não aceita a morte do físico, se não aprende a viver como tal, sente como se vivesse ainda no corpo carnal. Por isso dissemos que eles mantêm os reflexos do invólucro material. Sentem fome, frio, dores, podem ser surrados e sentem que se machucam.

Tóxicos fazem muitas vítimas. Temos visto pelos noticiários dos encarnados ocorrerem chacinas por causa de dívidas, desobediências - tudo em função do envolvimento com o tráfico. Aqui no plano espiritual, na Zona ümbralina, também há, pelos mesmos motivos, muitas maldades; existe quem manda e quem tem de obedecer. Como não se pode matar o perispírito, o castigo são prisões terríveis e castigos desumanos. Infeliz do imprudente que se liga a drogas, a erros... podem ter certeza que, de fato, se uniram mesmo. E como é difícil nos dois planos essa recuperação.

Após uma hora de caminhada chegamos a um lamaçal. Temos algumas maneiras de andar pelo umbral; fazê-lo na lama é difícil e demorado, por isso volitamos rente ao chão. Ulisses e eu sustentamos o nosso socorrido, que estava quieto e às vezes se assustava.

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Maria Laura logo achou a moça, a última a ser socorrida. Estava sentada na lama e encostada numa pedra, sujíssima, olhos parados, muito magra e balbuciava palavras incompreensíveis. nossa instrutora a pegou pelos braços, levantando-a. Larissa e Ricardo abriram uma maca e a colocaram deitada.

- Vamos agora para o abrigo do centro espírita - falou Maria Laura.

Voltamos rápido. Quando chegamos, o moço pôde nos ver, observou-nos maravilhado. Cuidamos dos dois, os higienizamos, medicamos e alimentamos. O moço chorou muitas vezes e rogou:

- Por favor, não deixem que eu volte àquele lugar! Quero melhorar, sarar, ser uma boa pessoa!

- Pois será, meu jovem! - expressou Edu, abraçando-o. O moço dormiu, a moça continuou inquieta. Maria Laura

teve de adormecê-la, mas mesmo dormindo continuava falando, embora não entendêssemos nada. Mas pudemos sentir que ela estava com muito remorso e que tinha cometido muitos erros: havia se drogado tanto que matou o corpo físico, que era sadio, traficou para alimentar seu vício e havia desencarnado há trinta anos. Sofreu muito. Sabíamos que demoraria para se equilibrar, melhorar, mas agora seria amparada, auxiliada. Depois que acabamos, sentamos nas poltronas da sala que nos foi destinada.

- Iremos para a colônia depois da oração matinal, onde nos despediremos e agradeceremos aos trabalhadores desta casa

- falou Maria Laura.

- Ainda há nomes na lista. Que acontecerá com eles? perguntei.

- Serão os primeiros do próximo socorro - respondeu nossa instrutora.

Marcelinho, Maria Cecília e Francisco estavam quietos, mas atentos ao que conversávamos. Maria Cecília, aproveitando uma pausa nossa, indagou baixinho:

- Será que posso falar? Dizer uma coisa a vocês?

- Pode - respondeu Maria Laura, sorrindo carinhosamente.

- Tenho medo de fracassar, do futuro, de sofrer, de não conseguir ser uma boa pessoa. Só cometi atos ruins e sofri muito falou a garota enxugando umas lágrimas.

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O difícil caminho das drogas

- Que pessimismo! - exclamou Ricardo.

- Por que você não pensa que já sofreu e que agora terá oportunidades de se sentir melhor, de aprender a fazer o bem? sugeri.

- Maria Cecília - disse Maria Laura - não se deixe impressionar com os acontecimentos negativos da vida, não se envolva com eles a ponto de esquecer o positivo. Responda-me: você não teve pais que a amaram? Não teve um corpo saudável com o qual pôde se locomover, enxergar e falar? Teve muitas coisas boas, momentos felizes. Não pense só nos ruins a ponto de esquecer os bons. Se seus pensamentos, conversas se concentrarem apenas nos males que sofreu e que teme sofrer, você eclipsa os momentos felizes pelos quais passou e a esperança de que ainda terá felicidade. Seja otimista, realista, se esforce para estar bem, conquiste a felicidade fazendo os outros felizes. Seja grata e alimente a esperança. E o principal, ame a Deus, a você e ao próximo.

- Eu também posso falar? - indagou Francisco e, com a afirmação de cabeça de nossa instrutora, ele continuou: - Ontem escutei aqui uma pessoa discursar sobre o perdão, achei muito bonito e ilustrou bem o que aconteceu comigo. Quando meu invólucro físico morreu, fiquei muito perturbado e um desencarnado me maltratou muito. Quando consegui entender o que me aconteceu, ele riu de mim. Falava com ironia que foi ele quem me incentivou ao vício e que agora teria de fazer maldades para me tornar mau e sofrer mais ainda. Dizia sempre que me odiava, porque eu o havia prejudicado bastante na minha encarnação anterior. Não me lembrava nem me lembro de nada, mas sinto lá no íntimo que é verdade. Não o odiei, tinha e tenho medo dele. Perdoei e sinto por ele não ter me perdoado. Não quero ser mais inimigo dele.

- Perpetuamos, aumentamos nossa inimizade sendo inimigos deles também - falou Maria Laura. - Existe um modo infalível para neutralizar a inimizade de alguém: amá-la, amar a pessoa como sua amiga. Quando você odeia e é odiado, esse ódio é forte, grande, devastador, causando inúmeros desatinos e sofrimentos. Porque ódio gera ódio; vingança, outra vingança; maldade produz maldade e violência com violência só aumenta.

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Quando apenas uma pessoa odeia e faz o mal à outra, se esta não revidar, age bem, porém a desavença continua a existir. O melhor é fazer o bem a quem nos odeia, anular esse ódio e ensinar o outro a amar. Você, Francisco, pode ter feito o mal a esse indivíduo, que se tornou mau, vingando-se. Recebeu a maldade dele; não quer revidar, perdoou, esse mal que recebeu foi externamente e o outro o fez, também para si mesmo. Faça um esforço para amá-lo, aprenda a fazer o bem, talvez você um dia tenha oportunidade de ajudá-lo.

- Será que conseguirei ser útil? Fazer o bem? - perguntou Francisco.

- Pode ter certeza que sim. Quando queremos e trabalhamos por isso, o resultado é positivo. Confio em você, meu caro, será um ótimo trabalhador do bem - falou Edu.

Francisco sorriu, animado.

