A CAMINHO DO CÉU
OSVALDO POLIDORO
D E U S
Eu Sou a Essência Absoluta, Sou Arquinatural,
Onisciente e Onipresente, Sou a Mente Universal,
Sou a Causa Originária, Sou o Pai Onipotente,
Sou Distinto e Sou o Todo, Eu Sou Ambivalente.
Estou Fora e Dentro, Estou em Cima e em Baixo,
Eu Sou o Todo e a Parte, Eu é que a tudo enfaixo,
Sendo a Divina Essência, Me Revelo também Criação,
E Respiro na Minha Obra, sendo o Todo e a Fração.
Estou em vossas profundezas, sempre a vos Manter,
Pois Sou a vossa Existência, a vossa Razão de Ser,
E Falo no vosso íntimo, e também no vosso exterior,
Estou no cérebro e no coração, porque Sou o Senhor.
Vinde pois a Meu Templo, retornai portanto a Mim,
Estou em vós e no Infinito, Sou Princípio e Sou Fim,
De Minha Mente sois filhos, vós sereis sempre deuses,
E, marchando para a Verdade, ruireis as vossas cruzes.
Não vos entregueis a mistérios, enigmas e rituais,
Eu Quero Verdade e Virtude, nada de “ismos” que tais,
Que de Mim partem as Leis, e, quando nelas crescerdes,
Em Meus Fatos crescereis, para Minhas Glórias terdes.
Eu não Venho e não Vou, Eu sou o Eterno e o Presente,
Sempre Fui e Serei, em vós, a Essência Divina Patente,
A vossa presença é em Mim, e Quero-a plena e crescida,
Acima de simulacros, glorificando em Mim a Eterna Vida.
Abandonando os atrasados e mórbidos encaminhamentos,
Que lembram tempos idólatras e paganismos poeirentos,
Buscai a Mim no Templo Interior, em Virtude e Verdade,
E unidos a Mim tereis, em Mim, a Glória e a Liberdade.
Sempre Fui, Sou e Serei em vós a Fonte de Clemência,
Aguardando a vossa Santidade, na Integral Consciência,
Pois não quero formas e babugens, mas filhos conscientes,
Filhos colaboradores Meus, pela União de Nossas Mentes.
AGRADECIMENTOS
A 1ª edição desta obra ocorreu no ano de 1950, através da Livraria Allan Kardec Editora.
Parte dela foi entregue à Livraria do Abrigo Batuira – instituição assistencial – para ser vendida a bem do mesmo.
Como foi financiada por um particular amigo, eis o que o autor escreveu logo no início:
“Ao prezado amigo AMÂNCIO DE SIQUEIRA CAMPOS, nossos agradecimentos”.
O.P.
INTRODUÇÃO
A VERDADE é em si por demais infinita em profundidade, para que a mente humana a possa tragar, de uma vez. Suas manifestações são múltiplas, suas nuances de tal modo amplas, seus tons perdem-se na amplidão fenomênica, que o raciocínio humano atordoa-se aos primeiros vislumbres prurídicos. Porém, amigos, jamais deixeis de lado o sentido racional da vida, para que o senso de lógica, o poder disciplinante, a virtude discernitiva, intervenham sempre em vosso favor, com seu imenso poderio de forças ponderáveis. A razão humana é um sentido da Sabedoria Divina. Aqueles que, pensando ser mais espiritualistas, depõem contra o exercício da razão, por julgar seja a razão humana falha em capacidade objetiva, com relação às coisas do espírito ou transcendentes, esses mesmos estão tremendamente errados.
O homem não é apenas uma centelha emanada de Deus, isto é, da Essência Primeira do Universo; o homem é, antes de tudo, alguém que tem por direito natural o poder ingênito de auto-edificação hierárquica. O direito de auto-organização, em moral e sabedoria, é o maior direito do homem, é a sua máxima glória. E jamais poderia lançar-se à faina redentora, sem o concurso da razão. Nos planos inferiores, sim, o instinto manda; mas no reino hominal faz-se preciso a razão. E depois, pelo amadurecimento desta ou por seu desenvolvimento, a intuição do mais se encarrega, por ser das faculdades a mais sublime, por ser aquela que facilita ao homem o poder, vibratoriamente, em alto sentido de vida, confinar com a Divindade, que é no profundo do Ego, o seu alicerce.
Sem o concurso da razão, porém, como avançar?
Já tive a inoportuna idéia de repelir, em mim mesmo, o dever de respeito a essa enlevante faculdade. Pensei estar sendo mais e melhor, por entregar-me cegamente a um sentido místico de fé, de crença, de religião. Dizia para mim que tudo é por si mesmo no Universo, isto é, como quer Deus que seja, em nada importando a razão humana. Nunca me passaria então pela mente, que sendo eu um simples agente do mesmo Deus, cumpria-me saber bastante sobre tudo, sobre mim e o Universo, para em bem sabendo mais poder ser útil. Julgava tudo pelo que é em gênese, em natureza divinal, esquecendo que, pela Vontade de Deus, que são as leis regentes, nada deixa de ser parte e relação, consistindo isso em deveres de movimentação inteligente na ordem cósmica. Misticismo piegas é crime! Eis a dura verdade.
Deus não está longe, está no íntimo de tudo e de todos. Cumpre, pois, a cada um que intervenha na ordem de movimentação, com seu contingente de poder individual. Há que movimentar! Há que corresponder ao plano do Senhor, no âmbito das leis de relação. E como fazê-lo, dispensando o sentido da razão?
Se a chamada Criação é manifestação para nós tangível do próprio Deus, da Essência Primária, sendo nós emanação, por certo que dispomos de elementos básicos e capacidade, para também elaborar, movimentar, dispor, como agentes vivos e inteligentizados, predispostos à cooperação na vastidão mecânica dos fluxos e refluxos da vida. Nada nos inibe de tais obrigações. Sem o concurso da razão, por sua vez, nada poderíamos realizar. Para julgar o que seja Deus, que é tudo o que há, no sentido Manifesto ou Imanifesto do que seja conhecido ou desconhecido, preciso se faz o concurso da razão. Atacar a razão humana, como é hábito de algumas pessoas, por julgá-la jungida aos preceitos e preconceitos humanos, às chaves escolásticas petrificadas, às regras já falhas, isso não se justifica, pois é essa mesma razão humana que, comportando em si elementos incontáveis de valor progressivo, mutável, terá que em si evolver, e, pela auto-evolução, conquistar píncaros de capacidade discernitiva.
Afirmar o sentido transcendente não basta para eliminar a necessidade do instrumento humano de investigação, que é o raciocínio, o uso da razão. Chegar a conceber o plano Imanifesto de Deus, em sua infinidade, em sua profundidade divinal, não constitui direito à negação do poder discernitivo, mesmo porque nós somos parte e relação dessa profundidade divinal, sendo a faculdade da razão, uma das mais salientes no quadro geral das ilimitadas faculdades de que somos senhores. Porque numa síntese consistimos em ser e faculdades; mas o despertar lento só nos permite alcançar o poder de síntese, por parcelas. Só há, pois, uma faculdade, uma unidade em geral; mas o desabrochar é por partes. E temos de respeitar os matizes e tons, quer por ser de lei, quer por necessidade indiscutível. Os êxtases espirituais, portanto, não têm por função depor contra o senso de razão. Quem à custa dessa lei, desse fenômeno, quer lançar-se contra o dever de exercício discernitivo contínuo, erra duplamente. Uma vez, por interpretação errônea de uma lei; e outra, por tentar a atrofia de sacratíssima faculdade. Dizer o que se repete, por aí, de boca cheia, que a intuição supre tudo, isso é tremendo erro de cálculo. Mesmo nas esferas superiores da vida, onde fácil se torna o poder catalítico mais intenso, e a conseqüente absorção da Verdade em sua Fonte de Origem, faz-se preciso o uso do discernimento, para efeito de aplicações. Encontrar os elementos é uma coisa; colocá-los em ordem é outra. Quanto mais se busca nas origens, tanto mais se encontra, mais puro, mais abundantemente. Mas, para aplicar tais elementos nos meandros complexos da variedade infinita de planos hierárquicos, isso demanda acurado estudo, quer com relação aos meios onde dever aplicá-los, quer relativamente aos seres em particular. Demais, amigos, tudo se aplica por cadeias de hierarquias. E o que em cima era geral, era simples, torna-se em baixo particular, específico, complexo. A nuvem não se desfaz em gotas e gotículas? Uma laranja, dada por um pai, para ser repartida entre cinco filhos, tendo ela por acaso nove gomos, não demanda fracionamento? E seria fácil de tudo dividi-la, com exatidão integral, encarando o problema das células? Pois assim mesmo se passa, amigos, entre conhecer, ter em mãos os elementos e distribuí-los convenientemente. Há que ponderar muito, sem dúvida. E sem o concurso da razão humana, dessa faculdade que precisa de contínuo progresso, como dar-se a essa desincumbência?
Que se compenetre, pois, o Ego, de que tudo no plano divinal é como é, com ou sem o beneplácito do homem; mas que se lembre, também, que o homem mesmo é funcionário do Senhor, cumprindo-lhe saber e aplicar os bens e as leis. E que à custa de beatismos piegas ou postiços, só ridículos se alcança. A razão humana é como a consciência humana - precisa ser cada vez mais bem-educada. Nunca, porém, negada ou atrofiada.
UMA VIDA POUCO APROVEITADA
Não vos estou falando por necessitar de espairecimento, muito menos por diletantismo, a levantar tese para efeito de discussão. Falo-vos, amigos, por ser essa a questão, uma daquelas que me fez perder bom tempo de conquistas relevantes. A encarnação só chega a ser compreendida, como força de lei e ao mesmo tempo facultativa, para efeito de aprendizados, por alcançar a moralização por elaborar internamente, depois do trespasse. Na carne, ou durante tal estágio, amigos, a encarnação tresanda a conceito qualquer, verdadeiro ou falso, realístico ou de fundo sectário, angélico ou diabólico, assim como se coloque o agente pensante, em ângulo mais ou menos vantajoso de observação. Para depois dessa senhora a que chamais morte, então, toma ela o seu aspecto grave, cristalino, de lei agente no concerto divinal da vida. E das coisas e dos seres, pois de tal modo os reinos e planos da vida se interpenetram, que, para efeito de tal execução, dificilmente se sabe quem mais se movimenta, se o plano inteligente, se o elemento dito amorfo. Um fará com consciência, o outro não; mas eu digo que é do movimentar de leis e elementos. Movem-se, como se diz, mundos e fundos para o funcionamento da lei de reencarnação.
E tenha ou não o homem discutidor, crente, cético ou fanático, conhecimento de sua exeqüibilidade funcional, ela se levanta à sua frente, como a máquina de fazer santidade. Válvula que é dos processos de prova, de expiação e de missão, é ela, de fato, por meio de quem o Senhor faz santos. E quanto arrependimento tardio se presencia! De quem não sabia e podia ter sabido; e de quem sabia e não deu ao feito a devida atenção.
É certo que a morte prepara, para todos, enigmas só por ela decifráveis, mas é certo, também, que dar regular atenção às leis do Senhor é medida de salvaguarda. Negar a reencarnação é negar parte da Sabedoria Divina; e é negar precisamente aquela parte que de mais perto nos toca e diz respeito, porque ela é, sem favor nem receio, o instrumento ascensional por excelência, a válvula evolutiva.
Se temos um Supremo Chefe Planetário, devemos a essa lei. E se Esse Chefe ofusca a luz material dos sóis com a Luz Espiritual, devemos a que lei? O ser deriva de Deus, mas deriva com as faculdades em latência. E é à lei reencarnacionista que fica entregue o processo para a patenteação devida e necessária. Somos deuses por natureza. Ao reencarnacionismo ficamos obrigados, para efeito dos despertares necessários. Pelo livre arbítrio podemos retardar ou apressar, o mais sublime dos desfechos da vida. O mais é questão de meio ambiente e disposições secundárias. Não importa saber se deve passar-se na Terra, no espaço, noutro planeta ou noutros concertos metagaláticos... Porque havendo o Ego, há faculdades latentes e a reencarnação dará conta do recado. O livre arbítrio humano será pela razão conhecido e respeitado; e por razão posto a bem funcionar e produzir frutos imortais.
Foi assim que cheguei a saber, depois de tanto viver e aprender. Mas viver e aprender com quedas e triunfos, por pretender depor, em certo tempo da caminhada ascensional, contra os princípios do Senhor. Não era do meu credo essa idéia de renascer na carne. Negava a lei de Deus, a bem do conchavismo de homens a que me dava a obedecer. Que coisa tola! Mas se faz disso, também, não é certo? Depois, com a desencarnação, os artigos e parágrafos do crentismo terreno se esvaem, rompem-se à luz do supremo realismo. E a gente fica como se fosse um cavaleiro a pé. Nem chega a saber como fez, para dizer não ao Senhor e sim ao convencionalismo religiosista do mundo. Não teria sido, então, muito mais fácil compreender que a lei convencional só é certa quando marcha paralela à lei fundamental? E em lugar de negar cem por cento, por que ao menos não ocorreu deixar a coisa em suspenso, até que melhores alcances fossem conquistados?
Minha última vida por entre vocês, portanto, foi cingida pelo manto opaco dos convencionalismos menos elegantes. Que houvesse devoção ao credo esposado, por que Deus haveria de com ele se entender!... Não era o homem segundo Deus; deveria ser, para estar certo, Deus segundo o homem. Eis do que está cheio o mundo!
UM DESPERTAR
Haverá sempre um estado de estar para suceder a outro, na vida ou na morte, no plano físico ou nos infindos matizes do extrafísico. E isso foi o que comigo se deu. Ser o que se é, evolver, nascer, morrer, renascer, morrer de novo e de novo despertar para o realismo supremo que é viver sempre, isso nunca será novidade. Quem teria sido o primeiro a ficar sujeito a tudo isso? Houve, em algum tempo qualquer, esse primeiro? Quando? Onde? Como?
Acordei cedo, um dia, em lugar estranho. Ao redor de mim a ninguém via que me fosse familiar ou achegado por amizade. Contudo, todos me cumprimentaram, sorridentes, felizes e comunicativos. Falaram-me. Falaram-me com extrema bondade, em tom familiar, como se fossem desdobramentos de amizades as mais puras, como se constituíssem o extrato das mais íntimas devoções fraternais.
— De onde chegaram os senhores?... Não me lembro de os haver encontrado em lugar algum! — foi o que pude dizer-lhes, de momento, estranhando um pouco.
— Você, amigo, é que acaba de acordar para o mundo espiritual... Seu corpo mais denso ficou na Terra, para ser devolvido ao meio natural... E queremos que compreenda isso como um fenômeno natural, pois morrer é comum e despertar para este plano da vida, também — respondeu-me o mais avizinhado, um senhor de meia idade e que ostentava largo e prazenteiro sorriso no simpático semblante.
Depois de fitar-me bem, de medir até onde podia sentir que tinha ainda um corpo, tornei à fala, um tanto admirado da acometida sorte:
— De fato, amigo, tenho um corpo... E não esperava morrer tão cedo!...
— Raciocina, e ama ao que é do Senhor. Ter mais ou menos idade não significa coisa alguma em face das determinações superiores. Importa é respeitar o fato.
Calou quem assim me falava. Pensou um pouco e emendou num convite:
– Quer levantar-se?... Pode fazê-lo com o camisolão que veste. Está numa casa de recuperação, num lugar, portanto, onde pode estar à vontade.
E como fizesse eu menção de levantar, deu-me a mão. Sentia-me o mesmo, mas bem mais leve, assim como quando se toma regular quantia de sedativo. O cansaço físico ainda o tinha; e falei-lhe na depressão cardíaca. Respondeu-me que nada de extraordinário havia em tudo isso.
— Para aqui vêm todos os estados de estar. Apenas, uns alcançam mais, outros menos. Há lugares ou regiões, para todos os merecimentos ou graus de merecimentos. Você veio para aqui, por exemplo, porque fez por isso durante sua encarnação; e também porque saiu da região pouco acima, para ir à encarnação. Se não foi melhor, como poderia ter sido, também não fez o pior... Afinal, de uma sortida não se poderia fazer tudo.
— Então, senhor, essa coisa de reencarnar é verdade?... — perguntei.
— Se é verdade ou mentira, isso é com Deus; porque nós conhecemos de fato, como lei natural. E por lei natural temos o que é fundamental; isto é, aquilo que independe da nossa vontade.
— E eu venho da reencarnação!... — tornei, com mil coisas a me pontilhar o cérebro.
— Você vem da desencarnação, como último acontecimento em sua vida. Pelo menos, caro Adroaldo, o que se passou depois foi isso que acaba de fazer, que é o despertar entre nós, nesta zona do astral da Terra, neste céu da Terra.
E tanta coisa me invadia o campo mental, que, com custo discernia o que mais seria conveniente pensar seriamente e de pronto indagar. E fui falando, mais ou menos, como pude.
— Que maravilha!... Estou no céu e tudo é como se fosse na Terra!
— Estamos numa zona inferior do céu... Por isso é que tudo se parece demais com a Terra. À medida que as zonas sejam as mais afastadas, tudo vai-se sublimando de modo tal, caro amigo, que nem se chega a poder descrever. Nas zonas interestelares, por exemplo, onde vivem os seres mais purificados, continua a haver parecença com a Terra, é certo; mas de modo tão sublime, que com o conhecimento que temos, não lhe podemos dar guarida em saberes e explicações.