- Eu quero agradecê-los. Deus lhes pague! - exclamou Marcelinho.

- Como deixamos pendências para Deus pagar! - expressou Ricardo.

- Deus, Ricardo, não nos recompensa nem nos castiga falou Maria Laura, explicando. - Nosso Pai sabiamente nos deixou suas leis justas, e uma delas é a do retorno. Tudo o que fazemos, ações, nos pertence e recebemos as reações. Ao fazermos o bem teremos o retorno, e essa forma de agradecimento, ”Deus lhe pague”, é uma maneira de pedir ou lembrar que teremos o retorno do bem realizado. Esta capacidade aumenta em nós à medida que nos doamos e fazemos o bem. Exemplo: eu amo a todos e quanto mais reparto, divido esse amor, mais ele aumenta em mim e sinto que as pessoas que o recebem, aprendem a amar. Marcelinho, eu me alegro com seu agradecimento. O beneficiado tem de aprender a ser grato, mas o benfeitor não tem de esperar ou contar com essa gratidão. É melhor fazer do que receber. Não sei de ninguém que tenha feito o bem desinteressadamente que se arrependesse e tenho visto quem não o fez se arrepender.

- Maria Laura, será que não posso levar Lauro ao hospital da colônia? E aquele garoto com que conversei à noite naquele bar. Queria tanto ajudá-lo - disse Edu.

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- Edu, sabe bem que teremos de levar só os que podem ser abrigados no hospital. O número exato que dá para ser cuidado pelos trabalhadores locais - falou Ulisses.

- Eu poderia auxiliar no hospital - expressou Edu.

- Você ficaria responsável por ele? Você trabalharia em horário extra só para ajudá-lo? - perguntou Maria Laura.

- É o que quero fazer - respondeu Edu.

- Está bem, vá buscá-lo! - falou nossa instrutora.

Edu saiu rápido e voltou minutos depois com Lauro, que ficou sentado quieto numa poltrona.

Fomos ao salão orar; depois agradecemos à equipe do centro espírita e despedimo-nos dela. Por fim, buscamos os seis socorridos, entramos no aeróbus e partimos para a colônia.

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quatorze

O aeróbus parou no pátio do hospital. Descemos com nossos socorridos e os deixamos na sala de entrada. Maria Laura nos disse:

- Nosso estudo agora será por mais sete dias dentro do hospital, nesta parte de recuperação. Mas, antes, teremos vinte e quatro horas de folga, que poderemos usar como quisermos. Eu vou encontrar com meu filho e ir com ele ao teatro... está passando uma peça muito bonita. Irei também visitar minha filha e meus netos na Terra. Vocês estejam aqui às oito horas amanhã. Boa tarde e proveitosa folga a todos.

Saímos contentes. Quanto a Edu, por trazer um extra, teria de dar sua contribuição. Ele ficou no hospital, cuidando não só de Lauro, mas também de outros.

Despedimo-nos, e cada um foi para um lado. Eu fui à Casa do Escritor8, local a que amo ir; é uma colônia cujos moradores dedicam-se só à literatura edificante. É sempre agradável estar lá, saber das novidades literárias tanto do plano físico como do espiritual, conversar com os amantes dos bons livros. Depois fui visitar meus pais, que estão também desencarnados. Meu pai trabalha num posto de socorro no umbral, e minha mãe, numa escola na colônia. não moramos juntos por nossa escolha de trabalho, ficamos períodos afastados, mas o amor nos une e nos encontramos quando é possível. Fui ao teatro e também li um livro.

8 - Casa do Escritor - Há um livro com o mesmo título e que descreve essa colônia. A Casa do Escritor, psicografado por Vera Lúcia *Marinzeck de Carvalho pelo espírito Patrícia. Petit Editora. (N.A.E.)

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O difícil caminho das drogas

No outro dia, antes das oito horas, eu estava no pátio do hospital, e logo nos reunimos para receber a orientação de Maria Laura.

- Vocês não só conhecerão esta parte do hospital como serão úteis também. Verão primeiro os que estão para ter alta, depois os que se acham em condições razoáveis e por último os que estão perturbados. Todos foram toxicômanos.

Entramos e fomos para o jardim. Encontramos Edu, que nos cumprimentou sorrindo; ele já estava trabalhando. Nossa instrutora nos deu as recomendações:

- Hoje vocês ficarão aqui conversando e tentando orientar os internos, que logo estarão prontos para estudar, ser úteis. vou fazer um outro trabalho. Qualquer dúvida, vocês perguntem a Marina, aquela jovem ali. Verei vocês às vinte horas. bom trabalho!

Sabemos bem o quanto é importante para um desencarnado em recuperação falar de si, o quanto isso lhe faz bem, então fui conversar com uma moça que estava sentada sozinha, parecia triste e pensativa.

- Olá! Sou Rosângela! Como está?

- Oi! Eu me chamo Renata. Estou bem, obrigada! - respondeu ela.

- Posso sentar aqui com você? Que tal conversarmos um pouco? Você parece preocupada - falei.

- Estou para sair daqui e tenho medo.

- Medo de quê? - perguntei.

- De enfrentar o desconhecido. Compliquei muito minha vida, por ter sido tola e imprudente, sofri muito - disse a garota.

Renata suspirou. Fiquei quieta. Ela necessitava falar, desabafar, e eu estava ali para escutá-la. Há sempre poucas pessoas para escutar. Após uma breve pausa, ela continuou a falar:

- Não dei valor à oportunidade de reencarnação. Adolescente, não tive coragem de recusar quando meus amigos me deram drogas. Foi uma farra fumar maconha, cheirar cocaína, e quando vi que não conseguia ficar mais sem elas me apavorei, estava completamente dependente. Entendi tarde demais que umas pessoas se viciam mais que outras. Não consegui mais estudar e me tornei um grande problema para meus pais. Achava naquela época que era dona do meu corpo e que fazia dele o

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que quisesse. Prejudiquei muito meus pais financeiramente, chantageava-os para que me dessem dinheiro, dizia que tinha dívidas com traficantes e que eles me matariam se não pagasse. Como eu me prostituía e usava seringa coletiva, fiquei doente, contraí aids. Não quis fazer tratamento nem larguei das drogas. Certo dia, estava muito fraca e um companheiro me deu, sem que eu percebesse, uma dose excessiva de drogas, e acabei desencarnando. Ele achava que estava me fazendo um bem, que eu ia parar de sofrer. Meus familiares entristeceram-se, mas sentiram-se aliviados, conformaram-se dizendo que eu ia ter paz. Mas foi então que eu sofri mesmo. Antes tinha o amor dos meus pais, que me protegiam, agora não tinha mais. Senti falta do carinho deles, a que não dera valor. Por afinidade, fui para o umbral, onde fiquei anos como escrava, tanto do reflexo do meu vício, como também de um grupo umbralino. Que experiência triste! Como me arrependi de ter me envolvido com tóxicos! Fui socorrida, me recuperei mas tenho medo de enfrentar a realidade. Acho que não sirvo para nada!

Peguei carinhosamente na mão dela e disse, animando-a:

- Achar isso não é desculpa para não fazer nada. Só os que tentam conseguem realizar algo. Mesmo que não faça certo, estará tentando. E é fazendo que um dia podemos dizer que está feito! Você irá para uma escola aprender, e todos os que estarão lá terão esse mesmo objetivo. Irá com certeza gostar e não lhe será exigido nada que não consiga fazer. Não tenha medo, você não falhará! Terá muitas amizades e desta vez com um grupo em que todos estarão dispostos a melhorar e aprender, para serem úteis.

Renata chorou, falou por um tempo de seus pais, do irmão mais novo, de algumas amigas que resistiram às tentações das drogas, e que ela poderia ter sido como elas. Disse também que sentia remorso por ter feito seus pais sofrerem e que estava com vontade de reparar seus erros.

Falar e ter quem a escutasse lhe fez um bem enorme. Melhorou seu aspecto, pois estava esperançosa e o medo tinha acabado. Despediu-se de mim dizendo contar os dias, as horas até ir para a escola.

Ulisses me chamou:

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O difícil caminho das drogas

- Rosângela, vamos conversar com aquela garota? Está tão tristonha!

Sentamo-nos ao lado dela no banco. Era muito bonita. Olhou-nos timidamente. Apresentamo-nos. Retribuiu nossos cumprimentos com um sorriso e só depois de uns segundos falou:

- Eu me chamo Monique! Faz um ano e sete meses que estou aqui me recuperando, logo vou sair e ir para uma escola. Como morrer é estranho, digo, desencarnar, ainda tenho vontade de rir quando penso que estou morta, ou seja, vivendo sem meu corpo físico, aqui tive de fazer um tratamento para conseguir me livrar do meu vício, para não ter mais vontade de me drogar. E vou estudar!

- Monique - falou Ulisses -, nós não adquirimos nada sem esforço, nem trabalho. Conhecimentos tem aquele que estuda. Não é por ter o corpo físico morto que nos tornamos sábios. Aqui, no plano espiritual, se tem muito o que aprender. Na escola você terá conhecimentos de como vive um desencarnado, como é o lugar em que viverá e, o mais importante, como fazer o bem a nós mesmos e ao próximo.

- Estou com muita vontade de aprender e acertar! Chega de erros! Eu, quando encarnada... Desculpem-me, ia falar de mim. Quero saber de vocês. Foram usuários? - perguntou Monique.

- Não - respondi. - Não fomos, estamos aqui para aprender a ser úteis. Por favor, fale de você, gostaríamos de ouvi-la.

- Que bom! Estou com muita vontade de falar de mim. Quando encarnada, morava numa cidade grande com meus pais e com uma irmã mais nova. Minha mãe queria que eu fosse modelo, para ela eu tinha todos os predicados para isso. Falou tanto que me entusiasmei. E, para tentar ser uma, foi uma trabalheira: eram sessões de fotos, tinha de ir de um lugar a outro, fazer algumas viagens. Cansei-me logo. Minha mãe não queria que eu desistisse, dizia que tinha gasto muito dinheiro comigo e que eu tinha de continuar. Meu pai discordou e os dois começaram a brigar. Resolvi fazer o gosto dela, passei a desfilar e fui contratada por uma agência que ficava em outra cidade, onde fui morar sozinha. Infelizmente não tive sorte, me

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envolvi com pessoas inescrupulosas. Acabei me prostituindo e me drogando. Tornei-me dependente. Até desfilava de vez em quando, mas era mesmo uma prostituta de luxo. Ganhava bem, mandava algum dinheiro para meus pais e gastava muito com tóxicos. Um dia, encontrei na recepção umas jovens, com as mães, esperando para serem atendidas, tive pena delas e lhes falei o que era de fato aquela agência. uma dessas mães foi à polícia, que foi ao local, olhou tudo, mas não deu em nada. Descobriram que fora eu quem falou e, em represália, resolveram me castigar para dar exemplo a outras. Prenderam-me no meu quarto, me amarraram na cama e me aplicaram uma overdose de cocaína. Fiquei apavorada, não queria morrer, mas sim afastar-me daquele grupo, fazer um tratamento para me livrar do vício. Foi uma agonia esperar a morte. Senti-me dormir e desencarnei. Fui socorrida, vim para cá e me recuperei, como queria. Meus pais levaram um susto ao saber que desencarnei e que era viciada. Meu pai separou-se de minha mãe, conseguiu a guarda de minha irmã, com medo de que ela fizesse com minha irmãzinha o que fez comigo. Mamãe agora está sozinha e tem muito remorso. Só que não a culpo. Ela queria que eu fosse modelo, trabalhasse honestamente, mas fui imprudente, não escolhendo um lugar decente.

Monique falou bastante de sua infância, da irmã que também era muito bonita; sentiu-se aliviada por ter nos contado o que lhe aconteceu. Agradeceu-nos por a termos escutado, despediu-se e foi para seu quarto. Ulisses e eu continuamos sentados.

- Ela arriscou a vida para alertar outras jovens! - exclamei.

- Por isso que ela foi socorrida assim que seu invólucro físico morreu. Impediu que outras garotas se envolvessem com as drogas e a prostituição e também teve esse auxílio por que queria largar o vício - falou meu colega.

Marina aproximou-se e sentou no banco ao nosso lado.

- E aí garotos, que estão achando dos nossos queridos recuperados?