— Pensei que o céu fosse uma unidade, separado apenas do inferno e do purgatório, que, também, fossem unos em si mesmos.
— Não é assim, pelo fato de não o ser. Como, porém, representa o que quer Deus, tudo está muito bem e certíssimo. Demais, Adroaldo, como ficaríamos nós, por exemplo, que estamos situados em grau hierárquico que não é alto e nem baixo? E os outros matizes de ser e estar em que se reparte a demografia terrenal, seja no que diz respeito aos da carne e aos destes planos? Há que conceber, portanto, a necessidade e justeza do fracionamento existente, por haver que respeitar, na Justiça Suprema, o saber e poder dar, a cada um como merecer. Para infinitos graus de merecimento, portanto, tem que haver infindos postos de estágio.
— Sabe o meu nome, pois não? E o seu, qual é, meu senhor? — lembrei-me de perguntar, pois já havia pronunciado meu nome por duas vezes.
E ele disse-me:
— Tenho sua documentação em mãos; fui encarregado de socorrê-lo. Meu nome, ou como todos me chamam, é pelo sobrenome Mesquita. Trate-me assim, dispondo desta amizade à vontade, pois aqui nos sentimos bem só quando podemos ser úteis uns aos outros...
Achei estranho, num repente, o fato de ter passado por nós uma maca, carregada por dois homens, sobre a qual alguém ia, coberto de tudo. Falei a Mesquita e sua resposta foi esta:
— Você também veio assim. Aliás, cada um vem como vem ou é socorrido da melhor forma possível. E é bom que possa ser assim, pois outros há que não podem ser socorridos, migrando para tristes países ou continuando a perambular pelo plano da carne, a sofrer e a produzir sofrimentos.
— Que coisa estranha é a morte! Eu jamais suportaria isso lá no mundo... O homem morrer e ser carregado numa padiola!... Meu Deus, até onde estão Tuas leis acima do poder computante do homem carnal? Carnal?... Mas se tenho a minha carne, se todos a têm?...
E Mesquita retrocedeu ao que dizia, propositalmente:
— Aqui só é feliz quem sente que está sendo útil. Quero que medite nesta regra de conduta e sentido de auto-emprego, porque o mais breve possível queremos contar consigo para trabalhos em conjunto. As nossas concepções só são boas e produzem bons frutos quando representam veiculação de superiores desígnios. Ser útil é viver a lei superior de solidariedade ativa, por compreender que o Amor é das leis a mais forte.
— Não ficaria melhor dizer que o Amor é a síntese das leis, amigo Mesquita?
— Não vale a pena sintetizar tanto. Afinal, uma lei científica é uma lei, da mesma forma como uma lei filosófica, ou de qualquer outro ramo do pensamento, ou de qualquer matiz departamentário da vida. Deixemos os extremismos simplórios lá para o mundo mais formal, aplicando aqui os saberes e poderes, de conformidade com as posses do presente. Na Terra, fala-se demais e age-se de menos. Quem mais fala é muita vez quem menos vive ou dá exemplo salutar. Repare nos donos de religião, nos estatutos que levantam, confrontando com a vida que levam. Quando não é o próprio estatuto que se alicerça no erro, são os seus pretensos executores os que se desmantelam nos atos da vida. E assim por diante...
— Quem foi esse que passou na padiola? — fiz por saber, movido por não sei que curiosidade, cortando-lhe o seguimento da peroração.
— Foi um adepto do espiritismo. Viveu bem seus últimos tempos de vida, granjeando o direito de ser logo recolhido, medicado e instruído assim como no seu caso...
— Nesta cidade do céu também se misturam os credos?!...
— Para Deus, posso garantir-lhe, não existe a acepção de credo. Basta que o homem se orne, de fato, com os galardões da vera decência. Aliás, já disse outro dia um de nossos pregadores, que tendo o Cristo resumido os Dez Mandamentos em dois, se tornasse ao mundo das formas, de novo, reduziria a um só, que é o ser veramente decente. Porque, sem decência, caro amigo, nada vale andar com rótulos e títulos quaisquer, cheirem lá a que credo cheirem. Jesus recomendou o — “amai-vos uns aos outros”— como medida de ordem geral, para efeito de aplicação na vida de relações, por saber que sem decência não adiantam os coros em procissão de todos os convencionalismos ou mandamentos de homens. Para a paz, faz-se preciso a moral; e para a autoridade, preciso se faz a sabedoria, nos diferentes ramos do saber. Pieguismos religiosistas, moral postiça, nada resolvem. Muito menos ainda, presumidas prerrogativas sectárias. Quem livra é a Verdade, pois o religamento, só pela Verdade poderá ser feito. Como de si poderá deduzir, Adroaldo, veio encontrar aqui um mundo de que o seu credo nunca lhe deu informe algum. E como poderia a ignorância constituir medida de sabedoria? Como falar em religião verdadeira se, à luz dos fatos, refuta ao que é de Deus e proclama ao que sai de seus conchavos interesseiros? E mesmo que haja vantagem, em fundo científico, portanto em poder informativo, de um credo sobre outro, que credo garantiria a conduta pessoal do seu adepto? Cada qual tem seu lastro cármico, seu passado e suas obrigações adquiridas; logo, pertencer a um credo nada significaria, jamais, passar por cima de tão respeitáveis leis. O muito que uma religião tem a fazer, amigo Adroaldo, é informar bem; e não informa bem quem cuida em sectarizar a humanidade. Para uma religião ser boa portanto, não deve ser à base de clerezia; porque a clerezia é sempre um meio de vida. E quem faz das coisas do espírito um meio de vida, não pode falar como verdadeiro discípulo da Verdade.
Íamos caminhando, dobrando esquinas de corredores e conversando. Num repente, lá na ponta de um deles, me pareceu ver alguém do conhecimento. Tornei Mesquita a par da impressão recebida, dizendo o nome do tal homem, que também vestia a camisola dos internados.
— É ele mesmo... Fábio desencarnou faz três dias.
— Ele era espiritista... Pelo visto, sabendo mais, não obteve melhora sobre mim que, agora, reconheço, sabia menos.
— Não discuto sobre crenças, amigo Adroaldo. Mas acabo de dizer que cada um arrasta consigo o seu carma, as suas injunções do passado vivido. Logo, o “como está” não poderia ser aferido de pronto, sem cuidadoso exame. O como já esteve é que nos devia interessar mais, para efeito de estudo. Depois disso, cumpre dizer que o Espiritismo, como o Cristianismo reposto no lugar, à base da eclosão mediúnica do Pentecostes, e tendo por moral a do mesmo Evangelho, não dispensa quitutes favoritistas, não distribui promessas vãs, recomendando, apenas, pelas verdades que expõe e ensina, a que cada um se edifique pelas obras, não olvidando o afirmar que o mais saber importa em maior responsabilidade. O Espiritismo Cristão é escola de Verdade. Ensina certo e puramente; não pretende tolher, em quem quer que seja, o sagrado direito de livre- arbítrio. Por ser escola de Verdade, não comporta clerezia, não tem formalismos, não se compra e nem se vende, a exemplo do que fez o Cristo durante sua passagem pela carne, nas ruas, nas praças e nos desertos da Palestina. O lado religioso, o poder de religação mental e moral que confere ou facilita, isso fica por conta do seu praticante o tornar mais ou menos intenso. Como vê, Adroaldo, não possui o Espiritismo uma bilheteria, ou guichê, onde estejam à venda entradas para o céu. Sua função é informar; e o mais cumpre ao sabedor o que fazer com o que sabe. Nem foi outra a promessa do Cristo, pois disse:
“Mas o Consolador, que é o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito” - João, 14,26.
Nenhuma palavra vazada no dia de Pentecostes, pela boca dos Apóstolos e dezenas de outras pessoas, (pois foram quase cinqüenta os médiuns que se prestaram para o início da era mediúnica mais intensa já vivida pela humanidade), nenhuma palavra, disse, foi retida e conservada, para efeito de julgamento dos pósteros; mas, pode estar certo, amigo Adroaldo, que aquilo que os espíritos comunicantes disseram, pela boca daqueles médiuns, não constitui promessa de céu gratuito a quem lhes desse crédito doutrinário, apenas. É preciso saber e praticar, para se alcançar o objetivo colimado. De informar, de acordo com a promessa de Cristo, encarrega-se o Consolador; mas pela execução responde o sabedor, mais ninguém.
— Poderia eu falar com Fábio? — pedi.
— Claro. Vamos a ele, que deve ter-se ido sentar num banco de jardim.
Morte, céu, doença, banco de jardim, etc., Santo Deus! Como poderia este pobre filho Teu, emanação Tua ou o que seja, admitir tudo isso lá no mundo, havendo recebido, como de fato recebeu, instruções só formais, sem Revelação, sem progresso? Como, Senhor, ser culpado?
E ia assim pensando, em solilóquio, quando Mesquita invadiu minha seara mental, dizendo:
— Por que não quer ser responsável? Afinal, antes de criticar quem era espiritista, ou quem lesse um livro doutrinário, por que não buscou saber alguma coisa? A que título tinha a sua cabeça e responsabilidade?
— A Igreja proíbe faça-se isso, pelo menos, amigo Mesquita, dei ouvido à Igreja. Ela é a responsável. Confiei na sua infalibilidade.
— Responsabilidade, nesse caso, cabe a quem manda e a quem executa. O dever é de cada um pensar com a sua própria cabeça. Com as qualidades já despertas em outras vidas, se tivesse enxergado a responsabilidade de conhecedor do Consolador, e praticante, por certo que viria para aqui, com a coroa que orna a todo aquele que trabalhou pela evolução dos irmãos e da humanidade em geral. Não digo tenha perdido muito; mas perdeu ótima oportunidade. Quanto à proibição da igreja romana, ela só pode falar em seu nome; nunca, porém, em nome da Verdade. Também o clero levítico proibiu o Cristo de fazer o que devia e fez; mas não encontrou Nele guarida a voz do mundo, porque a da Verdade lhe soou mais alto. É preciso saber ouvir, caro amigo, para que se não dê ouvidos ao que é corrupto e comprometedor. Convém não pensar segundo a tradição dos cleros.
— É muito sábio, amigo Mesquita. Concordo consigo. E onde terá ido esconder-se o Fábio?
— Lá está ele, debaixo daquela frondosa árvore. É seu lugar favorito.
— Também temos magnólias aqui?... — indaguei, ao observar a árvore.
Mesquita sorriu o seu simpático e largo sorriso. Calei-me, porque senti que ele a isso correspondeu. E marchamos ao Fábio de minha velha amizade, ao homem a quem muito ridicularizei, oculta e ostensivamente, porque tinha a mania de dizer que conversava com os mortos, com aqueles que o pároco dizia serem diabos a desencaminhar as gentes.
Não sabia que aquele encontro me fosse conduzir a um pranto feliz. Mas assim é que sucedeu. Ao defrontar Fábio, frente a frente no mundo dos mortos, minha alma como que aflorou à tona de mim mesmo. Que alegria! Que compenetração das coisas de Deus! Choramos os dois, abraçados, numa infusão de amizade intensa e ungida de celestes bênçãos. Quando pudemos conversar, parece que aquelas lágrimas haviam anteriormente dito ou significado tudo, só dissemos coisas da Terra, do ontem da vida, dos familiares lá ficados.
E comprometemo-nos a novos e felizes encontros.
SAUDADES DA FAMÍLIA
Pelas dez horas do dia seguinte, depois de auspicioso passeio matinal, fui encontrar Fábio no lugar onde lhe era de costume sentar-se, debaixo da magnólia. Ao vê-lo de longe, ensimesmado, pareceu-me triste. E foi do que lhe falei, assim lhe estive ao pé.
— De fato — respondeu-me — trago comigo uma tristeza... Mas, deixemos isso para mais tarde... Basta-me estar recolhido a esta região de paz...
— É saudade da família, decerto, o que causa essa tristeza — aventurei.
— Não... É outra coisa; mas é problema por resolver. Não se importe com isso, porque é questão de doutrina.
— Gostaria de poder auxiliá-lo.
— Creio... Creio sinceramente e fico-lhe grato.
E dois novatos de um mundo novo, mundo novo igual ao mundo velho deixado, como sairiam daquele vácuo dialogal, não fosse a chegada de Mesquita?
— Parece que estão tristes! — observou este, assim chegado.
E como Fábio calasse, fiz por expressar o estado de coisas:
— Fábio quererá, por certo, dizer ou perguntar alguma coisa. E como disse ser coisa de doutrina, também muito me conviria ouvir, posto achar-me situado no mare nostrum da questão. Como sabem, sustentei aversão aos princípios espiritistas. Todavia, como as coisas mudaram, creio que preciso mudar, de algum modo.
Embora Fábio não tivesse simpatizado com o meu atrevido gesto, estava executado. E não me senti magoado com o seu retorcer de boca, gesto pelo qual expressou sua desaprovação. Sentia em mim uma incontida vontade de fazer qualquer coisa a bem da verdade em vista, um prazer em ser malcriado. De então para cá, posso dizer, se me fosse dado, revolveria o mundo... Pois sinto que o mundo nada num fétido mar de coisas e idéias desnaturadas. As convenções afogam o homem. E afogam porque não se ornam com as belezas da realidade, porque se dão apenas a cultivar o endosso dos conchavismos menos edificantes. Sendo a realidade uma, parece que se faz questão de invertê-la, só para ficar bem com o camarilhismo podre que explora uma situação e a própria humanidade.
— E quem não está aqui para servir? — redargüiu Mesquita, com aquele seu costumeiro e afável tom de solicitude.
— Desejava deixar que uns dias se passassem sobre a questão. Porque, sem dúvida, não é mais que algum erro meu considerar o fato pelo seu ângulo menos feliz.
— Mas há mesmo infelicidade?!... — inquiriu Mesquita, sorrindo.
Fabio tornou:
— Em um tom... Existem várias formas de infelicidade, não é exato?
— Sim — volveu Mesquita, observando-o bem — mas se é de fundo doutrinário o ato motivo, creio que deve expor o que lhe vai pela alma adentro. Em doutrina, como em tudo, há lei por base. E por lei, amigo, tudo se torna explicável.
Fábio caiu na meditação, vindo a mover a cabeça por algumas vezes. Em todo caso, e com forte torcida nossa, começou por dizer o que sentia, coisa que me pareceu tola no momento, mas que reconheço hoje, ter lá o seu mérito. Ademais, cada qual vê o mundo e os seus fenômenos assim como o seu estado de alma lhe permita e imponha. Só os grandes caracteres é que conseguem suplantar a força de uma injunção psicológica, por antepor-lhe os dardarejos contínuos de uma vontade férrea e inclinada à análise rigorosa. Os menos fortes cedem, mesmo sofrendo o peso da revolta que não toma posição para a defesa natural. E é triste cair em fiasco, conscientemente.
Fábio, enfim, disse suas coisas:
— Como sabe, amigo Mesquita, fui sincero devoto do Espiritismo na minha caminhada na carne. Fiz sessões, várias, para fins úteis. Creio que, se melhor não fiz, se mais puro não me dei a ser, se mais sabedoria não vivi, foi somente em virtude de íntimas insuficiências. Os triunfos do Espiritismo foram os meus triunfos; as mazelas, espontâneas ou propositais, provindas dos cultores menos conscientes da doutrina, constituíam as minhas dores de alma.
E enquanto Mesquita o observava sinceramente, e de minha parte aguardava o desfecho de uma tragédia que não apareceu jamais, continuou ele:
— Assim sendo, portanto, não poderia ter sofrido menos, ao constatar um fato digno de lástima, uma operação espiritual, como se diz por lá, que em si mesma não chegou a ser, embora tivesse tomado o aspecto exterior de sê-lo. Como isso me veio ao conhecimento, horas antes do meu desencarne, trago comigo a tristeza do fato... Sinto-me realmente compungido...
— Conte-me o caso — atalhou-o Mesquita, vivamente interessado.
E Fábio relatou:
— Certo amigo, sofrendo de há muito do estômago, procurou um médico. Este o mandou ao serviço de radiografia, sucedendo a constatação de uma úlcera. Com medo de uma operação material, e sabendo de oitiva das coisas que os espíritos vivem a fazer, nesse ramo de atividades do Espiritismo, procurou um senhor, de mim não conhecido, que faz sessões dessa ordem, submetendo-se a ser ali operado espiritualmente. E o foi, de fato, exteriormente. Mas só exteriormente!...
— Sabe dizer-nos o que ocorreu depois? — reclamou Mesquita.
— Piorou, foi internado, radiografado e operado de fato da úlcera, que lá estava inteirinha! Isso, amigo Mesquita, acabrunhou muito minhas últimas horas na carne, bem assim como me amargura agora. Creio que os espíritos não deviam agarrar a quem quer que seja e depois passar um pouco de iodo, para aparentar uma operação de fato. Quem mente em nome da Verdade se torna muito mais criminoso, não acha?
E com aquela expressão de mágoa, esperou por alguma resposta.