- Acabamos de ouvir Monique - respondeu Ulisses. Estou chateado! Que coisa! Será que ninguém fará nada para conter as drogas? Será que Deus não nos mandará pessoas que irão corrigir essa barbaridade? Que trabalhem para isso

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O difícil caminho das drogas

com mais resultados? Os traficantes agem como se Deus não existisse ou como se não estivessem na Sua presença. Marina respondeu calmamente elucidando-nos:

- Meu jovem, em muitas circunstâncias podemos questionar, como você está fazendo agora. Quando fui pela primeira vez ao umbral, fiquei muito triste. Compreendi que a Zona umbralina só existe porque tem quem a habite. E que lá a permanência é temporária. E que temos nas religiões na Terra os ensinamentos para sermos bons e evitarmos o mal. E que cabia a mim, só a mim, fazer alguma coisa. não poderia socorrer, ajudar todos, mas o pouco que conseguisse fazer, um ou dois que auxiliasse, faria diferença para estes. Que adianta pedir para outros fazerem? Faça você algo! E foi pensando assim que resolvi ajudar os toxicômanos desencarnados. Temos abrigados neste hospital uma pequena porcentagem, mas sempre penso que para os que foram socorridos aqui essa ajuda foi benéfica. Só reclamar, criticar, não leva a nada, e querer, exigir que outra pessoa realize algo, é comodismo. Faça você, por pouco que seja. Se ajudar uma pessoa, você concedeu a esta o auxílio que a modificou, que a tirou das dificuldades. Sabemos que, pela ganância de muitos, os tóxicos estão se expandindo. Mas há quem faz uso deles, os imprudentes que não escutam, que não atendem e não querem compreender que as drogas são veneno. Esse tráfico só existe porque há quem as consome. Não exija de outros o que você pode, e deve fazer.

Marina fez uma pausa, olhou-nos com carinho e continuou a nos esclarecer:

- Ulisses, a presença de Deus é a mesma em todos nós. O que faz com que a presença do nosso Pai Criador transpareça com mais beleza e eficiência, ou então, em pobreza e negatividade, é o esforço que cada um faz para mais ou para menos. Exemplo de que não há preferência de Deus em seus filhos é só observarmos lâmpadas e motores elétricos do plano físico, todos recebem da usina a mesma energia e cada um a manifesta de acordo com seu potencial atualizado. No homem, a Divindade deu a oportunidade de cada um realizar algo pelo seu próprio esforço. Portanto, podemos amenizar o sofrimento alheio, mas não temos a possibilidade de mudar o indivíduo; essa mudança

só acontecerá se ele cansar de seus vícios e defeitos, e a dor é um instrumento que cansa demais. Prudentes são os que em todos os momentos e situações agem cientes da presença de Deus!

Compreendemos agradecidos a lição recebida. Ulisses suspirou e falou emocionado:

- Obrigado!

Ficamos o dia todo no jardim conversando com os abrigados que estavam melhor. Escutá-los é uma terapia para eles. Terminado nosso turno, Maria Laura nos acompanhou até o alojamento. Edu ficou por mais tempo. Teria de ficar por mais duas horas para cuidar de Lauro no hospital.

Conversamos um pouco e fomos descansar. Fiquei pensando no que Marina tinha nos dito. Lembrei-me de minha avó. Ela estava sempre rezando, pedindo a Deus operários para sua messe. Lembro-me de que uma vez meu pai perguntou a ela: ”Mamãe, a senhora ora tanto a Deus que mande trabalhadores para a messe, mas por que a senhora não faz alguma coisa de bom em vez de orar tanto?” Vovó respondeu: ”Como eu? Não sou capaz! Operário do Criador tem de ser alguém especial!” Certamente vovó se julgava incapaz, mas muitas pessoas como ela acham mais fácil pedir para que outros façam. Compreendi que, se cada um fizesse um pouquinho, este pouco se tornaria suficiente. E que infelizmente é mais cômodo querer que outros façam. Somos capazes de conceder uma pequena ajuda. Todos nós devemos ser servos e fazer além do que nos foi ordenado. Não deixem a nossa capacidade de ser útil sem uso. Tudo o que não é utilizado estraga, enferruja, e quando temos algo em nós estragado isso nos causa sofrimento. Sei que muitas pessoas nem servos são ainda, só querem ser servidos, e quem é servido é necessitado. Outros são servos, mas fazem só o que é sua obrigação. Mas Deus quer mais de nós, que sejamos bons servos em tempos propícios e não-propícios. Sejamos sempre úteis, e quem não sabe ser deve aprender. Quem procura acha um modo de fazer o bem. E quem faz não tem tempo para criticar. Se não cabe a nós no momento corrigir, ensinar, então não devemos nos importar com a maneira de o outro trabalhar. Lembrei-me de uma frase importante para mim: ”Que importa os outros, siga você Jesus! Ou faça você algo útil!”

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No segundo dia, entramos nas enfermarias. É grande essa parte do hospital. Infelizmente, são muitos os que desencarnam dependentes. Os tóxicos são veneno mesmo! Acabam com o físico e prejudicam muito a vestimenta espiritual. Vimos os cinco que socorremos; cuidamos deles e conversamos com eles. Vimos também o que havia sido orientado na sessão de desobsessão no centro espírita; ele continuava com o seu perispírito, como lhe havia sido recomendado. Só que não se consegue ficar livre de atos imprudentes. Ele sofria com o remorso, lamentava ter se envolvido com as drogas. Tinha um medo terrível dos tóxicos. Às vezes perturbava-se e não sabia quem era. com passes e tratamento, melhorava. Ia demorar meses para se sentir recuperado.

As enfermarias são muito organizadas, arejadas, umas com mais leitos que as outras. Na maioria, têm quadros lindos nas paredes e flores pelas mesas.

No quarto dia, ao entrarmos num dos quartos com oito leitos, um interno falava sem parar. Maria Laura nos chamou para observar esse jovem e tentar orientá-lo. Quando percebeu que íamos escutá-lo, ele disse com mais calma:

-Ajudem-me! Vocês são boas pessoas! Certamente podem muito perante Deus. Peçam a Ele que me auxilie!

- Podemos nós mesmos ajudá-lo. Deus, nosso Pai, deixa que um filho Dele auxilie outro. Diga-nos o que quer - falei.

- Fui imprudente! Vivia reclamando e me envolvi com as drogas e vim a morrer, ou seja, desencarnei por elas. O tóxico me matou! Agora entendo o quanto gostava da vida que tinha. Arrependo-me e quero voltar à Terra. Estar encarnado!

- Quando você estiver bem, poderá pedir para reencarnar

- falou Larissa.

- Não! Quero voltar no meu corpo, na minha casa, com meus pais. Assim eles não sofrerão mais por mim. Eu prometo fazer tudo certinho. Ficarei longe das drogas - disse ele.

- Meu jovem - disse Maria Laura - isso é impossível! Seu corpo material já se decompôs, voltou à natureza. Você não poderá, pelo remorso, apagar os acontecimentos, mudar os fatos. Seu arrependimento deve lhe dar forças para se modificar, aproveitar a oportunidade que está tendo aqui e aprender a ser útil para progredir. É esse auxílio que necessita, que temos para lhe dar.

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- Vocês não poderão me ajudar? - perguntou ele, suspirando tristemente.

- Como não? Está recebendo o melhor auxílio que é possível - falou Ulisses.

- Às vezes não pensamos nas conseqüências dos nossos atos imprudentes, no que eles nos causam, nas reações a ações inconseqüentes - disse Ricardo.

- Você tem razão - disse ele. - Sofri, sofro e, pior, fiz padecer os que me amavam. Que tristeza! Não quero isso! Queria estar encarnado, dormindo no meu quarto, junto de meus pais. Sinto falta até das broncas de minha mãe. Queria tanto estar encarnado!

Chorou, e tentamos consolá-lo. Ele sofria; o arrependimento é uma dor muito grande. Saímos da enfermaria, e no corredor Carla perguntou à nossa instrutora.

- Maria Laura, por que esse abrigado sente-se assim?

- O que se passa com esse jovem acontece com muitos outros que abusaram do físico e desencarnaram antes do previsto. Esse moço ia ficar muitos anos encarnado, fez sua mudança de plano por imprudência e sente muita falta de tudo o que desfrutava. Muitos suicidas sentem um grande desespero por isso. Só que eles terão de aprender a viver sem o invólucro material e aqui no plano espiritual.

- Tomara que eles aprendam a dar valor a todas as faces da vida, a encarnada e a desencarnada - disse Ricardo.

- Quem não aprende pelo amor, o faz pela dor - disse Ulisses.

- Como um ato impensado causa sofrimentos! - exclamou Larissa.

- Esse jovem tinha tudo para estar bem, encarnado. Família, corpo sadio, inteligência, mas, imprudente, se envolveu com tóxicos e destruiu tudo - opinou Edu.

- Ainda bem que temos sempre novas oportunidades falei.

- Mas às vezes não será como antes. Quem abusou de um corpo sadio poderá reencarnar num deficiente, quem não deu valor à família poderá renascer na Terra sem uma - disse Carla.

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- Isso dependerá muito de cada um - explicou Maria Laura.

- Esse jovem irá demorar para reencarnar. Terá oportunidade de aprender muito por aqui. Agora vamos continuar com nossas visitas.

As enfermarias onde estão os que mais exigem cuidados têm muitos leitos. É um local onde é preciso se esforçar para não ficar triste. Muitos dos internos têm crises por falta das drogas, outros têm pesadelos horríveis. A maioria não consegue sequer sair dos leitos e tem os reflexos do corpo físico muito fortes. E a recuperação depende de vários fatores, principalmente da vontade deles; uns o fazem rápido, outros demoram mais.

Foi muito proveitoso para nós esse estágio nessa parte do hospital.

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quinze

Ficávamos dezoito horas diárias no hospital e tínhamos livres as outras, que passávamos juntos, comentando sobre o que tínhamos visto e descansando. Edu ficava trabalhando por mais duas horas; quando se reunia a nós, estava quieto e cansado.

Os sete dias passaram rápido e chegou o término desse estudo. Fomos para uma das salas de reunião na parte da frente do hospital para encontrar com Maria Laura; Edu não estava conosco.

- Maria Laura está atrasada! - exclamou Ricardo. Nisso vimos na lousa da sala um recado de nossa instrutora dizendo que ia se atrasar vinte minutos e fizéssemos o favor de esperá-la. Ficamos conversando. Eu ia me separar do grupo, como também alguns deles. Ulisses ia estudar na colônia de estudo; queria fazer medicina e um dia trabalhar com Maria Laura com toxicômanos. Larissa ia voltar à escola, e o restante continuaria um estudo complementar sobre o plano espiritual.

- Que você irá fazer Rosângela? - perguntou Carla.

- vou para a Casa do Escritor; trabalho atualmente com a literatura edificante - respondi.

Maria Laura e Edu chegaram. Nossa instrutora pediu desculpas pelo atraso, e Edu explicou:

- Fomos levar Lauro para o abrigo da chácara, para junto do Grupo Esperança. Tive uma grande lição! Só devemos ficar responsável por alguém quando temos certeza de que daremos conta da tarefa. Achei que Lauro iria querer o que tínhamos para oferecer, que era só uma questão de oportunidade. Trouxe-o

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O difícil caminho das drogas

para o hospital, trabalhei mais por isso e teria feito mais ainda se tivesse obtido resultados. Só que ele reclamava de tudo o tempo todo. Exigia e, quando eu não podia realizar o que ele queria, falava o que eu tinha de fazer, já que o trouxera para cá. Passou a agir como se fosse eu que recebesse um favor, e não ele, e como se eu tivesse obrigação para com sua pessoa. Queria ser servido, e bem servido. Era inconveniente com os outros trabalhadores do hospital. Achei que em sete dias ele teria se adaptado, pensei até em adiar meus estudos e ficar mais tempo aqui, porém deduzi que não ia adiantar. Maria Laura e eu decidimos conversar com Lauro explicando a situação, e ele nos disse: ”não pedi para vir para este lugar chato! Você que me trouxe e agora quer me deixar aqui?” Resolvemos levá-lo para a chácara.

- Lá - disse Maria Laura -, ele ficará se quiser. Talvez, sentindo essa responsabilidade, ele fique e dê valor. Senão, poderá sair e voltar para junto das companhias antigas. Saberá, porém, que existe outra forma de viver. Espero que, ao não ter ninguém em especial para se preocupar com ele, Lauro fique mais maduro e se esforce para fazer o melhor para si mesmo. Estou me lembrando agora, meus jovens aprendizes, de uma tia minha. Ela era uma pessoa simples e dinâmica. Dizia sempre para nós, seus sobrinhos: ”A ajuda que fazemos ao próximo tem de ser na medida certa de sua necessidade. O auxílio deve ser como a água que temos, e devemos doá-la conforme o recipiente do pedinte. Se a pessoa necessitar de um copo, devemos doar um copo. E, prestemos atenção, se temos água para doar e o necessitado não a quer, não devemos dar, porque ele não lhe dará valor, não está com o recipiente preparado para recebê-la. E, se temos a água é porque trabalhamos para isso, e o outro quase sempre poderia obtê-la com o trabalho, mas às vezes, acha mais fácil pedir. E quando damos, não devemos dar a mais, porque esse excesso pode ser desperdiçado. E muito importante ensinar a quem pede, a pegar água para si, Para sua necessidade, como também orientar quem a recebe a dar valor a isso e a ser grato. Devemos ficar atentos para que os que recebem não fiquem acostumados, porque há momentos Para receber e outros para doar.