Mesquita primeiro encarou-o seriamente, depois deu-se a sorrir bondosamente para com o amigo. E brandamente explicou-lhe:
— Admira-me, que um homem experimentado das coisas do Espiritismo, assim como você é, deixe-se embair pela incompreensão das coisas. Então, Fábio, não sabe você que a muitos complexos a mais, que os acontecimentos de ordem essencialmente material estão sujeitos aos fenômenos de ordem espírita? Há espíritos de toda ordem, em competência e moral.
Há ambientes de todo o naipe fornecendo bom ou mau campo para realizações do plano astral. De qualquer forma, para todos os efeitos, deve-se levar em conta o relativismo do meio. Pois nem tudo podemos nós, nem podem oferecer tudo à vontade os do plano da carne. Além do mais, é notório, em certos casos há mesmo incompetência de ambos os lados. O relativismo hierárquico faz muita gente de nosso lado não saber usar o “sim sim” e “não não”, com a devida oportunidade e realeza.
— Os que não sabem disso dizem outras coisas... Ofendem a Verdade, por culpa de quem dela se diz arauto — ponderou Fábio inconformado, muito triste.
— Onde se deu isso? — quis saber Mesquita, evidenciando certo intento.
— A três quilômetros de minha casa, num bairro muito conhecido.
— Pois nós iremos ver isso. Pelo menos, Fábio, saberemos alguma coisa sobre o sistema que usam para trabalhar, quer os do nosso plano, quer os do plano da carne. Havendo erro, cumpre reparar na medida do possível.
Fábio levantou a cabeça e esboçou um levíssimo sorriso. Em surdina, inquiriu:
— Quando?
Depois de pensar algum tempo, Mesquita respondeu:
— Quando vocês dois estiverem em condições de fazer a viagem... Está bem?
Tornei-me presa de feliz comoção. E como me ia pela alma uma tremenda saudade dos familiares, fiz a minha petição:
— Gostaria, se fosse possível, de visitar os meus. Sinto um peso na alma, uma enorme vontade de os rever. A morte supera apenas o exterior...
— É muito natural. — anuiu Mesquita — E com isso, pense também, de sua parte, no relativismo em que se vive depois da morte. Não estamos nos planos alcandorados; estamos numa zona que é reflexo puro e simples da Terra dos encarnados. Uma duplicata levemente melhorada, mui levemente distinta. Todos os porquês da vida na carne, aqui repercutem de modo ainda forte.
— De certo modo sinto-me feliz, meu bom amigo. — disse-lhe eu — Vir para aqui já é muito mais do que ir para pior. Tendo paz relativa e bons amigos, isso já significa muito. Sou grato ao Supremo Senhor, pelo que me reservou.
E como ao dizer isso fizesse um gesto indicativo, com a cabeça e os olhos, para aquilo que chamamos o céu, eis que recebi dele uma feliz observação:
— Se pensou em Deus, de verdade, não deveria ter olhado para cima, desse modo. Deus não é pessoa e o céu não está lá em cima. Deixemos esses exteriorismos errôneos, essas idolatrias, para os encarnados, que dizem primeiro que Deus é Impessoal, Onipresente, e, depois, nos templos católicos, protestantes, espíritas, etc., ao dirigirem-se a Deus, querem como que furar os forros, os telhados, para verem o espaço infinito, povoado de mundos, com olhares tão piegas o quão simplórios. Deus está no íntimo de tudo e de todos, por ser o Estado Clássico, a Essência Primeira do Universo Geral. A Deus devemos falar, é claro, simples e puramente, sem pieguismos e nem medo, no templo de nossas consciências. Quem olha para longe, pois, perde a referência. Deus não é uma pessoa; Deus é a Vida em Si, com a Sua infinidade em Leis e Virtudes. Cada um de nós, e tudo o mais. Somos-Lhe partícula infinitesimal. A natureza, ou a Criação, é Deus manifesto.
Foi nessa hora, quando mais desejava ouvi-lo falar, que vieram buscá-lo com urgência. Só sei que lhe disseram, então:
— Chamam-no com urgência, na crosta. Dorival quer falar-lhe.
Ele, despedindo-se, partiu. Partiu, sumindo diante de nós. Eu e Fábio ficamos ruminando idéias, triturando conceitos e preconceitos. Uma tremenda vontade de fazer mil perguntas invade ao recém-desencarnado; mas, falta até mesmo o saber como articulá-las. E tudo se resumiu em pensar mais e falar menos.
— Que coisa é a evolução lenta do ser! — disse Fábio, quase num gemido.
— Eu só penso nos meus e nesse negócio de Espiritismo, de operações, de comunicações...
— Você já está vendo alguma coisa? Afinal, que é isto, sem ser um pouco daquilo que ele ensina? Aqui estamos, vivos depois da morte, recolhidos a uma região parecida com a Terra, inferior, mas de paz; e que dizer da continuidade da personalidade humana? Dos problemas humanos? Do plano mental e das realidades de ordem moral?
— O que mais me interessa é o contato com os que lá ficaram — disse-lhe.
— Leis regulam e determinam tudo — tornou ele, convicto.
— Ainda hei de falar aos meus, se Deus quiser.
— Mas não olhe para lado algum... — falou ele, mais bem humorado, lembrando a observação sábia de Mesquita — Ou então olhe para tudo, vendo Deus em manifestação ostensiva.
— Gostaria de avisar minha gente... Gostaria muito...
E nos chamaram para o almoço. Sim, para o almoço. Quem quiser pensar nas coisas deste lado, para fazê-lo bem, faça-o pela lei das duplicatas etéreas. O mais grosso ou denso, inferior e sofrível, desfaz-se em gamas rumo ao sublimado.
PREPARANDO UMA SORTIDA
Estareis fartos de instruções como estas, graças ao que outros já fizeram, de ordem superior, isto é, por mandato da Diretoria Planetária, segundo os canais competentes; mas, minha vida é muito para o meu universo pessoal. E quero fazer de mim aquilo que posso. Ofereceram-me oportunidade? Eu a aproveitarei.
Recebi, e Fábio também recebeu, uma cartilha. Um livrinho que versa sobre tudo um pouco, contendo ilustrações sobre a Terra e seus planos etéreos, a começar do seu centro. É fácil de ser lido, e também entendido, de modo geral. É o diagrama da Terra total.
Com a leitura desse livrinho, os pensamentos sublimaram e a restauração da saúde se processou rapidamente. Também com relação à família a coisa mudou, pois o livrinho ensina a usar o pensamento, como dínamo transmissor de ondas. Basta se pense com inteligência e amor, pois o mais é enviar mensagens, mentalizando a pessoa ou ambiente em geral. Também para a captação ou absorção dos elementos cósmicos, dos fluidos superiores, deve-se proceder do mesmo modo, ensina o livrinho. O pensar é o poder de reunir o fluxo e o refluxo, num só propósito, que relativamente ao espírito, ou para tudo o mais que entre na composição da vida, de ordem moral, mental, intelectual ou material. O ser é um centro dinâmico e o cérebro é sua estação para captar e transmitir. Como se pode saber e sentir, do melhor ao pior, assim se pode servir ou prejudicar. Apenas, ensina o livrinho, é lei da vida, antes de arruinar a outrem, quem mal sabe e mal age, a si mesmo em primeiro lugar se prejudica, revestindo-se de aura e elementos perniciosos. É certo, pois, que pelo pensar cada qual se coroa de modo próprio. E sabe-se que uma coroa infecta não será destruída assim à toa. Perdão não existe; o que por obra se fez, por obra se terá que desfazer. O resto é falso. E não se diga que a dor seja um ramalhete de flores, por isso pode ser dito por quem esteja em paz, em gozo, para efeito de retórica ou ênfase literária. A realidade é que a dor é um monstro que se levanta do crime, do erro, da corrupção, havendo só uma arma para vencê-la — o uso do bom senso! O bom senso é conhecimento e amor. Flor, ou ramalhete delas, só a paz e o gozo o podem ser; o mais é falso, a prática ensina-o muito bem. De resto, faça cada qual a sua análise, quando esteja nos abismos infernais, ou com a tremenda dor, de ordem seja qual for. Isso digo do mais profundo de mim mesmo, com a sinceridade máxima, por querer a paz e detestar a tormenta, seja de que aspecto for.
A dor, como fenômeno mecânico deve ser estudada e eliminada, pela base. Nunca poderia ser mais que conseqüência de maus feitos, de desequilíbrio. Logo, nunca será flor e nem brinde do céu. É apenas o testemunho da falta. Cumpre, pelo sintoma, ir à causa e repará-la. O bonito está no agir com inteligência, com esmero, no sentido de liquidá-la o mais pronto. Tecer-lhe elogios, levantar-lhe pedestal, cantar-lhe odes, isso nunca farei. Revivi tristes e dolorosos cometimentos, sofri os tremendos horrores. Singrei o chão lamacento e esfacelei as carnes nos pedregais infindos. Quero que aqueles de meus irmãos, que me vierem a ler, pensem da dor o que eu penso — que é um monstro que precisamos eliminar, o mais ligeiro possível, usando de todos os recursos da razão e do caráter em geral. Deus não nos quer sofrendo.
Para a glória é que somos voltados, não para o pranto e ranger de dentes. E não se diga que à dor cumpre encaminhar ao bem; vi legiões de tremendos e horripilantes seres, que, afogando-se nos limbais e pútridos abismos, nem assim ostentavam outra atitude em face da Justiça Suprema, que não fosse de ódio e rebeldia.
Antes da dor, que é famigerada filha da mazela, a quem devemos apelar são às ações nobilitantes, inteligentes, produtos das divinais virtudes despertas. Punição é para os teimosos, para os delinqüentes. Uma vez estudada a dor, em suas origens, devemos tudo fazer por liquidá-la. O resto é louvaminheira gratuita, de gente que de medo, pensa fazer-se recatada. E dirijo-me seja a quem for, porque penso e sinto assim, estribado em Jesus Cristo, que não falou em pranto e ranger dos dentes, pensando em flores ou ramalhete delas...
Usemos, pois, o poder mental, para criar liberdade e céu.
Certo dia, quando passeava por uma avenida da região, em companhia de Fábio e uma senhora convalescente, surgiu-nos Mesquita pela frente, trazendo no semblante feliz, a boa nova:
— Iremos, hoje à noite, à crosta. Estejam prontos às sete horas.
— Eu também? — quis saber a senhora.
— E por que não? — tornou Mesquita — Já está muito melhorada. Além do mais, como ireis ver, os fluidos emanados dos encarnados são revigorantes e curativos. Há casos em que, em virtude de faculdades, para efeito de cumprimento de missão, seres encarnados, oferecem elementos fluídicos maravilhosos. Valem por cadinho renovadores.
— Agradeço a oferta, senhor Mesquita — disse a senhora.
— Agradeço a Deus a oportunidade de servir, e aos amigos em geral o consentimento, para que meus planos de solidariedade se concretizem. Tenho em vista um programa de trabalhos. E sem findar um período preparatório, como encetar o complementar? Eis, portanto, que sou eu quem carece de vossa boa vontade.
— Nem sei o que pensar... nem sei o que dizer — murmurou Fábio, ante aquela torrente de fraternidade, em que Mesquita se revelava.
UMA PONTE SOBRE UM ABISMO
Às sete em ponto estávamos na residência de Mesquita, onde Cristina e Vicente aguardavam para tomarem parte na visita aos encarnados. Cristina, sua esposa, e Vicente, seu filho, sabiam de nós apenas de nome. E cumularam-nos de gentilezas. Dentro de minutos, Mesquita chegava, avisando que um carro nos viria buscar, em poucos minutos.
— Iremos de carro? — disse-lhe o filho, num tom de estranheza.
— Para variar e até certo ponto... Depois, prosseguiremos como melhor convir.
Tudo aquilo era, para nós, estranho de tudo. Em todo caso, dadas as condições de nossos conhecimentos, que se ajustavam bem no campo da insuficiência, do conhecimento, não articulamos palavras. As instruções viriam, como de costume, diretamente e no momento preciso.
A qualquer coisa que lhe dissera a esposa, ouvimos de Mesquita:
— Quero que os amigos espiem, da ponte, para ambos os lados. Para isso é que iremos de carro. Qualquer ação, para eles, constitui um aprendizado útil.
De carros, de fato, a cidadezinha andava cheia, quer a tração animal, quer a motores. Eu pensava nos caminhos, não nas viaturas. Minha idéia, desprovida de elementos de prática, corria antes para o avião. Francamente, tão igual à Terra é o céu, que cheguei a crer mais útil um pára-quedas. Pode parecer infantilidade, mas é o caso. E que mente não se tornaria infantil por aqui, pelo menos nos primeiros instantes? Vinha agora o caso da ponte. Que ponte, pensava eu? Mas sabia que haveria uma ponte. Por quê? Porque tudo é simplesmente sério em lugar de gente séria. É celestial o ambiente que se orna de criaturas educadas, sem afetação, gente simples e dedicada, que não mede atenções.
Com o ruído que se ouviu lá fora, julgou-se chegado o carro. De fato, Mesquita nos convidara a sair. E o carro era a tração animal, pois dois lindos cavalos brancos, garbosos, puxavam o mesmo. Subimos, e o homem do carro falou com os animais. Não tinha chicote. Ouvida a ordem de caminhar, partiram como se estivessem apostando corrida. Sentia-se o prazer com que faziam a galopada. E lá fomos, estrada afora, até terminar o casario. A lua começou a despontar no horizonte, o céu bastou-se de luzes piscantes.
— Já se vê a ponte! — anunciou Cristina, com entusiasmo, estirando a mão para uma das bandas.
De fato, ao longe, numa curva imensa, divisava-se uma listra de luzes, havendo por baixo como que um vão escuro. Era do tamanho de um país inteiro aquela paisagem! E, pelo que se podia com facilidade constatar, pareciam deslizar, não mais galopar. Era imensamente agradável aquilo tudo! E com pouco mais dávamos entrada na cabeceira da ponte, onde guardas nos saudaram. Lá mais ao longe, Mesquita falou ao homem condutor do carro. E este se dirigiu aos animais, que prontamente o atenderam, parando.
Convidados por Mesquita, descemos e fomos espiar pela guarda da ponte. Era de estarrecer a altura da mesma! Arrepios me varreram todo, dos pés à cabeça, de modo incontrolável. Devia ter quilômetros de profundidade! Pois com o clarão da lua, iluminando tudo lá em baixo, tinha-se a impressão de estar num avião e este em grande altura. Aquilo era lindo e trágico ao mesmo tempo.
— É a Terra aquilo lá embaixo? — perguntou Fábio, com voz sumida.
— São as zonas inferiores, lugares de dor... — esclareceu Mesquita.
— E onde termina a ponte? — quis eu saber.
— Num ponto fronteiriço. Como ireis ver, temos ali uma fortaleza organizada. Por esta ponte passam, quando tornados dignos de socorro, aqueles que precisam de estágio em tais lugares. Há todo um mecanismo por desenvolver-se, para que a Justiça se cumpra. Quem fez por cair no lodo, terá de fazer por sair dele. Em nós estão as condições, as qualidades e as leis. O plano superior envia-nos mestres, para que nos falem das coisas de que somos senhores por natureza, mestres que nos ofertam mãos amigas. Logo, o Plano Regente nos dá tudo e nos ensina do melhor modo. E quem erra angaria o dever de reparar.
A seu convite voltamos ao carro, que nos conduziu ao fim da ponte, onde tocava no solo. Mas ali havia uma construção enormíssima. Centenas de trabalhadores guarneciam-na e guarnecem. Há muito de preparativos defensíveis, de torres de espia, de postos projetores de jatos, etc. Escutam-se gemidos, ao longe, pungentíssimos. Quem não está preparado, sente-se ali muito mal, como se estivesse sendo invadido por ondas corruptoras do equilíbrio. Mesquita advertiu-nos em tempo oportuno:
— Não pensem com afinco nos que gemem agora. Lembrem-se daqueles a quem fizeram gemer, de um modo ou outro. Lembrem-se de que em Deus não existe injustiça, precisamente porque colocou em tudo e todos, fundamentalmente, o tribunal de perene judiciado. Quando se age, já se lavra desiderato. Quem faz é o mesmo que pune. Não há justiça externa por acusar e nem por apelar, a menos que seja por meio da justiça interna. Quem ali está, amigos, é porque ali se pôs pelas suas obras. Ali estão ateus, céticos, donos de títulos, rotulados em geral. Menos os virtuosos e os verdadeiramente sábios.
— E nem em Deus haveria injustiça! — exclamou Fábio, gravemente.
Mesquita olhou para um relógio, que se achava na parede da sala do diretor daquela fortaleza, que se via de uma janela, avisando:
— Vamos embora? São vinte e uma horas, faltando apenas trinta minutos para que comecem as operações espirituais naquele Centro de que nos falou Fábio.
E fiquei pensando como poderíamos fazer o resto da viagem. Lá fora, todavia, o diretor deu-nos mais cinco trabalhadores, observando:
— O coeficiente do poder de vontade dá e sobra, mesmo em caso de fracasso de alguns dos novatos.
— Com essa ajuda, Matias, nós iremos de um lance. Não terão tempo de fracassar, mesmo que o queiram — comentou Mesquita.
E havendo-nos posto à vontade, zarpamos pelos caminhos do éter cósmico, atravessando tudo e sem dar por elas. Quando chegamos ao recinto do Centro, ainda era cedo, pois as operações, segundo tinha indagado Mesquita, começariam a ser executadas das vinte e uma e trinta em diante.