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- Maria Laura, seu trabalho é ser instrutora neste estudo?

- perguntou Carla.

- Recebo sempre grupos de estudo; depois de amanhã receberei uma equipe de cinco adultos que querem conhecer mais sobre este assunto. Faço sozinha alguns socorros mais difíceis e trabalho muito no hospital. Estou contente com os resultados obtidos - respondeu nossa instrutora.

- Espero que todos os que estão abrigados no hospital saibam dar valor a esse abnegado trabalho - expressou Larissa.

- É isto o que queremos, que todos se recuperem, melhorem, e que tenham um propósito de servir, ser úteis. Mas agora quero ouvir a opinião de vocês sobre este estudo. Comece você, Rosângela - pediu Maria Laura.

Não me fiz de rogada e dei minha opinião:

- Gostei muito deste curso, penalizei-me com os sofrimentos que os tóxicos causam, mas tranqüilizei-me em saber que muitos encarnados e desencarnados estão empenhados em ajudar os que por imprudência se envolvem com as drogas. Fiquei impressionada com a coragem de Isabela, que disse não às drogas. E, por isso, se afastou do namorado, das amigas. ”Estou fora”, disse ela, e foi uma atitude sábia, que evitará para ela própria muitos sofrimentos. Se ela fez isso, outros poderão fazer. É só ser corajoso! E se amar, e querer o melhor para si mesmo. Fiquei fã dessa garota! Nas minhas folgas vou pedir para visitá-la, ajudá-la se for possível. Isabela será, sem dúvida, uma garota feliz! Para mim foi também muito importante o estudo teórico dado pelo professor Gabriel; ele falou bastante das inúmeras causas que levam o indivíduo ao vício. Disse que todos nós já tivemos muitas encarnações e que há espíritos que se saturaram de prazeres nessas reencarnações, se exaurindo, e ao ter novamente a oportunidade de estar no invólucro físico já o fazem saturados, porque uma existência voltada só para o prazer traz insatisfação e um vazio dolorido. E, para preencher esse vazio, alguns apelam para a distração, que muitos encontram no álcool e nas drogas. Poderiam voltar-se para o bem, dedicar-se e ser úteis, mas, acostumados a facilidades, se envolvem com vícios. Para um boa parte dos dependentes, os tóxicos preenchem esse

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vazio, essa insatisfação. Outras pessoas buscam as drogas para fugir, não têm coragem de enfrentar a realidade da competição que existe no plano material. Outros sonham e não conseguem realizar esses sonhos, desejos, e acabam se envolvendo no mundo das drogas. E, ainda, há os que não têm coragem de dizer não; são os medrosos, inseguros, e acabam por entrar nessa bobeira que só traz sofrimentos. Ulisses falou:

- Fiquei muito contente por conhecer mais sobre esse assunto, queria ter feito este curso com mais tempo. Concordo com Rosângela, há pessoas que buscam uma satisfação interior e acabam confundindo-a com as ilusões materiais. Em vez de buscar a realização no trabalho edificante, no conhecimento pelo estudo ou na religião, os imprudentes buscam coisas nocivas. Acho que muitos jovens insatisfeitos buscam nos tóxicos um refúgio e se dão mal. Se todos nós fizéssemos um pequeno ato para ajudar nesse campo, os resultados seriam maiores. Compreendi que temos o nosso livre-arbítrio e que muitos não sabem usar essa liberdade e acabam prisioneiros dos vícios. Drogas, usa quem quer. Só que não podemos fugir das responsabilidades dos nossos atos. Maria Laura, não vimos nas nossas excursões os que foram traficantes. Que acontece com eles aqui no plano espiritual?

- Cada caso é um caso - respondeu Maria Laura. - Essa frase é muito dita aqui no plano espiritual por acontecer realmente isso. Se a pessoa que traficou se arrependeu, se o arrependimento for sincero, pode haver o socorro, e ela, abrigada, aprenderá e terá oportunidade de reparar seus erros. Se não se arrependeu, poderá ao desencarnar ir ter com afins, ser um morador do umbral, continuar por um tempo cometendo erros e maldades. Ou inimigos dele podem pegá-lo para uma vingança. Tenho visto desencarnados que traficaram sofrerem muito pela Zona ümbralina. *O tráfico é um erro em que se prejudicam muitas pessoas. E, quando se é causa de sofrimentos de alguém, a ação é grave e o retorno, doloroso. não fica impune quem prejudica os outros, e a droga causa danos, trazendo muita dor. E, como todas as ações erradas, um dia teremos de resgatar isso,

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seja reparando-as, anulando-as pelo trabalho no bem ou pelo sofrimento. O traficante padece muito!

- Fala-se muito que usuários sofrem preconceitos, mas não vi isso - expressou Ricardo.

- Claro que há! - exclamou Larissa.

- Não devemos confundir preconceito com prudência disse Edu. -Muitas vezes os pais não deixam os filhos ter amigos usuários de drogas com medo de que eles possam se tornar também, e impedem ou são contra namoros pelo mesmo motivo. E às vezes é o próprio jovem que não quer amizade com um dependente por não se afinar com seu modo de ser. Vimos que a maioria dos dependentes tem envolvimento com pessoas e situações perigosas e tem atitudes imprudentes que não são do agrado dos que não querem usar tóxicos. Agora, aqui no plano espiritual, sinto-me quase pronto para conviver com toxicômanos e ajudá-los. Quando encarnado não queria essa convivência, tinha até medo deles. Não era preconceito, é que não gostava das atitudes deles, não me afinava mesmo com nada do que faziam.

- E muitas vezes sofre discriminação quem não quer experimentar drogas - opinou Ulisses. - Quando encarnado, estudava e trabalhava, como já lhes falei. Morava num bairro de classe média. Havia uma turminha na minha rua que pensava diferente de mim, achava que eu era careta, certinho demais; onde eles me viam, me ofendiam. Sofri com o preconceito! Alguns deles começaram a usar drogas e fizeram pressão sobre os outros; quase toda a turma tornou-se dependente. Chegaram até a ameaçar me bater, eu tinha de levantar mais cedo para ir ao trabalho, e muitas vezes minha mãe me buscou na saída da escola. Alguns dos meninos da turma se envolveram com tóxicos por não ter coragem de dizer não. Existe preconceito de usuários contra os que não querem se drogar. Vimos a Mariana, a que queria namorar um moço que só a namoraria se ela se drogasse. E Isabela, que o namorado e os amigos a pressionaram, a trataram com desprezo; ela sofreu discriminação. Isabela agiu com prudência e não com preconceito.