— Não se esqueçam de que estamos fora do alcance de visão dos presentes, por minha vontade. Não percam de vista e atenção a esse fato. Não há fenômeno sem lei, e, a menos que nos seja necessário, queremos não ser vistos. Quero que tenham inteira liberdade de locomoção, para que possam observar tudo com clareza, o que não seria possível nos tornando visíveis ou relativamente materializados. Como tereis lido, podemos, em nossos corpos perispiritais, pela vontade e por delegação superior, operar mutações nesse sentido dentro de um limitado campo. Há um limite para o máximo condensável e para o máximo fluido; isto é, um campo de flexão que nos está ao alcance, para, pela vontade, ser utilizado. Quero forçar ao máximo o poder de fluidez. Não quero que nos percebam a presença.
— Pensaremos em nós, somente, quando sentirmos qualquer coisa diferente; não é melhor? — propôs Fábio.
— Mas não se esqueçam de que somos peças do Senhor; e que sem ligação com o Todo, nenhuma parte se sustentaria em ordem, para ser e para servir — observou o nosso mentor.
Assim observando, com relação ao dever de pensar em Deus, o Deus interior, como de fato convém e é, foi para o lado de Fábio e teceu considerações mais ou menos assim:
— Você, Fábio, ficou ressentido de uma operação mal realizada. E eu já lhe disse sobre os fatores interessantes ao bom êxito, como sejam — ambiente psíquico em geral, grau de capacidade do agente desencarnado, intensidade mediúnica e ectoplásmica do médium; e, talvez acima de tudo, o merecimento do paciente. No entanto, como vê, baixíssimo é aqui o nível em geral. Aí estão cinco pessoas que deverão ser nesta noite submetidas ao bisturi. No entanto, estude a aura de cada uma; sonde a intensidade das ondas mentais, verificando por si mesmo que o caráter, em geral, não está preparado. Há falhas nesta casa; e falhas que prejudicam muito o resultado do trabalho em geral. Faz-se mister, aqui, boas preleções, quer de ordem moral, quer de fundo técnico, quer de caráter doutrinário.
Eu, naquele tempo, entendia dessa espécie de trabalhos espiritísticos muito menos do que hoje; mas compreendi bem que Mesquita observava tudo, em matéria de moral, doutrina e técnica. Isso, enquanto se estava no campo teórico; porque, em seguida, começaram as danças e cantorias, todo um movimentar de formalismos e idolatrias, de ingerências pagãs, de coisas que definiam o ignorantismo ambiental.
— Eu preferia ir-me embora. — alvitrou Fábio — Nunca me dei bem em ambientes assim tisnados pela falta de conhecimentos os mais rudimentares.
— Salva-se o que há de boa vontade — interveio Cristina.
— Podemos ir, caso queiram. Temos de deixar Adroaldo no recinto familiar, de acordo com a ordem e pedido que fez — propôs Mesquita, por nos atender.
E enquanto discorríamos sobre o ir ou não, o ambiente se tornava abafadiço, insuportável, por saturação. Um magnetismo inferior começava a invadir tudo e todos, sacudindo os encarnados presentes, que deviam julgar ser aquilo força, pois é comum ser a nuvem tomada por Juno... Lá num canto, o primeiro paciente ia ser deitado sobre uma mesa. Foi de fato deitado. E com o apagar completo das luzes, foram caindo os médiuns em transe, passando alguns agentes do nosso plano a lhes extrair, pela boca e narinas, ectoplasma em estado pastoso, com o que foram outros dando-se a condensar ou materializar ferramentas, medicamentos, etc. A maior porção de elementos ectoplásmicos, subtraídos a dois homens, era usada pelo operador astral. Eu jamais teria sido capaz de pensar, em semelhante coisa; mas o certo é que, em dado momento, como notassem o desperdício de material, colocaram um aparelho na cabeça de um dos médiuns, que por um tubo se ligava à cabeça do operador. Devia ser e era, de fato, um aparelho feito propositalmente, pois tinha todas as características de adaptação.
E a operação começou, naquele ambiente de sufocação. Para mim, difícil ia se tornando suportar a densidade ambiental, por injunção da intensidade hierárquica inferior, em matéria de padrão vibratório. Talvez fosse melhor realizar o serviço de adesão ao meio, aquilo que Mesquita não queria; isto é, materializar-nos à proporção do meio. E pensando nisso, por não poder conter-me num tão mau estado de estar, fui falar a Mesquita. E ele me convidou a sair:
— Fábio já está lá fora; vá a ele, que logo iremos. Quero auxiliar essa gente, segundo como possa e Deus me permita. É você que está cedendo, por pensar de certo modo.
Foi então que notei a ausência de Fábio. Fui para fora, sem me dar conta de que transpunha corpos opacos, sem os sentir, sequer. Lá fora, outra era a atmosfera reinante. Daquilo que as plantas e flores do jardim exalavam, podíamos captar o mais sublimado, deleitando-nos com isso. Esperamos um bom tempo. Quando Mesquita saiu, acompanhado de Cristina e os demais, estávamos em conversa com dois outros irmãos, vindos de esfera também inferior, a quem quisemos falar, densificando nossos corpos, materializando-nos à proporção.
— Vamo-nos? — convidou Mesquita.
E como soubesse que ia ao domicílio, pela primeira vez depois de ter deixado a farda mais densa, exultei de contentamento. Exultei de nervosismo.
ESCRAVOS DO ERRO
Mesquita passou um olho pela casa toda, assim que a penetramos. Dois, dos cinco meus familiares, não estavam nos devidos corpos. Um vagueava pela casa e outros dois dormiam, de fato. Porque pode isso dar-se, naturalmente; isto é, o agente espiritual sair ou ficar dormindo. Tudo será uma questão de querer, de poder, ou de estado de alma ocasional, que motive qualquer dessas razões de gosto e estado.
— Fique, Adroaldo; e estude qualquer coisa de possível, para o futuro, no sentido de modificar para melhor o seu ambiente familiar terrícola. Quem tem uma família carnal, tem credores de bens espirituais, num plano mais denso. Os familiares são credores nossos, de melhorias de toda ordem. Há uma lei que transcende ao grau de parentesco carnal, de base moral, que é a lei de ato, pela qual devemos sempre obrigações de assistência. Esta, posso dizer com certeza, só cessa mediante a repulsa de uma das partes; do contrário, repito, cessada a obrigação de ordem mais temporal, pelo afastamento ocasionado pela dita morte, permanece a obrigação espiritual por excelência, que pode ser executada por diferentes meios e modos de atuação. O sentido histórico da vida de relações, creia, é o mais importante de todos, depois do respeito que devemos aos fatores superiores da vida, que são os de ordem divinal.
E partiram, deixando-me no ambiente familiar terrícola, à vontade.
O que primeiro fiz, foi pôr-me à altura vibratória daquele filho que vagueava pela casa... Bastou querer falar-lhe, para me sentir mais pesado, mais limitado. E como fizesse isso bem à sua frente, perdeu o controle e barafustou corpo a dentro, acordando sobressaltado. E era já um fracasso, pois não? Mas fiquei esperando os outros dois. Onde teriam ido? Um era um menino, muito inteligente; o outro familiar era uma menina, de doze anos, que revelava grande atração pela música.
Saí para o quintal, para ver como iam as queridas plantas. Bafejadas pelo luar da madrugada, suas folhas e flores debulhavam à luz de prata, para cada gota de orvalho. Com a brisa a mover de leve o folharedo, parecia ver-se um baile de grinaldas.
Havia transposto a porta, sem pensar nela; mas aquele filho que se havia refugiado no corpo assim me vira, para logo mais sair, abriu uma como segunda porta, ou o duplo da porta ordinária. Estava eu encostado à parede, a meditar nas coisas da encarnação, como sendo um departamento mais tosco da vida, quando o vi abrir e fechar uma porta, sem precisar de mover a outra, a comum ao plano físico. Já havia lido sobre isso, sobre os duplos gamáticos; e achando interessante, não estranhei.
Tendo permanecido quieto, esperei me visse e me falasse. Mas ele lá se foi, jardim afora, ganhando a rua e sumindo por ela. Talvez fosse melhor assim. Tornando ao interior da casa, fui ter à cabeceira do leito de minha viúva, buscando falar-lhe; pois ela dormia com o corpo. Orei e fi-la sair; estava sorridente, coisa que deixou de ser, ao me reconhecer. Pranteou de cabeça reclinada no meu ombro. Melhor é dizer que pranteamos. Ângela era mesmo um anjo de bondade a tutelar a casa toda. Sua aura era bem uma prova de sua marca espiritual. Verde-clara, sinal de bons dotes conquistados.
Não vi chegar o rapaz.
Quando o dia rompeu por entre as sombras da noite, mãe e filhos levantaram-se e enfrentaram as lides normais. Gostei imensamente, até às lágrimas, daqueles envios de fluidos bons, através de preces que por mim fizeram, antes do café.
— Oremos, agradecendo ao Senhor, como papai gostava de fazer; e oremos também pelo papai... Hoje me pareceu ter encontrado com ele... Chorei tanto e acordei chorando... — disse-lhes Ângela.
E embora me lobrigassem de longe, sei lá em que lugar do infinito, eu receberia as mensagens mentais, acompanhadas de santos eflúvios d’alma. Com minhas poucas forças, coloquei-lhes as mãos sobre as cabeças, uma por vez, desejando-lhes paz, saúde e trabalho, assim como tinha sido instruído, que são essas as coisas que se deve pedir, pois o mais decorre de nossa vontade e capacidade de realização.
E foram-se os mais velhos, ficando em casa os dois menores. Notei que Ângela havia providenciado costuras, para que ela e a menina pudessem cooperar para a manutenção da casa. Arlindo, o mais jovem, dava tratos à cozinha, enquanto mãe e filha dedilhavam tecidos, linhas e agulhas. Que diriam, que fariam, como reagiriam, se chegassem a me reconhecer presente? E, apesar de tudo, fosse qual fosse a impressão, ou o conceito que pudessem vir a tecer, como me viria a sentir feliz, se isso se desse! Porque, afinal, depois do transpor da fronteira tumular, o porquê da imortalidade ganha foros de respeitabilidade máxima, quando se consegue ultrapassar o limite agrilhoante do sectarismo opressor. Dá vontade de gritar ao mundo, de pregar aos céus, de informar às próprias pedras, sobre a imortalidade e a continuidade da personalidade humana. Dá vontade de avisar, que entre a vida e a morte a diferença é apenas de relativa densidade física e variação do meio ambiente. Dizer alto e para sempre, que na vida tudo é continuidade e progresso lento, que a morte não existe, de fato.
Reconhecendo, portanto, que apenas por variação na intensidade vibratória é que não nos víamos uns aos outros, apelei para todos os esforços, no sentido de forçar um possível colóquio, consciencional pelo menos. Queria me sentissem a presença e o tremendo afeto que por eles nutria. Mas, lei é lei. A lei dizia não; e eu não era a lei.
Foi nessa hora que Mesquita chegou, inopinadamente.
— Perturbado? — disse ele, estudando-me detidamente.
— Tentava uma ligação, por tênue que fosse, mas perceptível... Queria que me sentissem a presença...
Ele sorriu, com seu costumeiro e largo sorriso, onde sempre se descobria mais do que aquilo que dizia. E fez a sua sempre simplíssima pergunta:
— Não devia ter começado isso um pouco antes? Teoricamente que fosse, devia ter ensinado aos seus, que um dia passou pela carne um Homem, o mais hierarquizado do planeta, Homem esse que cultivou todas as formas de contato com o mundo dos espíritos, pois expelia aos maus e trocava idéias com os bons.
— Mas fui mal instruído. Bem sabe disso, amigo Mesquita — fiz questão de dizer-lhe, embora interrompendo.
— Antes de mais nada, cada qual deve pensar com a sua própria cabeça, não sendo menos certo que, de todos os mestres, Cristo é o Mestre. Por que, então ouvia a uns e a outros e não procurou ouvir a Jesus? Quem lê o Evangelho encontra, bem como em toda a Bíblia, o fenômeno espírita por toda a parte. Só teria, em sã razão, de ler e fazê-lo com inteligência e bom senso.
— Bem poucos sabem ler assim, senhor Mesquita. O maior número lê segundo as teimas sectárias de uns e a negociata de outros. Outros lêem segundo a tradição; isto é, segundo o ignorantismo de séculos ou milênios de recalques.
— Não há dúvidas de que é assim mesmo — assentiu ele, pondo-se triste.
Depois de meditar qualquer coisa, enquanto me perdia pelas profundezas de cogitações já não cabidas, pois para todas as aplicações deve-se respeitar o tempo de o fazer, emendou ele:
— Mas ninguém deterá a marcha dos acontecimentos... Vivemos um tempo de transição, de revolução na ordem das coisas, de renovação de ordem geral; e se não o fizerem os homens, de boa vontade, por injunção de acontecimentos estranhos e violentos terão de o fazer. A ordem é superior , ninguém contra ela poderia lutar e sair vitorioso. O livro sagrado é o da própria vida, não outro qualquer, em que pese o tacanhismo concepcional das gerações. E a vida compelirá o homem a se desfazer do jugo seboso dos anacronismos convencionais e interpretativos. Os dizeres dos livros foram feitos para o homem e não o homem para os dizeres dos livros. Os livros passarão, a vida não tem fim. As lições de hoje se tornarão deficientes amanhã, mas a vida será um crescente contínuo, em realizações de toda ordem. Eis que, todo aquele que se detém num livro, para sobre ele levantar noção doutrinária exclusiva, dentro em pouco se terá medíocre. E que se dirá de quem faça, por razão qualquer, de um só livro base para interpretações em geral?
Não terá esse que dar com os costados mentais numa dessas brincadeiras de fanatismo, tal como está a Terra farta, pelo que sobra delas em centenas de matizes de credo? Você ainda terá tempo, se Deus nos conceder a oportunidade, de ver, de assistir, de medir a extensão do rampeirismo exegético, da interpretação doentia, feita por pretensos mestres da palavra evangélica, aí por esse mundaréu religiosista. Não se salvasse a boa vontade, amigo Adroaldo, e o Evangelho seria a maior fábrica de estultícies jamais imaginada. E isso, naturalmente, por via das gratuitas interpretações que lhe dão.
— Como vai indo o movimento espiritista? Como sabe, não tenho conhecimento algum do seu desenvolvimento, dadas as minhas aversões, em virtude da escola recebida.
— O que é da Verdade não lhe escapa. Portanto, em que pese a oposição dos conchavismos do mundo, do ronceirismo concepcional, irá ele triunfando. Como já lhe disse, acontecimentos fortes farão com que a Humanidade se aperceba da necessidade de melhores aprendizados sobre a realidade da vida e do Universo. Como se deu com o Cristo, que foi perseguido, preso, julgado, justiçado e morto pelos que se acreditavam donos da Verdade, assim se dá com o Consolador, efetivação de Sua radical promessa; mas, passado o tempo de relutância, espontânea ou proposital, assim como se impôs pela lógica dos fatos Aquele, do mesmo modo este o fará. Porque é para o homem e não do homem. Vem ao homem, de ordem superior, quer tenha de aceitá-lo hoje, amanhã ou depois de amanhã, compreende?
— Compreendo e aceito, amigo e senhor Mesquita. E, como não compreender e aceitar agora, que aqui estou, em mim mesmo sendo um testemunho das afirmações da doutrina do Consolador? Afinal, o fato não é que deve ser respeitado? Eu mesmo sou o ato que prova; como, pois, negar justiça ao que é justo? Durante a vida, na matéria mais densa, pensava como dizia o padre, nos seus sermões e através do jornalzinho que mensalmente recebia, que os fenômenos espíritas eram reais, porém de fundo diabólicos. Agora, sinto-me em dívida perante a Verdade.
E não sei porquê, naquele momento, uma angústia cruel me invadiu todo, obrigando-me a pedir amparo ao amigo presente, para não debulhar-me em pranto. Foi o bondoso Mesquita quem pôs a mão direita sobre minha cabeça, orando com todo o vigor de sua alma regularmente esclarecida. E senti que o céu me bafejava, que as vibrações melhores me invadiam por completo, enlevando-me, fazendo-me sentir a onipresença de Deus. Que estado maravilhoso! Que vontade de lutar pela melhora dos conhecimentos humanos! Que desejo de virar de pernas para o ar, com tudo isso de crônico, de viciado, de idólatra, de atraso, de mercantilista, em que se chafurda o mundo humano, desde remotíssimos milênios!
— Então — disse-lhe — depende dos homens o andamento do Espiritismo, e, com ele, os melhores conhecimentos sobre as leis da vida?
Ele sorriu, inteligentemente, para dizer entre-dentes:
— Depende dos homens, sim... Mas dos homens encarnados e desencarnados, pois não é certo que os homens desencarnados falam e obram, dizendo e operando de modo deficiente, também viciado, também rampeiro? Homens há, na Terra e no Céu, por assim dizer, de todos os padrões hierárquicos, de todos os tons intelectuais. E disso você já teve provas, naquele Centro onde fomos, antes de trazê-lo para aqui. Como vê, a questão é de lá e de cá, é nossa e em geral.
— O problema é muito sério... — comentei, cheio de temores.