- Às vezes, a prudência é exagerada e passa a ser preconceito - expressou Maria Laura. - É perigoso querer ajudar sem

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saber, sem ter preparo para isso e muitas vezes, ao auxiliar, a pessoa pode acabar por se envolver. Muitos pais temem isso. Os tóxicos, e também o álcool, atingem, nos usuários, algo muito importante: a liberdade de pensar, de tomar decisões. Tornar-se dependente de algo é privar-se de ser livre. Quando necessitamos de alguma coisa, e não podemos ficar sem elas, somos dependentes, escravos. Se o indivíduo quer se libertar, se está realmente tentando, precisa de apoio, e aí muitas vezes sofre o preconceito. Às vezes ele recebe o rótulo de viciado, dependente, usuário, privando-se de oportunidades da boa amizade, de um emprego. E muitos, sentindo-se excluídos, não conseguem ter auto-estima e voltam às drogas. Eu, quando encarnada, estava segura para lidar com qualquer usuário, mas não sentia isso em relação aos meus filhos; por serem eles jovens e sem experiência, achava que não teriam firmeza para conviver com um usuário e não se envolver. Proibia qualquer aproximação entre eles e um viciado, mas teria deixado se fosse um ex-dependente. Devemos dar sempre apoio aos que querem se regenerar. Não se deve ter preconceito contra os que abandonaram um vício.

- Posso agora dar a minha opinião sobre este estudo? perguntou Ricardo. com o consentimento da nossa instrutora, ele continuou: - Eu gostava de estudar e acho fabuloso poder continuar aprendendo aqui no plano espiritual. Sempre me entristeci com as dificuldades que as drogas causam, porque têm problemas quem as usa e seus familiares. Os garotos que vivem nas ruas muitas vezes não têm família, mas dão problemas aos outros, causando sofrimentos, porque muitos, para obter as drogas, roubam, assassinam. É bem mais triste ver que esses padecimentos aumentam nos que têm o corpo físico morto. Dá muita pena ver aqui no plano espiritual os desencarnados que foram usuários. E bem certa esta famosa frase: ”É melhor prevenir que remediar”. E melhor não se envolver com os tóxicos, pois é bem mais fácil prevenir que deixá-los. Por isso, se eu pudesse falar, talvez um dia poderei, e aí direi a todos: ”Não se envolva com tóxicos! Drogas, estou fora! Não se prejudique! Viva a vida com alegria e longe das drogas! Estar encarnado é uma bênção.

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Ame-se e não queira sofrer!” São frases muito faladas, sei disso, e são sábias. Acho seu trabalho, Maria Laura, muito proveitoso, admiro você e todos os que auxiliam o próximo. Muito obrigado a você, e também agradeço aos meus colegas de curso. Foi muito bom conhecê-los e aprender trabalhando.

- O prazer foi meu, por estar com vocês. Dê a sua opinião Carla - pediu nossa instrutora.

- Eu tinha muita curiosidade de conhecer mais sobre os tóxicos. Ficava imaginando o que acontecia com os dependentes quando estes desencarnavam. Agora que vi alguns, cheguei à conclusão de que sofrem mais. A grande justiça divina é que o término desse sofrimento depende muito deles mesmos. Percebi também que orações pelos que sofrem os ajudam muito e que pedidos de auxílio não ficam sem respostas. Os afetos desses desencarnados, que se preocupam e pedem por eles, têm você, Maria Laura, e muitos outros, que vão até o alvo do pedido e tentam ajudar. Entendi por que muitos não podem ser socorridos, mas foram visitados e serão novamente até que um dia terão o socorro. A primeira vez que fui ao umbral, vi uma moça que repetia: ”Tenho de pedir socorro, tenho de pedir perdão! vou aceitar o que bons amigos têm para me oferecer. vou ser grata!” Foi socorrida e nosso instrutor nos explicou que ela repetia o que a mãe em oração lhe recomendava. Meus pais também me mandavam recados quando fiz a minha mudança de plano, eles tinham certeza de que estava bem e recebia as preces: ”Carla, minha filhinha, fique bem! Seja feliz! Conheça os lugares bonitos por aí! Não se preocupe conosco; embora saudosos, nós a amamos e queremos que fique bem!” Meus genitores ganharam de presente o livro da Patrícia Violetas na janela9 e tentaram fazer o que os pais dela fizeram. Isso foi maravilhoso! Ajudou-me muito. Obedeci e aqui estou, aprendendo e, melhor, sendo útil. Conclui que afetos auxiliam muito!

- Você gostou do nosso estudo? - perguntou Maria Laura.

9 - Violetas na Janela. Psicografado por Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho pelo espírito Patrícia. Petit Editora. (N.A.E.)

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- Muito, muito e muito! - exclamou Carla.

- Eu também gostei bastante! - exclamou Larissa. - Embora tenha ficado com medo em certos momentos. Não acho agradável ver desencarnados maldosos. Quero e vou superar isso! Sei que eles são meus irmãos, e orientá-los é muita caridade. Entristeci-me ao ver desencarnados deformados, transformados; isso, por terem prejudicado muito o físico, terem abusado do livre-arbítrio. E os tóxicos deformam. Mas ficar com dó e não fazer nada é infrutífero; por isso gosto do estudo aqui: a prática reforça o que se aprende. E mais do que nunca se faz necessário deixar de ser servido para ser servidor. Fazer, em vez de só querer receber. E que esse fazer não seja para o futuro, e sim para agora, no momento presente. O pouco que se faz é o necessário para quem recebe. Se você receber de alguém, siga o exemplo do benfeitor, faça algo de bom a outro, porque o melhor ensinamento, o bem maior que recebemos de um benfeitor, é seu exemplo!

- Muito bom! Falou e disse! - exclamou Ricardo.