— Encare a Humanidade toda, da carne e do aquém carne, para andar certo, com relação ao problema de ordem educacional ou evolutiva. Na carne paira um número de irmãos, milhões de milhões de vezes inferior; o lado sério é este lado, pois destas regiões é que partem, em maior número, em intensidades potentíssimas, vibrações inferiores. Se na carne encontra o encarnado o guante do animalismo, dos instintos, das tendências inferiores, o que é que não há por aqui, em que estão estes planos de minoria? Por estas bandas tudo se conta por multiplicação quase infinita; logo, mais nos toca que a eles, o problema educativo. E isso implica em trabalhos, coisas que sem elementos capazes não se pode encetar. Precisamos de milhões de obreiros! Milhões de obreiros!...
— Mas havendo milhões de milhões de seres!... — considerei, pensando nos que medram nas regiões inferiores, nos abismos por ele citados.
— Pois sou um dos que trabalham para aumentar o número de serviçais na seara do Consolador. A questão é que nunca há intervenção milagrosa e nem misteriosa. Precisamos contar com a normalidade, seja para o que for. E, normalmente, ninguém se faz santo ou conhecedor, pelo simples fato de ser encarnado, desencarnado, convidado ou não a servir à Causa do Senhor. A luta é árdua, lá e cá, porque o problema humano, lá e cá, é um só. Não há salto por que se espere. Tudo marcha de maneira lenta, muito lenta, em virtude do arraigado mental, do tradicionalismo defeituoso. O homem não muda, do pior estado mental para o melhor, pelo simples fato de haver melhor estado mental para atingir; o homem é um escravo, em sua formação mental, pela cristalização de suas próprias maquinações sectárias ou concepcionais. Quando avança, em noventa e nove por cento das vezes, é porque um chuço o tangeu. No mais, dorme sobre o espinheiro da ignorância, esquecido de que glórias indefiníveis lhe aguardam o desenvolvimento.
Aquietou-se por uns segundos e volveu:
— Sem contar com os que vivem nos países astrais inferiores, calcule o número dos que vivem paralelamente ao homem encarnado, caminhando juntamente com ele, pelas vidas do pensamento menos edificante, das ações até mesmo tenebrosas. É de tal modo complexo o problema, que a muitos estudiosos do Espiritismo não cabe o imaginar sobre aqueles que, sendo desencarnados e tendo disso conhecimento, de si mesmos não dêem esforços no sentido de melhorar o padrão. Esteja certo disso; isto é, de que na carne existe muita gente bem mais vantajosamente intencionada do que por aqui nos planos mais densos, onde mesmo na consciência da continuidade da vida, aplica-se a criatura às piores proposições.
E perorando por isto ou aquilo, as horas iam passando.
Lembrei-me daquela ponte sobre o abismo, por me parecer que lhe sentia a profundidade, em todos os sentidos. Queria perguntar-lhe umas tantas coisas, quando foram chegando os filhos, que vinham para o almoço, cada um querendo contar alguma coisa. Mas não ficou neles, somente, o caso das pessoas presentes; uma moça chegou, também, sorridente e feliz, de quem enorme distância hierárquica nos separava, pois Mesquita também lhe era bem inferior, pelo que se podia concluir, facilmente.
— É com prazer que me apresento; chamo-me Alva e sou amiga de alguns séculos de Ângela. Fez ela, por mim, então, tudo quanto pode, criando-me e dando-me a formação moral que valeu muito. Fui enjeitada por minha mãe, que me largou na porta de sua casa. Ângela, que então se chamava Dolores, deu-me tudo o de que poderia carecer uma criança naquela idade. E deu-me tudo o mais, quando menina, quando moça, quando esposa e mãe... Ela foi o meu anjo tutelar naquela vida, razão por que jamais esqueci. Sempre que volto ao espaço, uma vez reintegrada nos conhecimentos do passado, minha alma volta-se para ela. Procuro-a pelos canais competentes; e, encontrando-a, jamais deixo de visitá-la, quando possa. Essa é a razão por que estou aqui, meus senhores.
Estávamos conversando com Alva, quando chegaram, também, os espíritos que haviam sido avós de Ângela, noutra vida. Apresentaram-se e ficamos muito amigos. Pouco depois, meu avô paterno também chegava, rejuvenescido de muito, alegre como era o seu natural. E a prosa girou em torno do meu desencarne e destino funcional. Mesquita disse que tinha, sobre mim, tudo programado, de ordem superior. E Alva ofertou-me seus préstimos, o mesmo fazendo os outros. Alva era, porém, muito superior aos outros, pelo que se insinuava, espiritualmente, de um modo estranho, penetrando os recessos de nossas almas, com os seus dotes de compreensão e elevado amor.
Ao cabo de algum tempo, cada qual foi para sua banda, tendo ficado eu e Mesquita, por mais um pouco. Logo mais, também nos fomos. Osculei em lágrimas, a cada um dos meus, saindo a caminhar vagarosamente.
Foi Mesquita que me convidou a um passeio pela Terra. Fomos onde quisemos ir, detendo-nos ou não, onde bem entendemos. Como é pequenino o nosso planeta! Com o querer pensar, e locomover, não há distância, tudo é já e muito pequeno. A morte, amigos, é a máxima bênção, porque devolve ao espírito o que lhe é por natureza. Mas é preciso morrer bem, é claro. Não digo que o tenha feito no melhor dos estados; mas, outros o fazem piormente... E outros, melhormente...
LENDO O MEU RELATÓRIO
Não é agravante, para mim, o ter desencarnado, nesta última vez, nas condições em que o fiz; pois nada tinha a agravar, por nada ter tido de importante em outras vidas, a me aureolar a fronte de vivedor simples e humilde. Conheço quem não possa dizer o mesmo, por haver esbanjado bens internos em experiências mal orientadas; quem borrifou de fiasco, nova migração pela carne, depois de ter dado de si, em outros tempos, provas de belas realizações. É que, como ninguém se completa de uma só vez, tendo de experimentar situações estas e aquelas, para efeito de complemento, esbarra em ângulos menos eficientes de sua própria organização. Há mesmo, em todos nós que ainda somos pobres de virtudes despertas, pontos fracos, regiões morais menos sólidas. Cumpre, portanto, ao programar nova abordagem à carne, fazê-lo com prudência, não excedendo nos exageros da auto-suficiência. É melhor andar devagar e seguramente.
Não sei o porquê, mas foi Alva quem me veio trazer, um dia, meu relatório. Era e ainda deve ser, devendo estar no departamento competente, um calhamaço em ordem, limpo, bem guarnecido. Não tinha, nem seria preciso ter, como me disseram, referências sobre os primeiros lances do espírito consciente, ou de entrada imediata no reino hominal. Começou, mais ou menos, e com citações mui ligeiras, no tempo da vinda da raça adâmica, há pouco mais ou menos quinhentos mil anos atrás. Não sou adamita, não vim barrado de outro plano, sou evita, sou da raça primitiva como muita gente o é, pois deveis saber que nos compomos, os habitantes da Terra em geral, da carne e dos países astrais, de uma infusão de advindos e primitivos, rareando muito os emigrados voluntários de outros planetas.
Há quem pense muito, sei-o agora, nessa questão; isto é, em ir para melhor casa cósmica, pensando que, para encontrar céus lindos, indizíveis em esplendor, seja preciso deixar a Terra. Que erro grosseiro! Pois, nem cismando coisas ditas sonhadoras, e que em si contivessem os néctares dos sonhos, poderia dizer alguém encarnado, ou habitante dos países inferiores do astral, daquilo que a Terra comporta, em suas zonas mais afastadas, lá para onde não consegue atingir o vibrar inferior das camadas mais próximas do centro.
Porque a Terra é um todo, sendo que, quanto mais para o centro geral, tanto mais inferior, na direta proporção em que, quanto mais para fora, mais divinizados os ambientes são. Descobre o ser, os seus bens inatos, os seus dotes de emanação divina que é, para certificar-se do que afirmamos aqui, de onde o plano geral se torna de fácil compreensão. A Terra comporta todos os céus desejáveis. Que ninguém perca tempo em pensar ir para longe, porque o mais difícil é atingir os cimos dela mesma. Nos seus extremos domínios, possui a casa cósmica dirigida pelo Diretor Planetário, ambientes subidíssimos. Não sei isso apenas por estudos diagramáticos que nos são aqui oferecidos; experimentei o prazer de saber de fato, em virtude de escalada organizadora, como prêmio, e onde Alva era uma das dirigentes da minúscula caravana.
Apenas, é bom considerar, a muita luz cega aos morcegos... Em nossa organização característica, existem três pontos essenciais — o inferior, o ótimo e o superior. O inferior atingimos pela degradação, e não sei até onde possa ir, sem ser que atinge o revolvimento das formas animais primitivas por onde transitamos em simplicidade, o que então era normal. O ótimo é aquele estado normal, como o meu, no presente, que estou em equilíbrio entre merecimento e o meio ambiente. E o superior, que é o forçamento do ótimo, coisa que cansa, pois constitui um sustentar altura vibratória não comum, não ordinária. As alturas cansam muito, sendo normal que, nos extremos do forçamento, não podemos manter o posto por nós mesmos, sendo necessária a intervenção de agentes mais categorizados. Há, porém, para o inferior e o superior, campo acessível, onde, sem prejuízo, se pode viver e servir. Nunca deixaria de haver um campo de flexão, para cima e para baixo, em tons e matizes. Uns sobem para estudar, para encetar aprimoramentos, principalmente nos casos de encarnações missionárias em vista. Outros, abnegados, descem para se tornarem mais úteis, para estarem ao pé daqueles a quem pretendem auxiliar. Os nossos planos estão forros destes tais.
Mas eu dizia de mim mesmo, como evita, como elemento da raça-mãe, daquela raça que ofereceu encarnação à legião adâmica, faz mais ou menos quinhentos mil anos, segundo dizem sábios destes lados, através de seus livros e suas palestras.
Que coisas andei a fazer, então, por todo esse tempo, no seio do cardume humano, na Terra como se fora em qualquer outro mundo da mesma categoria? Vivi e fui, como acontece com todos, preparando meu caráter pessoal. Porque ser uma individualidade distinta, à parte das demais partes, nada demais é; o principal é a organização do caráter, a feitura do próprio eu característico. E demorei-me desanimado, porventura? Não, pois milhões de anos temos vivido, nos planos inferiores, de antes do mineral, nas gamas hierárquicas incontáveis dos reinos anteriores ao reino animal. E como atravessamos o reino animal? De um salto, talvez? Não, pois na Obra Divina, no Deus Manifesto, não há saltos, tudo é paulatino, lento, progressivamente lento.
Revi, também, através de aparelhagens próprias, vidas e vidas, nas eras que se foram, nos continentes que já não existem, no seio de raças que se transfundiram. Adorei a um mesmo Deus por fanatismos vários. Ofendi a um mesmo Deus, pelas razões que também hoje são usadas pelas diferentes religiões, nos seus entrechoques sectários. Defendi cores, bandeiras, clãs, credos. Matei e fui morto. Lá para trás, não muito longe, comi e fugi comido.
Assim como hoje o fazem milhões, na carne e fora dela, ao invés de adorar a Deus, pela decência de conduta, bajulei, lambi, adulei, chaleirei. E não sei se o farei ainda, pois em volvendo à carne, muito mais fácil é temer e chaleirar a Deus, fazer lambetismo indecoroso, do que viver decentemente para com o semelhante, que é o que Deus quer que façamos. A turba humana não sabe ainda compreender e amar; por isso mesmo, teme e adula, por meio de formalismos pagãos, idólatras, em si mesmos repugnantes. A capacidade de hipocrisia é tal, a tal ponto sobe a deselegância em conduta moral-mental-religiosa, que, mesmo depois de reconhecidas as fraudes teologais, os falsos adornos, as verdades postiças, as mentirosas disposições convencionais, ainda continuam a ceder, por via dos rótulos, dos títulos, dos preconceitos, das famigeradas obrigações sociais, protocolares e ditas civilizadas. O homem, de fato, está sepultado bem no fundo do homem fictício, do homem formal, do homem fantoche, do homem convencional. E é por isso que a morte envia, todos os dias, para os rincões de treva, pranto e ranger de dentes, dezenas de milhares de engalanados do mundo, de gente de tripa forra e herdeira de valiosos símbolos do mundo. Se o diabo existisse, seu melhor negócio seria com os titulados das religiões.
Como a morte poderia rir da vida, não fosse ela da vida prolongamento, não tivesse de ser veículo de transições lentas, judiciosas e belas! E, se fosse dado a mortais olhos, no plano da carne, ver em como se transmudam em trevosos certos luminares do mundo? E se o espírito encarnado, que focaliza nos empíreos celestiais a certos seus devotos, fosse dado vê-los nos barraçais de toda ordem? Em que sorte de prostração cairiam milhões de seres, simples e humildes, em vendo a seus heróis apeados de seus pedestais insólitos? Como se portaria a Humanidade, que compra tudo quanto carece de espiritual, quando visse os seus funcionários pedindo, mãos postas, lamacentos, suarentos, tétricos, um pouco de paz, uma medida de redenção, uma oportunidade de ressarcimento? Como se portariam os filhos do povo, em vendo que aos simples pais, mães, filhos, irmãos, gente decente, foi entregue o bastião da espiritualidade, a ordem de autoridade, sendo que aos donos de credos, proprietários do pensar alheio, outro rumo não foi indicado, sem ser o das reencarnações dolorosas, o das provas por vezes horripilantes?
Sim, amigos, imaginai nisso tudo, pois a Justiça Divina vos mostra tudo e de pronto. Quem é esse homem que vedes, sempre, estirando a mão à cata de uma esmola, encostado à porta de um templo qualquer? Não teria estado ontem, lá dentro, a vender sacramentos, ou à custa destes a fabricar ignorantes e simplórios, para mais logo os explorar? E aquele cego, aquele coxo, aquele leproso, aquele surdo-mudo, aquele paralítico, etc.? Quem está por fora vedes, mas quem está no cerne não podeis ver. Contudo, poderíeis imputar fraude, dolo, precariedade, à Soberana e Interna Justiça? Pois não vos confundais, amigos, com os rótulos do mundo. O mundo veste a fantasia de um modo assaz incerto. Daqui vos falamos, porque ordens superiores assim determinaram, em virtude do ciclo que se vence. Nova era despontará, lentíssima, nos horizontes da vida planetária, conclamando ao bem, ao fraternismo sem rótulos, sem presunção, sem ostentação, sem exteriorismos falsos, que primeiro ludibriam aos sentidos e depois chafurdam os espíritos nos antros abismais. De futuro, sem dúvida, respeitar-se-á o ser pelas suas virtudes e pelo seu saber de fato. Quem mais tem mais deve dar, em obras de Humanidade, não em forjaduras idólatras, não em farândolas simbólicas, mistificadoras e infernais.
Revendo o meu longo viver sobre a Terra, em todos os tempos, eras, continentes, raças, povos, credos e pátrias, posso dizer que vi, em linhas gerais, o viver, o deslizar da Humanidade por sobre a Terra. E, se dolorosa é a história humana em geral, desgastando as arestas do interior, em luta contínua contra as quinas do ambiente exterior, também proveitosa foi a dura jornada de milênios. Atravessando o homem coletivo, a Humanidade, os vulcões do mundo exterior, suas guerras e cataclismos, também, conjuntamente, foi conseguido burilar, quebrar cantos, amolgar ângulos de sua estrutura ainda feroz, animal e truculenta. Houve permuta em todos os sentidos, sem dúvida, entre a luta do homem contra o meio e do meio contra o homem, obrigando-o à melhora, ao progresso em geral. E é para isso mesmo que tudo existe em torno do homem, da monera ao macrocosmo: para o tanger, inculcar-lhe o espírito de luta, por idealismo, ciência, arte, necessidades em geral. Nada deixará jamais de instruir ao homem, desde que ele queira pensar nas origens, no plano de ação e nos destinos de todas as coisas. Uma simples formiga é um monumento de estrutura mecânica; sondar numa monera o seu porquê, as suas bases físico-químico-mecânicas vale por um curso técnico que não podemos ainda completar, em virtude de ir esbarrar na transcendência de tudo, na Causa Originária. O simples duplo-etéreo de um homem, encerra desafio a todas as argúcias científicas, apesar dos imensos informes do Consolador, porque em tons e matizes qualquer ordem de fenômeno se estende ao infinito.
E o amor nunca fabricou desgraças, o amor de ordem superior, é claro. Mas vi levantarem-se, dos proscênios religiosistas, não cânticos de glórias a atrair bênçãos, não cortejos de nobres atos a forçar o florescimento de dons de alma, mas sim vi, pasmo, chocado, assombrado, que eles subiam, como fumo de breu, colunas de dor, de ódio, de perseguições, de vinditas cruéis, que subindo um pouco, depois desciam, saturando tudo com a pestilência de suas ingênitas virulências. É que falando de Deus, na Verdade, no Amor, os credos oficializados e organizados em bases político-econômicas, nada mais têm feito que trair e trair! Atiram Deus contra Deus, a Verdade contra a Verdade, o Amor contra o Amor! Nunca! Isso jamais se daria, porque as coisas puras não são atingíveis pelas baixezas do homem ignaro. Estes é que, presumidos e maldosos, se atiram nos abismos, nos grilhões das reencarnações dolorosas. É triste arrastar a coletividade para as concepções indignas do Amor e da Justiça de Deus. Moisés, descendo do Monte Sinai, com ordem de não matar, havendo morto quase vinte e quatro mil, não traiu a Lei, nem em sua forma, nem e menos ainda em seu espírito — traiu-se a si mesmo. O Cristo, dando-se à morte ignominiosa, ressurgiu no mundo dos ultralibertos, coroando com os galardões de mais um imperecível triunfo e poder de mando. Eis que existem, amigos, várias ordens de vitória. Algumas vitórias valem por fragorosas derrotas, por descidas a abismos consciencionais e exteriores.