- Falta eu! - expressou Edu. - Também quero dar minha opinião. A maior lição que recebi neste estudo é que não devemos dar trabalho para os outros. Quando quisermos ajudar, façamos nós mesmos! Eu fiquei com dó de uma pessoa e a trouxe para o hospital. Está certo que me dediquei, mas quis que outros fizessem por mim. E tenho notado que esse fato acontece muito. O certo é você fazer; se não sabe, aprenda. Faça você! Amei estar com vocês, alegro-me em ver que são muitos os dependentes que se recuperam. Chorei de emoção ao assistir a um encontro da Irmandade dos Narcóticos Anônimos. A fraternidade de um auxiliando o outro e, juntos, vencendo, üm dia sem drogas! Como isso é importante! Só por hoje! E vão passando os dias, as semanas, os meses e pronto: está recuperado! E muito gratificante para eles se esforçar e se recuperar. Porém é bem melhor não se envolver. Dizer não às drogas é dizer não ao sofrimento, a muitas dificuldades! E acredito que essas campanhas que os encarnados fazem terão resultados. Ame-se e não se drogue!

Emocionamo-nos na despedida, abraçando-nos com carinho. Voltei aos meus afazeres *corn novos conceitos e com muita vontade de fazer algo para ajudar os dependentes químicos.

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Alertar os jovens encarnados para que digam, quando convidados a experimentar tóxicos: ”Drogas, estou fora!” E nunca vou me esquecer das últimas palavras de Maria Laura para nós, de sua derradeira orientação:

”Passem estes conhecimentos a outros e ajudem como foram ajudados. Façam em vez de receber, pois é fazendo que podemos dizer um dia: ’Fiz, aprendi a amar realizando o bem!’”

Ao terminar a leitura deste livro, provavelmente você tenha ficado com algumas dúvidas e perguntas a fazer, o que é um born sinal. Sinal de que está em busca de explicações para a vida. Todas as respostas que você precisa estão nas Obras Básicas de Allan Kardec.

Se você gostou deste livro, o que acha de fazer com que outras pessoas venham a conhecê-lo também? Poderia comentá-lo com aquelas do seu relacionamento, dar de presente a alguém que talvez esteja precisando ou até mesmo emprestar àquele que não tem condições de comprá-lo. O importante é a divulgação da boa leitura, principalmente a literatura espírita. Entre nessa corrente!

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Conheça um trecho do magnífico livro

Aborrecente, não. Sou adolescente!

Romance espírita de Rosângela Psicografado por Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

O mundo dos adolescentes, seus desejos e ambições. Suas dúvidas, anseios e ilusões. Uma narrativa envolvente e reveladora, excelente para os jovens porque sugere novos caminhos para encontrar a realização pessoal e respostas para questões conflitantes, próprias dessa idade. Para os pais e mestres, é leitura oportuna, que os auxilia a entender melhor a juventude.

-Vocês estão sendo desagradáveis. Não me aborreçam! Não vou incomodá-las *corn a fumaça. Fumo e pronto! Ninguém tem nada *corn isso. - Sara se levantou e saiu.

- Sara ficou brava. Acho que não deveríamos ter dito nada

- lamentou Mariana.

- Por que não devemos falar o que pensamos? Não queríamos ofendê-la. Pelo menos a alertamos. Mamãe me deu para ler uma pesquisa que saiu no jornal, dizendo que o fumo faz muito mal aos jovens e quem começa a fumar corn pouca idade sofre mais doenças quando adulto. E se vicia mais na adolescência - falou Camila.

- São bem babacas as propagandas mostrando pessoas fazendo proezas em lugares lindos e fumando. Deveriam mostrar hospitais *corn pessoas que ficaram doentes por causa do fumo - disse Raquel.

- Aí ninguém fumaria - Mirella falou, rindo.

- Seria uma propaganda real - falou Mariana.

- Minha mãe é dentista e no mês passado atendeu um senhor que se queixou de dor nos dentes. Ela detectou um tumor, aconselhou-o a ir ao médico e não deu outra: câncer na boca

- falou Mirella.

- Ele fumava? - indagou Mariana.

- Ainda fuma. Mesmo correndo risco de vida, diz que não consegue largar o cigarro - suspirou Mirella.

- Nosso professor de história tem os dentes muito feios, são amarelados pela fumaça do cigarro. Ele fuma muito. Não gosto de chegar perto dele, o cheiro é forte e desagradável. Imagine como está o pulmão dele, se os dentes ele lava, escova, e o pulmão não! - comentou Raquel.

- E ele deve saber disso, se viciou e não consegue largar, não tem força de vontade - falou Mariana.

- Deve ser mesmo difícil largar, então o melhor é não começar! Sabendo disso, eu vou ficar longe do cigarro afirmou Camila.

*O intervalo terminou e voltaram às aulas.

Lúcia comentou que Sônia conseguiu um emprego, lhe pagou a metade da dívida. Agora sim, trocariam de carro *por outro mais novo. Animados, falaram sobre isso por horas, alegres, dando palpites. É tão gostoso fazer planos!

Lúcia deu aos filhos um livro sobre educação sexual. Ela comprou, leu, pediu aos filhos que lessem e perguntassem se tivessem dúvidas. Camila e Leonardo leram e tiveram poucas perguntas. Lúcia, como a maioria dos pais, se sentiu acanhada para falar *corn os filhos sobre sexo, preferiu dar o livro. ,. ,. *^f-r;

- Mamãe, posso emprestá-lo às minhas amigas?

Você gostou deste trecho? Então não deixe de ler este belíssimo romance!


Rosângela

A escritora dos jovens

Aborrecente, não. Sou adolescente!

Neste livro os assuntos como vícios, dificuldades de relacionamento, violência e namoro são tratados *corn profundidade e sutileza, criando uma história instigante e envolvente. Acompanhando o livro, uma carteia de splashteen auto-adesiva.

Nós, os jovens

Amizade, namoro e vícios são abordados de forma franca e objetiva. Este livro faz refletir sobre os diversos caminhos que a vida oferece e a importância das escolhas. Acompanhando o livro, oito belíssimos papéis de carta.

*O difícil caminho das drogas

Esta é uma obra inovadora e esclarecedora. Os relatos emocionantes das experiências de drogados espirituais nos levam à reflexão sobre as conseqüências do seu uso. Um livro para ser lido por todos que buscam construir um mundo melhor.

Ser ou não ser adulto

Fabrício descobre-se frente a frente *corn a realidade de ser adulto aos dezesete anos, levando o jovem leitor a se questionar: Como encarar esses problemas? Como superá-los?

*O velho do livro

Uma história juvenil, emocionante e criativa que, certamente, agradará seu filho, sua filha, seus sobrinhos e seus netos. Acompanhando o livro, uma carteia de splashteen auto-adesiva. Indicado para crianças a partir dos 10 anos. *___„„_-