DEVOLVIDO AO TRABALHO
Fazia já bem tempo que havia deixado a Casa de Recuperação, quando numa de suas visitas, disse-me Alva:
— Mesquita devia ir, também; mas surgiram à última hora, dificuldades imprevistas. Iremos nós, como estava combinado, assistir a uma conferência, na crosta, feita por um irmão encarnado. Como já teve a oportunidade de ver, ou rever a história do homem sobre a Terra, terá agora a oportunidade de ouvir, da boca de um encarnado, uma exposição resumida da mesma história. Como já ouviu dizer, trabalhamos sob a égide de Jesus, no plano geral; mas, no quadro das ramificações obrigatórias, das funções executivas, os trabalhos obedecem à orientação de grandes oficiais, de subalternos categorizados. Assim, pois, os serviços em torno à unificação da fé, por compreensão e não por mística piegas, estão afetos a quem de direito, por outorga da própria Diretoria Planetária.
— Compreendo perfeitamente, amiga Alva, que a Terra vale, para efeito de administração, por um país maiorzinho e bem mais justamente administrado, do que os países pequeninos de nós bem conhecidos. E que assim como os países da Terra possuem seus chefes-supremos, seus ministros, seus governadores, seus secretários, seus chefes de repartições, etc. também um planeta os possui, é claro, e em bem melhores e maiores expressões.
— Muito bem. Pois iremos nós três: você, Cristina e eu. Esteja pronto à hora de costume.
E deixou-me a meditar. Mas a meditar com outro conhecimento de causa, que não aquele dos primeiros dias, quando tudo era confuso. Agora, sabia bem que tudo é por ordem, por hierarquia, por gamas vibratórias e administrativas, havendo direção para tudo, de dentro para fora e de fora para dentro. Tudo simples, natural, altamente respeitável.
Pelas seis e pouco, acompanhado de Fábio, entrou Mesquita. Entrou, devo dizer, para a casa onde então passei a habitar, residência de velho amigo. Porque, afinal, por obrigação funcional ou o quer seja, não quis e não poderia, de fato, ter ido para regiões outras, onde tivesse parentes radicados. Foi imperioso ficar em lugar propício para certo desenvolvimento de atividade. E tudo corria bem, trazendo-me o serviço em curso, a todos os momentos, oportunidades de felizes amizades e ricos aprendizados.
Sorriso largo à vista, saudou-me Mesquita:
— Boa noite, Adroaldo. E boa noite com todos os “rr” e “ss”...
Como se tivesse querido aludir às concepções de certos credos do mundo, que presumem haver e teimam que há, de fato, uma tremenda ou total separação entre tudo o que é dito da Terra e tido como do Céu, ratifiquei:
— Boa noite, com todos os “rr” e “ss”, não há dúvida alguma. Mas sabemos que os nossos “erres” e “esses” possuem encontros inimagináveis, quando se trata de nossas noites.
— Quero lhe dizer, que, apesar de tudo isto ser imensamente belo, profundamente deslumbrante, enternecidamente adorável, tenho saudades das noites de minha terra! O Ceará, com suas noites claras e seus mares bravios, parece que surgiu, de um sonho do próprio Deus!... Demais, a Terra, por si só, sem o desmazelo humano, sem a barbárie intelectualizada, apesar de suas convulsões telúricas, dos extremismos de suas erupções cataclismáticas, não deixaria jamais de ser um poema vivo, palpitante, a atrair perenemente os sentidos do homem superior, da alma capaz de sondar, na pujança dos seus arrebóis, na embaladora doçura dos seus crepúsculos, o porquê da própria vida! Não existe trecho de estrada, galho de árvore, pétala de flor, regato serpeante, que não tenha herdado, pelo menos uma só bênção das musas. A dor, o amor, a alegria, a tormenta, o dia, a noite, o riso, a lágrima, o belo, o feio, a ignorância e a sabedoria, que coisas são, em conjunto, sem ser o motivo de todas as sinfonias, a alma de todas as canções, a base de tudo o que se possa argumentar? Por causa da Terra, amigos, as inteligências mais belas, os cérebros mais atilados, os corações mais amantes, sonharam com o que de mais sublime possuem os céus! Jesus, em Sua grandeza, mandou olhar para os lírios do campo e para as aves do céu. Por que, meus amigos? Por causa da singeleza, por vias das tremendas lições que a simplicidade encerra e prodigaliza.
Alva entrou, ouviu um pouco e sorrindo lhe ciciou aos ouvidos:
— Que cheirinho de poesia anda por aqui hoje!...
— Estamos na hora? — indagou Mesquita, volvendo-se.
— O senhor também vai? — quis eu saber, pois estando presente e dizendo Alva o que disse, supus ter havido qualquer nova deliberação.
— Vou para a crosta, mas cumprir outras ordens. Vou para aquele Centro onde fomos ver aquelas operações espirituais... Lembra-se do caso do Fábio?
— Lembro-me perfeitamente.
— Temos ordens a transmitir aos guias daqueles serviços — informou.
— É interessante — considerei, imaginando no que se teria passado, desde aquela noite, quando bem má impressão tais serviços nos causaram, pelo inferiorismo em geral ali reinante.
Notando-me a curiosidade construtiva, tornou ele, em resumida explicação:
— Expus aos dirigentes o meu parecer. E a resposta levo-a, para, no caso de aceitação do alvitre superior, contribuir com elementos de melhoria em geral.
— A resposta está sendo endereçada aos guias do Centro?
— E os guias falarão aos seus imediatos, que são os trabalhadores encarnados. Não ficaria bem, em tal caso, falar diretamente aos encarnados. Afinal, se outra fosse a ordem intelecto-moral reinante, da parte dos encarnados, outra seria a ambiência do plano astral. Falaremos, pois, àqueles que são o reflexo do pensar ambiental. Como deve ter lido, somos atraídos ou repelidos, pelo modo de pensar e sentir dos que na carne se reúnem. Eles é que possuem a chave, pelo imenso poderio eletromagnético cujos pensamentos fazem intervir.
— E se não aceitarem a oferta superior?
— Continuarão como estão — respondeu, fazendo significativo gesto de ombros.
— Não seria justo impor...
Como que antecipando-se ao meu dizer, sorriu inteligentemente e salientou:
— Nada disso, pois não são de modo algum maldosos; falta-lhes superioridade; falta-lhes evolvimento em hierarquia, doutrina e técnica. E quem para lá se encaminhar, pouco mais ou menos, também estará por essas paragens de merecimentos. Em aceitando, que terão de fazer, sem ser abandonar certas práticas que a todos agradam, que são os ritualismos? E crê que aceitarão?
— Então — intervi — nem conviria aconselhar!
— Enquanto se tratar de lidar com elementos evolutíveis, precisamente por isso, convém tentar.
— Dentre os encarnados?
— De ambos os lados. A lei é melhorar ou subir sempre, avançar sempre, conquistar ao infinito as melhores expressões em performace edificante. Nunca se deve pensar que já se tem ou sabe tudo, estabelecendo o regime de círculo vicioso. Tampouco, e saliente bem isto, deve-se imaginar na obrigação de homogeneidade ambiental; a homogeneidade, para ser construtiva, só sendo de ordem relativa. De resto, precisas são as múltiplas concepções, desde que ungidas de santos objetivos. E queira ou não nossa mente admitir isso, haverá sempre um segundo modo, pelo menos um segundo modo de se entender uma primeira ou última idéia. Lá, pois, apesar do inferiorismo parecer geral, gente haverá com vontade e preparada para avançar um pouco. Essa gente, portanto, ou forçará no sentido de renovação de meios e processos, ou tomará rumos outros, indo frutificar melhor mais para a frente.
— E estamos na hora, pois havemos de ter tempo para mais prosa por lá — observou Alva, tomando o ancião pelo braço e dizendo-lhe fosse chamar Cristina, que se achava pelo interior da residência.
— Morrer, bem o sabia, não significa terminar empreitadas. Mas vejo que o problema humano, por aqui, torna-se múltiplo em detalhes e características interessantes. Sobretudo, considero um ponto de ordem ética: enquanto na carne julgamos que a morte nos separará de certas obrigações, criando uma distância, dispondo barreiras, aqui viemos encontrar uma ordem em todas as coisas e propósitos, pois a unidade nas operações firma-se de modo espetaculoso. Há, compreende-se facilmente, aumento de cuidados em geral, de base educativa, de fundo orientador, num sentido de forçamento universal e contínuo, embora ressalvando o respeito às possibilidades pessoais.
Em ouvindo Fábio assim falar, quis saber mais de perto se qualquer coisa de ordem íntima o ressentia, qualquer coisa toda pessoal. Explicou-me:
— Você também é marinheiro de primeira viagem. Não sente em si uma opressão do meio, uma como que coerção fantástica, principalmente no sentido intelectual da vida? Não lhe parece que nos estão a reclamar alguma coisa?
— Fábio, você bem sabe que eu era católico, e que um católico é apenas um crente empírico, tudo ignorando sobre o realismo da vida de extratumba. Como poderia eu, crente na errônea concepção de uma só vida, na salvação por encomendas ritualísticas, no realismo dos conceitos de céu, inferno e purgatório como territórios, como poderia eu, agora, portanto, não me encontrar em perene encantamento? Estou no céu, estou bem, é o que lhe devo dizer. Nada me oprime, tudo me enleva. Sinto-me uno com Deus, assim como diz no catecismo que logo de entrada nos deram para ler. E quereria eu mais do que isso? Quero é certo, pois assim determina a lei; mas, por ora sinto-me no céu.
Fábio ficou meio desconcertado, cismático, a observar-me bem. Coisas enuviantes deviam estar a lhe entravar o ingresso em melhor estado de estar. Mas, que poderia eu fazer, ou dizer, se vultos de outro coturno silenciavam a seu respeito, a respeito do seu estado de alma? Fiz-lhe ver, em palavras, enquanto Mesquita, Alva e outros haviam ido buscar Cristina, que bom seria falasse claramente com algum chefe. Havia um porquê qualquer, sem dúvida, por resolver, sendo que os elementos e meios não deviam estar longe. Ele, então, falou-me assentindo; iria, assim lhe calhasse de oportuno, escancarar a alma. Para mim, sabia que qualquer deles estava a par de tudo; mas que a iniciativa devia ser dele, por ser dessas coisas cuja ordem pertence à deliberação individual.
Quando vieram do interior da casa aqueles que haviam ido à cata de Cristina, Fábio esboçava leve sorriso, coisa em si ainda bem rara.
— São sete e trinta — avisou Alva.
Com algumas recomendações de Mesquita, partimos deixando-o a sós com Fábio. Isto é, partimos em cinco pessoas, inclusive Alva e Cristina. Com minhas poucas probabilidades de êxito, fazia força mental no propósito de que Fábio, uma vez a sós com Mesquita, dissesse do que lhe ia pelo mundo interno. Talvez por simples questão de fraternidade, quem sabe por razões históricas de mim não lembradas, o certo é que aquela contínua tristeza de Fábio me atormentava.
NO CHÃO DO MUNDO FÍSICO
Não sabia eu para que canto do mundo iríamos. Sabia que iria ouvir uma palestra, que seria proferida por um pregador encarnado. Isso, para mim, tinha significação ampla, tomasse lá a coisa como tomasse, pois vinha de uma escola religiosa falhíssima, inimiga das melhores verdades do Cristianismo e cultora de umas dezenas de formalidades pagãs, copiadas entre um pouco do levitismo hebreu e mais um tanto da mitologia greco-romana. Estava, por mim mesmo, no gozo de superior vilegiatura espiritual. Nunca havia sido trunfo, não tinha nomeada no mundo por resguardar; sentia-me entre vivedor comum da vida e espectador a quem os fados brindavam com suaves meneios de felicidade cosmopolita.
Atravessadas umas regiões escuríssimas, à margem do seu poderio por oposição vibratória que gente sabida e virtuosa dominava a bel-prazer, pousamos nossos pés em terra mais densa. Era o Rio de Janeiro, num subúrbio distante, lugar incrustado entre montanhas e serras. O casario coalhava a paisagem enluarada.
— Vamos andar um quilômetro a pé? — consultou-nos Cristina.
— A questão é o fator tempo — intervi, por fazer meus cálculos.
— Eles começam sempre pelas oito e meia. E eu nasci neste lugar... Quantas vezes cruzei esses caminhos, quantas coisas alegres e tristes estas montanhas me viram viver! Apesar dos desenganos da vida, mas considerando-a como uma sabatina perante a própria necessidade de edificação pessoal, ela é bela e encanta-nos por múltiplas razões. No meu deslizar último pela terra, fiz novas amizades, conquistei conhecimentos, arranjei deveres sociais que não quero se percam no emaranhado dos séculos dos montes e das serras, ouvi a Voz de Deus, assim como através dos vales e o canto das aves pude sondar o que de Divino encerra o ritmo da vida. E olhem bem para o quadro que temos diante; calculem, com alma, a soma de poesia com que a Sabedoria Suprema edulcora a vida do homem, oferecendo-lhe elementos sobre o que raciocinar, material divino com que tecer o manto do conhecimento real. Em sã razão, como se poderia ser ateu, materialista ou partidário do caotismo, em tendo pela frente, para observar, para estudar, para sentir, uma visão como esta?
Realmente, a paisagem era espetacular. Do cimo de uma montanha, apesar do sombreado noturno, o luar favorecia uma visão portentosa. Silente era o local; só de quando em quando, vindo lá dos vales, um som qualquer rompia a quietude enebriante. Eram vozes infantis, pipios de aves, latido de cães, surdamente chegados, quebrantados pela distância. Para o outro lado, rumo das serras virgens, o quadro se mantinha puro, sem retoques humanos. O ondeado se perdia de vista, indo confundir-se com o matizado de estrelas no bordado sem fim dos espaços. E para o espírito recém-chegado na ciência do Divino Monismo, da onipresença de Deus, tudo isso em que faria pensar? Que sentimentos desabrochariam num ser, pela incursão de tais cátedras em seus recônditos sonhadores? Duro seria, amigos, discernir bem à torrente de anelos sublimes que do fundo do eu vinham à tona, tomando expressões idealísticas fantásticas, engorgitando o cérebro, enfunando docemente o receptáculo de anseios soberanos, que todos devemos comportar, embora não me seja possível precisar, quer onde esteja na estrutura do eu, quer do que seja feito, bem assim como me escapa, também, que idade certa poderá ter e até onde teria crescido ou deixado de o fazer, no sentido mais conveniente.
Vieram-me à mente, de chofre, as palavras de Jesus, sobre a carência de simplicidade em que mergulha o homem. Ante tanta sabedoria, tanto esplendor organizado, todas aquelas liras divinais a expor ostensivamente uma Soberana Causa, como podem vingar no mundo, desenvolverem-se, tomarem conta das gerações, pensamentos negadores, filosofias bárbaras, egoísmos destruidores, vaidades chãs, ostentações criminosas? Que germe triste, em que tempo de sua formação de caráter pessoal, penetrou no recesso humano o separatismo, a discórdia, o ódio, a vingança, a idolatria, o mercantilismo do que é universal, puro, presente e à vontade?
Ainda bem que Alva nos convidou a andar, tendo assim descido da montanha a fruir, pela vontade, das influências salutares da vegetação em fragrância. Lá mais embaixo, os ruídos aumentavam em potencial, também aparecendo alguns vultos perambulantes.
— É ali — apontou Alva para uma casinha simples que se elevava sobre o outeiro, cercada de um milharal embandeirado.
Esquecido do meu estado, parei no portãozinho, pensando em bater palmas. Alva sorriu e disse qualquer coisa agradável. Cristina afirmou ter feito isso, muitas vezes, durante suas primeiras entrevistas com o plano mais denso e familiar.
Varando corpos opacos à vontade, viemos a nos encontrar entre oito irmãos da carne e uma dezena de congêneres. Feitas as apresentações, disseram-nos que mais uns milhares viriam, ainda, de variantes pontos astrais, bem como encarnados cujos corpos estavam em descanso no momento, em virtude de situações geográficas.
E a palestra nossa, por engraçado que pareça, girava em torno dos conceitos emitidos pelos encarnados, em prosa entre si. Eram oito pessoas adultas, mas não idosas. O mais velho não teria quarenta anos; e devia ser o chefe de família da casa onde estavam reunidos. Foi Alva que me falou:
— Não são procurados, porque gostam do mais edificante da Doutrina, que é a emancipação intelecto-moral. Onde são distribuídos quitutes ritualísticos, onde as posições de mando vigoram, onde se ofertam curas milagreiras, onde há o ornato aparatoso e mundano, naturalmente deve haver muito mais freqüência. Estes cinco homens e três mulheres, gente do povo, que têm consciência da cauda que ainda carreiam, figuração que faço para configurar a falta de evolução, por isso mesmo buscam afastar-se do que expresse exteriorismo vão. Não possuem um estatuto, uma sociedade, nem dias certos para as suas reuniões; marcam um dia, reúnem-se, estudam, tiram de onde há sobra e põem onde a falta é notória. Amparam casas de caridade, lêem regularmente, assinam revistas e jornais doutrinários. São associados de casas federativas, respeitando o trabalho de divulgação doutrinária que lhes compete... Enfim, estão a par do movimento, no país e no mundo.
E, num momento, um como aluvião de criaturas deu entrada no recinto. No recinto? Sim, mas num recinto que se converteu num imenso salão, à custa, naturalmente, de vontades superiores. O cômodo pequenino multiplicou-se dezenas ou centenas de vezes! O denso, o opaco, o mais relativo, desapareceram! Luzes diferentes, argentinas, banhavam o ambiente geral. E com o dar o relógio dos da carne nas oito e trinta, um jovem, o mais jovem de todos, pediu para que todos viessem para a mesa, pedindo, também para que fossem retirados de cima dela um vaso de flores e uma toalha muito bonita que a cobria. E assim foi feito. Tudo simples, sem adornos extemporâneos.
Todos a postos, e de nosso lado também todos dispostos em escala ascendente, frente ao jovem que iria palestrar, disse ele, falando brandamente:
— “Em natureza, possibilidades e vontade, aqui estamos para mais um ato de estudos proceder, em comunhão com os amigos do continente mais tênue, mais intenso. Deselegante seria, é natural, deixarmos de forçar um contato mental e de profunda significação moral, pela prece, pela emissão de pensamentos. Como o Ser Total, ou Deus, é tudo em todos, porque tudo o que há é modo ou condição de ser da própria Unidade Fundamental, é natural que não iremos fincar os olhos no teto da casa, ou pretender procurar e encontrar a Deus, como figura humana ou de qualquer forma individualizada, fosse em qualquer esquina do infinito, fosse em qualquer recinto preposto. O mais certo, o mais racional, o mais exemplar do ponto de vista psíquico, é que a Deus busquemos no íntimo de nós mesmos, nas profundezas de nossos Egos, no topo de nossas melhores e mais santas fulgurações espirituais. E convém deixemos de parte o medo, o temor, o sentido supersticioso com que os enredos clericais do mundo, de hoje e de todos os tempos, jungiram tais atos de fé, tal exercício do espírito; Deus deve é ser compreendido e amado, executada a Sua Vontade, e, portanto, com Deus devemos conversar, dizer, escancarar a alma, assim como convém e é justo, francamente.”
“Para com Jesus, porém, que é a Entidade Diretora do Planeta, e que por injunção hierárquica orienta dos imos vibratórios, das regiões interestelares, da região-diretora, devemos transmitir nossa mensagem mental, através do éter universal, afiançando que, simplesmente, fraternal e obedientemente, queremos prosseguir no Seu Caminho, que é o da Verdade ou de Deus, por compreendermos a necessidade de emolumentos educativos, em nós mesmos e para a confraria universal. Como autoridade designada, a presença de Jesus é perene, podemos, também, subindo no padrão vibratório interno, comungar com a Sua gama comum. Já temos falado sobre serem as gamas vibratórias universais, correspondentes aos estados hierárquicos individuais. Quem pensar, portanto, num ser, pela concentração, que é a força ondulatória indiscutível, estará procurando sintonia com o seu grau-padrão-vibratório. Se tivermos, portanto, a Jesus nos nossos corações, fácil será lhe dizermos dos nossos desejos, para que nos cumule de oportunidades sagradas”.
E aqueles irmãos encarnados ouviam com tal carinho aquelas palavras, que iam num crescendo fantástico, aumentando em seu brilho, atingindo uma altura intensiva tal, que era lindo de ver, proveitoso de estudar e consolador de fruir. Ao assim ouvir sobre Jesus, também devo ter subido um pouco, chegando a ver e, regularmente, os cinco irmãos que formavam ao lado do jovem que falava, influenciando-o. Eram altas figuras do nosso mundo, aureoladas em luzes mistas, mas onde o azul se distinguia, de mescla com filetes doirados e opalinos brilhantes. E com essa melhora para mim, mais agucei o entendimento, procurando corresponder à graça alcançada. E o jovem prosseguia:
— “Para com os nossos amigos de além-carne, trabalhadores da Causa Sagrada, mantenhamos uma perene certeza: que nos auxiliarão, por determinação do Supremo Poder, na proporção direta em que nos dermos a servir aos nossos irmãos. Ninguém ficou e nem ficará, jamais, sem companhia astral; mas esta será correspondente ao propósito direcional que a criatura se der por seguir. Tudo, pois, segundo como nos dermos a vibrar. Espíritos de todos os alcances hierárquicos pululam pelos espaços e regiões etéreas; cumpre-nos saber o que nos convém, para nesse sentido aplicarmos esforços sintonizantes. Lei é lei; e a que junge aos seres afins nunca será derrogada”.
Estancou um pouco e recomendou:
— “Oremos, pois, em silêncio, que carecemos é de intensas vibrações”.
E oraram pelos Supremos Poderes, pelos guias, pelos sofredores em geral. Emitiram os mais belos jatos luminosos que jamais calculei, fosse isso possível a quem estivesse preso ao continente denso. Em seguida, começou de novo o jovem a sua fala. Aqueles cinco mentores astrais se aproximaram mais do jovem, influenciando-o.
— “Comecemos, portanto, nosso bate-papo de hoje. Tivesse que dar-lhe um título, seria este — ‘Um passeio pela história’. — Porque isso é o que iremos fazer, com as mercês de Deus. E, como de costume, abordemos o mais difícil em primeiro lugar”.
DEUS
“Deus, por ser insondável ao Infinito, é O que temos de mais tangente em nós e O que de mais prático podemos conceber na vida universal. Basta se saiba que tudo é parte de uma UNIDADE, para que se entre de imediato na doutrina do Divino Monismo, onde o que não fosse parte e relação, seria o não-existente. Os que imaginaram um Deus pessoa e distante, por certo falaram a linguagem mais ignara e traçaram diretriz para todas as explorações em Seu nome. Não vê, não sente, não compreende e não vive Deus, pouco ou muito, quem não quer ou aquele que tenha sido educado brutalmente. Sou partícula do Espírito Total. Falo-vos, porque sois do mesmo modo partículas. Assim mesmo tudo o que é, tudo o que existe, seja lá o que for, de antes da matéria e de além das mais subidas idealizações, tudo é Deus em múltiplas condições, formas e estados de apresentação.”
A TERRA
“A Terra — foi dizendo o jovem — é elemento Divino assim disposto. Não fez Deus milagres, porque é Suprema Lei. E não lançaria mão de mistérios, porque é Supremo Poder. Sendo em Si tudo, a tudo de Si mesmo dá origem. Do Espírito passaremos à Energia, da Energia ao Gás, do Gás ao Vapor, do Vapor ao Líquido, do Líquido ao Sólido, tendo assim a síntese das escalas, sínteses que se desmancharão num infinito de potenciais, de intensidades, de densidades, tal como ainda não podemos calcular. Assim mesmo temos os seres, as individualidades espirituais, perfectíveis, sem poder sequer sonhar, com o número e as escalas progressivas.”
“Diz o Anjo Relator do Apocalipse, que Deus é em Si princípio e fim, o alfa e o ômega; sabemos, pois, que assim é, por simples lógica. O que está dentro é como o que está fora, e o que está fora é como o que está dentro, diziam as revelações antigas. E continuamos a dizer, com os máximos expoentes da Verdade, que aquilo que está em cima é como o que está embaixo e vice-versa. Eis, pois, que a doutrina do Divino Monismo, a Sabedoria Máxima, data de milênios sobre a Terra. E a Terra começou, sem dúvida, como começaram e como começarão todos os mundos. Em linhas gerais, para efeito de genética, um é como todos e todos como um. E vamos ao homem, para lembrarmos de todos os seres, fazendo síntese naquele que é o topo na escala biológica. Para explicar a matéria, pois, permanece esta lei — a matéria é Essência Divina assim elaborada ou disposta.”
O HOMEM
“O homem de hoje foi o símio de ontem? Muito menos. Vimos de atravessar todas as gamas da natureza, de antes do mineral. E temos milhares de tons hierárquicos à mercê, para estudar a lei de progresso contínuo. Se lá ao longe, no sentido de longitude evolutiva, temos por exemplo a monera, que muito já realizou no sentido ascensional, aqui perto teremos o homem malvado, ruim, tarado, assassino, ladrão, propositalmente cruel, atestando que ainda muito lhe falta atingir, para alcançar o grau máximo, o tipo paradigma. E falamos a quem queira ouvir; mas a realidade dessa lei, como tudo o que de realismo seja, não necessita de beneplácito de quem quer, para ser. De sempre somos, porque em Deus nada é adventício; a partida a caminho da organização do Ego individualizado, e a caracterização pessoal, porém, sempre variou, em tempo, de uns para outros, bem assim como a solicitude progressiva dependeu e dependerá sempre da iniciativa individual. Verdadeiramente, nada foi criado — tudo é compelido a ser, pelo Supremo Agente, pelo Todo. Ensinando o Espiritismo, o Consolador prometido, o que ensina, dá muito bem para que cada qual se compenetre da Origem, do Plano e da Finalidade. E passaremos ao Chefe Planetário.”
O CRISTO
“A Terra é apenas uma casa cósmica; e não poderia deixar de ter o seu Chefe Supremo. Assim como as abelhas possuem suas rainhas, e outros animais seus balizas e condutores, assim mesmo é que cada planeta tem o seu Chefe Superior, que lhe é o Orientador e Exemplificador Máximo. Nenhum espírito do orbe poderia dizer, falando de Jesus, de quando data Sua perfectibilidade. Sabemos que percorreu, como é lei geral e comum, toda a escala de hierarquias, perdendo-se na noite dos tempos e na poeira das vidas, a colimação que lhe valeu ser indicado como Mentor de um planeta.”
“Desde os remotos dias da raça evita, a primitiva, que mais tarde daria ensejo à reencarnação dos adamitas ou advindos, tem Jesus enviado emissários à crosta, no afã educativo, sendo os informes segundo o poder assimilativo dos aprendizes, que localizados em diferentes pontos, também ostentam diferentes condições de receptividade, segundo a evolução já alcançada e as tendências psicológicas. Mas, para atender a esses acontecimentos, capítulos próprios teremos. O que temos de dizer é que a encarnação do Grande Enviado fora anunciada há milhares de anos antes. E, para quem conhece o mecanismo evolutivo dos mundos, naturalmente compreenderá que a Terra não constituiria exceção. Bom é assim que compreendamos as coisas, para que francamente possamos respeitar as leis. Não há mistérios e nem milagres, na ordem universal; há inteligências que motivam todos os fenômenos à custa de leis universais e por isso mesmo fundamentais. E diremos algumas palavras sobre os imediatos do mentor Planetário.”
OS IMEDIATOS DO SENHOR
“Nos extremos das zonas concêntricas e superpostas, isto é, nas camadas interestelares, ou mais sublimes céus da Terra, pairam as organizações que a dirigem, sob a égide do seu Cristo. São as aglomerações gloriosas, de seres emancipados, vitoriosos sobre si mesmos, cujas funções se desenvolvem prudentemente, num tom decrescente, atravessando todas faixas inferiores, atingindo a crosta e infiltrando-se terra adentro, onde vivem, ou penam, aqueles que, ao invés de forçar a subida pelas práticas salutares, fizeram por descer, utilizando tristemente dotes naturais, faculdades divinizantes. Os imediatos do Chefe Supremo vão-se, pois, escalonando gradativamente, decrescentemente, até virmos encontrar, nas camadas menos elevadas, seres que agem, que lutam, anelados às cadeias hierárquicas. Temos, pois, figuradamente, uma escada por onde a Autoridade desce e sobe, escada que liga todos os trabalhadores do bem, quer os que se localizam nos primeiros degraus, quer aqueles que já se elevaram aos píncaros. E vamos aos mestres vindos à crosta.”
OS REVELADORES
“Nunca veio ao mundo, em tempo qualquer, informante algum, sem ser, em função de autoridade. E quando o funcionário tenha mais ou menos firmado pé nos princípios básicos, ou tenha escorregado pelos ínvios becos do mistifório idólatra, é porque fez de si mesmo questão de vencer ou fracassar, por atender de fato ao crivo superior, ou entregar-se frouxamente às injunções inferiores do meio, quer do meio encarnado, quer do ambiente astral inferior. Porque, seja quem for o agente missionário, venha da altura hierárquica que vier, nunca deixará de estar em gozo de direitos pessoais, jamais deixaria de contar com o sagrado direito de livre-arbítrio. A simbiose, liberdade e obrigação, nunca deixará de ser um fato. Tereis em Jesus, por exemplo, um grande ensino, ao dizer aos Apóstolos que a eles agradecia, por terem estado com Ele, nas Suas tentações ou provações. Ninguém vem ao mundo, para vencê-lo em sua inferioridade, que também não venha, para em si mesmo vencer-se, naquilo onde tenha de vencer. A lei dos ciclos apanha a tudo e a todos, a verdade cármica alcança a todos os seres, cada um segundo a sua estatura evolutiva. Quem veio revelar a Verdade muito ou pouco, porque toda Ela ninguém revelou jamais e nem sozinho revelará, teve de enfrentar agruras e dificuldades múltiplas. A tradição, a poesia, a lenda, o misticismo, a bazófia sectária, o fanatismo, o exclusivismo, e outros corruptores da realidade levantaram concepções, interpretações e místicas tais, em torno de certos ou quase todos os grandes vultos reveladores, que não representam a verdade realmente vivida por eles. Alguns foram roubados, outros foram acrescidos. Deram a uns demais, tiraram o justo a outros. De qualquer forma, porém, uma linha mestra ficou. E em torno de todas as revelações básicas, explorações e comodismos se levantaram. Todo e qualquer trigal, por melhor cuidado que seja, oferece brecha para o radicamento do joio...”
“Muito longe estavam os dias, no orçamento dos tempos e das eras em que um Espírito Consolador pudesse tornar-se de culto ostensivo sobre a carne toda. Sabemos o quanto o ignorantismo humano retarda o avanço libertador das consciências. Mas, os Vedas, os Budas, Crisna, Rama, Hermes, Zoroastro, Apolônio; os Filósofos Espiritualistas; os Grandes Hierofantes; os Patriarcas Hebreus; os Grandes eram, quem mais e quem menos, esforços conscientes ou inconscientes, a fim de que um dia pudesse o Batismo do Espírito tornar-se de conhecimento e culto generalizado. Tomemos a Jesus por síntese, que o é de fato, para de Suas palavras extrair a essência verdadeira:”
“Mas eu vos digo a verdade: a vós convém que eu vá;
porque se eu não for, não virá a vós o Consolador;
mas, se eu for, enviar-vo-lo-ei. E ele, quando vier,
argüirá o mundo do pecado, e da justiça, e do juízo”.
“Quando vier porém aquele Espírito da Verdade,
ele vos ensinará todas as verdades...”
(João, cap. 16)
“Não foi Jesus, portanto, apenas mais um trabalhador em favor do advento da era do Consolador; foi, isso sim, por determinação Suprema, o seu agente máximo, o selado para o grande desempenho, em virtude de ser o Chefe Planetário. Não se passa, nas esferas superiores, o que julgam muitas correntes ocultistas, sobre ser cada espírito livre para o que quiser, podendo tomar a iniciativa que bem entender. O que existe, pelo contrário, é uma ordem reinante que vem das Supremas Chefias, dos Diretores de Galáxias, sendo os Chefes Planetários, executantes dessas ordens. Há ordem para tudo, no que é de Deus. Até mesmo nos abismos pútridos, nas inferiores zonas de um planeta, existe certa forma de ordem — é o poder de mando de algumas entidades. E, nas zonas planetárias de expiação, onde a vida se desenvolve normalmente, mas sob tristes condições ambientais, veremos a autoridade sendo desempenhada, truculentamente, por seres de relativa compreensão. A ordem, pois, está disseminada por toda parte, de alto a baixo e vice-versa.”
“E a vinda de Jesus ao mundo mais corpóreo foi motivada pelo determinismo cíclico, pela movimentação de ordem geral; houve, no tempo, como há de tempos em tempos, movimentações que vão além dos mundos isoladamente. Tudo se move e varia, de inferior para superior, no âmbito das Galáxias. É que ao homem terrícola, todo enfronhado nas coisas chãs dos seus apetites menos elegantes, estas verdades passam desapercebidas.”
“Os períodos de transição, porém, observam em cada mundo, uma intensidade e tonalidade à altura hierárquica do próprio mundo. Em Marte ou Saturno, por exemplo, tomaria o fenômeno transitivo a violência que toma em nossa casa cósmica, inferior como é, ainda, o seu habitante máximo em evolução?”
O que eu achava interessante é que do jovem partiam, segundo a ordem das idéias, ou da concentração mental que nelas punha, diferentes jatos de luz. Ora uma tonalidade de cor prevalecia sobre outra, ora o ambiente se via preso de claridades furta-cores, ora faíscas alvíssimas pareciam partir, tinindo, a caminho não sei de que paragens. A flutuação era intensa em colorações, tonalidades, formas e direção. E os cinco mentores, agora, haviam-no deixado livre; estavam a uns três metros de distância, juntamente com outros seres. E o jovem prosseguia:
“A Jesus, pois, como Chefe Planetário, coube a missão sublime de ser ofertante da Revelação em grande escala. Prometeu-a para dias depois de Sua morte. E o Dia de Pentecostes foi teatro de um fenômeno esplendoroso.”
O BATISMO DE ESPÍRITO
“Quem lê o segundo capítulo do Livro dos Atos dos Apóstolos encontra a promessa de Jesus executada. Não irei citar o texto, por ser obrigação de todo e qualquer cidadão do mundo conhecer esse grande fato da história espiritual da Terra, em sua feição religiosa. Nos dias de Moisés, como cita o Livro de Números, capítulo onze, também se dera um Batismo de Espírito, que veio em seguida a ser deturpado e corrompido, pelos cleros que se foram sucedendo. Da mesma maneira, pois, e segundo a previsão do Divino Mestre, também o Seu Batismo seria corrompido, para mais tarde ser restaurado. Do Dia de Pentecostes em diante, portanto, teremos os Apóstolos a braços com uma nova ordem de serviços — o mediunismo que se ia manifestando, assim como fossem eles andando, pregando, disseminando o Evangelho de Deus. De Deus, sim, pois Jesus fora apenas o fiel Transmissor.”
“Conhecer o Batismo de Espírito, mecanicamente, coisa muito importante é; essencial é conhecer-lhe ou sondar-lhe a profundeza moral. Pelo simples mecanismo, podemos utilizar a lei para o relacionamento com os planos do astral. Mas, por reconhecer e sentir a sua amplidão moral, o seu sentido edificador, far-nos-emos executantes sublimados de seus desígnios.”
“Pedro, instado a falar naquele dia, pôde apenas dizer:”
“Fazei penitência, e cada um de vós seja batizado em nome de
Jesus Cristo, para remissão de vossos pecados,
e recebereis o dom do Espírito Santo.
Porque para vós é a promessa, e para os vossos filhos,
e para todos os que estão longe, quantos chamar a si
o Senhor nosso Deus”
— (Atos, cap. 2)
“Sabiam que haveria, por aviso do Mestre, um derrame de Espírito; jamais, porém, conseguiriam compreender, naqueles dias, o montante de tal fenômeno, quer de ordem mecânica, quer de alcance moral, e menos ainda em sua incalculável extensão científico-filosófica. Pedro dissera, no entanto, o que tinha em si de melhor, de mais puro por dizer. Outro viria, sem dúvida vaso escolhido para outras atividades e mais avançadas distribuições. E veio.”
PAULO DE TARSO
“Não gastei um capítulo especial para Moisés, nem para outros insignes vultos da antigüidade; mas terei muito prazer em falar mais especificamente de Paulo, o grande convertido.”
“Aqueles que perguntaram a Pedro sobre o que fazer com o Batismo de Espírito à mercê, e que receberam de Pedro aquela resposta já citada, estavam como cozinheiras em face de guarnições culinárias desconhecidas. Como prepará-las? De que jeito utilizá-las? E Pedro respondeu empiricamente. Paulo, pelo contrário, fez muito mais — sondou, auscultou, experimentou, tirou conclusão e passou toda a vida a disseminar o que pôde sobre o Batismo de Espírito Santo.”
“Primeiramente teve de enfrentar a vaidade de alguns discípulos, pois lhe queriam negar condições de apostolado, por não ter seguido a Jesus, em vida. Depois, e duramente, teve de discutir com eles, porque a manifestação mediúnica se processava sobre os ditos crentes e os ditos gentios, coisa que feria o egoísmo de alguns e os pseudos privilégios de outros.”
“Pedro também teve de responder por isso, havendo dito de público e raso:”
“E como eu tivesse começado a falar,
desceu o Espírito Santo sobre eles,
assim como também tinha descido
sobre nós no princípio,
E eu me lembrei então das palavras do Senhor,
como ele havia dito: João na verdade
batizou em água, mas vós sereis batizados
no Espírito Santo.
Pois se Deus deu àqueles a mesma graça
que também a nós, que cremos
no Senhor Jesus Cristo, quem era eu,
para que me pudesse opor a Deus?”
— Atos, cap.11
“Se durante o viver de Jesus na carne, nem todos os Apóstolos corresponderam, também é certo que, em seguida ao Batismo de Espírito, nem todos deram de si o melhor possível. Para assimilar bem é preciso conter evolução: e a evolução não se consegue de hoje para amanhã, nem mesmo na companhia de um Jesus Cristo. Saber alguma coisa em base puramente intelectual, teoricamente, não significa conquistar marcas imarcescíveis. Evolução se consegue à custa de luta contínua, de perene avanço no rumo da Verdade. E isso demanda séculos e milênios.”
OS DONS MEDIÚNICOS
“O desabrochar interno é o avançar rumo à Verdade. Por isso mesmo é que não se consegue tanto e com facilidade. Pelo despertar interno oferecemos pólos de contato, ou mediunidades, que variam ao infinito em tons e matizes. E um poder de contato com o plano astral, intenso contato, nunca poderia se dar em qualquer época da história. Como os seres encarnados são vindos das regiões etéreas as mais diversas, sempre houve bons médiuns na Terra, agentes de ligação com o Plano Superior. Do contrário, houvesse liberdade de colóquio em qualquer tempo, para qualquer povo e à vontade, viríamos a ter coisas horríveis por tragar.”
“A promessa do achego astral, mais amiúde, coincidiu com um tempo de mais elucidação sobre as coisas do espírito e em geral. Haverá sempre a intervenção de uma simbiose, de uma coligação de fatores, para qualquer efeito fenomênico de alcance mais coletivo. E na hora, então, surgiram os vultos imprescindíveis. Paulo preencheu uma lacuna, não só dizendo que a promessa era para todos, mas especificando o que era a promessa em si, no que consistia, o quanto pode. Pedro disse que receberiam ao Espírito Santo; Paulo entrou em especificações, disseminando o conhecimento de nove faculdades fundamentais. Para chamar a atenção sobre os dons, diz:”
“E sobre os dons espirituais, não quero,
irmãos, que vivais em ignorância.
Sabeis que, quando éreis gentios,
concorríeis aos simulacros mudos,
conforme éreis levados.”
“Esse capítulo doze, da primeira epístola aos Corintos, por tratar como nenhum outro texto das questões do Batismo de Espírito, encerra em si tanto valor quanto todos os demais textos juntos, por ser o único que expõe o que o Espírito Santo seja, no entender do Apóstolo dos Gentios. Teremos em outros dizeres, partidos de outros Apóstolos, outras concepções; em todo caso, uns queriam fosse o Espírito Santo agente comunicante, enquanto outros queriam fosse o dom intermediário, a mediunidade. Para ser um agente comunicante, tinha de ser excelentemente coletivo, como o provam o fenômeno do Pentecostes e aquele outro Batismo de Espírito, dos dias de Moisés, citado no livro de Números, capítulo onze. Todavia, o Apóstolo dos Gentios, foi quem ficou encarregado de dar especificação mais correta: Eis como fala do Espírito Santo em manifestação na carne:”
“Há pois repartição de graças, mas um mesmo é o Espírito.
E os ministérios são diversos, mas um mesmo é o Senhor.
Também as operações são diversas, mas um mesmo Deus
é o que obra tudo em todos.
E a cada um é dada a manifestação do Espírito para proveito.
Porque a um, pelo Espírito, é dada a palavra de sabedoria; a outro porém a palavra da ciência, segundo o mesmo Espírito; a outro a fé pelo mesmo espírito; a outro a graça de curar as doenças, em um mesmo Espírito; a outro a operação de milagres; a outro a profecia; a outro o discernimento dos espíritos; a outro a variedade de línguas, a outro a interpretação de palavras. Mas, todas estas coisas obra só um, é o mesmo Espírito repartindo
a cada um como quer.”
“Bem se entende que o Apóstolo trata das faculdades, quando fala do Espírito Santo, e não dos agentes comunicantes, que devem passar pelo crivo do discernimento, uma das mais sublimes faculdades, pois o problema, da identificação do agente comunicante, será por muito tempo um problema difícil, realmente problemático.”
“Outra questão por resolver, é o caso de conceituar aos dons como adventícios, como vindos de fora, por graça, por favor, milagre ou mistério. Nada disso. Tudo é intrínseco ao ser, e o razoável é que a manifestação se dá por desabrochamento, pelo despertar interno, como muito já se repetiu. O fato de haver carência de épocas, tempos e desfechos, para os grandes cometimentos de ordem coletiva, isso diz respeito ao plano administrativo, que para tudo aguarda oportunidade, com o fito de chamar atenção para o princípio de governadoria planetária. Não basta que certas coisas sejam em si justas; preciso se faz que todos a reconheçam, pela pujança das manifestações combinadas. É elementar que entre o plano orientador e o orientado, apareça o fator determinístico. E este fator reclamará sempre, como é fácil calcular, um acontecimento de ordem cíclica e um homem-símbolo. Porque sempre serão precisos os missionários encarnados, para que o mecanismo se complete por pólos de contato. Assim, quem tiver inteligência, julgue da vinda à carne dos Vedas, dos Budas, dos Ramas, dos Crisnas, dos Moisés, dos profetas, etc. Sem tais pólos de contato, portanto, o plano superior ficaria impossibilitado de administrar. E assim sendo, os homens-símbolo valem por épocas, por gerações, por convulsões cíclicas...”
“Sem o fator Espírito Santo, ou mediunidade, no conceito de Paulo de Tarso, jamais haveria possibilidade de Revelação, de homens-símbolo, de anunciação de renovos cíclicos; porque para ele Espírito Santo é o elo sagrado, inconfundível patrimônio natural de todo o ser, em quem se acha sempre em estado latente. O que deve ser despertado e acariciado com todas as forças do coração e do entendimento. Bem sabemos das recomendações de Jesus, para não blasfemarmos jamais contra o Espírito Santo.”
“De resto tenho a dizer que cada um compreendia como podia, tendo havido as divergências concepcionais mais avançadas, não só em torno do fator Espírito Santo, como também de todos os ensinos do Cristo. O reino do céu, por exemplo, apesar de repetir Jesus de contínuo, ser de ordem interna a cada um, era aguardado por muitos para daí a dias, por meio da vinda de Jesus, ou por intermediário de um tremendo cataclismo que acabaria com o planeta. E Jesus jamais disse coisa que se parecesse com tais extremos de ficção.”
“Quem quiser ficar com Paulo, fique; quem quiser ficar com outros Apóstolos, fique. Não haverá jamais revelação de interplanos, porém, sem que haja espíritos desencarnados, mediunidades e espíritos encarnados. Por Um Espírito Santo que seja pessoal, terça parte de Deus, ninguém espere, porque disso não há com Deus. Deus é em Si Uno, havendo de Si tudo manifesto, sem trindade alguma, principalmente de ordem especial, para favorecer peçonhas clericais, que sempre surgiram no mundo, à revelia dos fundamentos revelados.”
“E ficou nisso o grande Apóstolo? Não. Havendo especificado as faculdades, disse em seguida do modo de reunir para cultivá-las. Com o Batismo de Espírito Santo reformado, foi por Jesus Cristo o conteúdo espiritualista do mundo, que até então prevalecia em base idólatra, ritualística, em ofertas de carnes, de uma pagodeira sem fim e repugnante. Pelo Cristo, convidado foi o homem para a sabedoria em Espírito e Verdade; e não para a crença em superstições, em adorações através de assassinatos de inofensivos animais. Também o falso, o imundo conceito de privilégio racial foi pelo Cristo posto de pernas para o ar. Cristo veio, com o Seu Amor e a Sua Sabedoria Universal, estabelecer no mundo das formas densas, por meio do mediunismo, o curso de conhecimento do ser. E não adianta digam os fanáticos de crenças estas ou aquelas, ou aqueles que pretendem tomar revelações intermediárias como sendo toda a Verdade Revelada, que o Cristo tenha sido apenas mais um revelador, sem mais autoridade que qualquer outro antes vindo. Isso prova, apenas, desconhecimento do que seja a Organização Diretora do Planeta. E prova, também, que essa gente só tem contato com seres astrais de ínfima categoria hierárquica, seres que da carne partiram fanatizados, e que nas esferas inferiores do astral, continuam no mesmo inferiorismo, a propalar os mesmos divisionismos, as mesmas mediocridades, os mesmos erros. Não basta, pois, que se tenha contato com agentes do mundo astral; preciso se faz buscar sempre o melhor. Os espaços sempre estiveram cheios de espíritos; como, porém, não há promiscuidade, mas sim planos inferiores, intermediários e superiores, que ligados são pelas leis de relação e progressividade, o notável é se procure, pela melhoria vibratória, manter contato com os melhores planos.”
“Como Paulo de Tarso ensinou a cultivar os dons, cumpre dizer o que se disse, para evitar que o mediunismo se dê culto degradante. Como ensinou ele, assim faziam os do Colégio Apostolar, pois houve Apóstolos que em seguida à crucificação do Mestre, volveram ao estado de trabalho e práticas religiosas semi-cristãs, semi-levíticas. Cumpre salientar também que até a corrupção, vinda depois da vitória de Constantino, o Cristianismo assim não se chamava, e sim “Caminho do Senhor”. Foi no quarto século que a corrupção ocorreu e também a troca de nome ou designação.”
“Não vou citar o texto, através do qual o Apóstolo Paulo ensina como realizar o culto do mediunismo; quem quiser saber, busque ler com atenção o que escreveu então, no capítulo quatorze da mesma primeira carta aos Corintos, versos de vinte e dois a trinta e três (I Ep. Corintos, cap. 14, vs. 22 a 33).”
“E nesse modo de culto, amigos meus, permaneceu a Igreja de Jesus-Cristo, por três séculos e pouco, contando de Seu nascimento. Do dia do Batismo de Espírito, porém, há que contar somente uns duzentos e noventa anos, depois do que, conforme as previsões do Divino Mestre, surgiria a corrupção doutrinária. Com a vitória de Constantino, inverteram-se os termos — observando-se os nomes do Deus de Moisés, que o Cristo endossara, havendo sido criada uma mística litúrgica, que seria uma rememoração da vida de Jesus e dos Seus feitos. O grande mal foi terem perseguido o Batismo do Espírito, o culto do mediunismo, o prosseguimento daquele fenômeno do Pentecostes. E isso fizeram, naturalmente, porque o culto mediúnico tendia a fazer com que todos os do “Caminho do Senhor” dissessem — “nosso reino não é deste mundo”, — coisa que às sanhas do Império Romano não convinha. Queria ele, isso sim, homens espiritualistas, mas materializados, em lugar de espiritualistas espiritualizados. O Império precisava de guerreiros, coisa que o mediunismo sempre condenaria, pois sua lição será sempre de Amor e Concórdia, entre os filhos do Único Pai. Constantino e alguns foram, pois, os corruptores do “Caminho do Senhor”, do verdadeiro Cristianismo. Aquele modo de culto mediúnico ensinado por Paulo de Tarso, banido foi do conhecimento popular. O fenômeno do Pentecostes, Batismo de Espírito Santo, para o qual desiderato Cristo veio ao plano da carne, para tornar a mesma carne herdeira de tal manifestação, foi convertido num meio de conchavismo clerical, de justificativa de suborno.”
“E assim permaneceu a corrupção, pelo tempo que o Apocalipse prescreveu, no seu intrincado simbólico. Mas, porventura, teria Jesus Cristo deixado de informar sobre a reposição das coisas no lugar? O cão volveria ao vômito, e a porca lavada de novo tornaria ao lodaçal, conforme previra Pedro... Mas, faltaria água, lustral nos páramos superiores da Diretoria Planetária?”
REPONDO AS COISAS NO LUGAR
“Chegaria o tempo, portanto, de darem os emissários do Plano Regente, início aos trabalhos restauradores do batismo de Espírito, promessa do céu às brumas da carne, segundo a alegoria de um trabalhador de nós muito conhecido. Aquela realidade do Pentecostes, na sua função informativa, volveria ao convívio dos homens. O plano astral teria, em modernos Apóstolos, o meio de falar e incutir nas retentivas, os chamamentos do Senhor. Aquele processo de reunião, tão bem indicado e cultivado pelos Apóstolos fiéis, seria de novo culto dos cristãos de verdade.”
“Roma teria de certificar-se, por querer ou não, de sua insensatez, do seu adultério, do erro de suas práticas. Depois de sujeitar, por séculos a fio, reis e povos ao seu guante corruptor, como diz o Apocalipse, no seu capítulo treze, iria deparar-se com o Batismo do Espírito, a Revelação, a lembrar-lhe o montante de erros perpetrados, como forjadora de premissas sanguinolentas, como cultora de perseguições à Verdade, como fábrica de ignorantismo em geral, acima de tudo como propulsora de incredulidades.”
“E como perdão não existe, mas sim conferem os Poderes Superiores oportunidades de ressarcimento, eis que se aproxima ao espírito de Judas, que tantos esforços havia despendido em atos de regeneração nos primeiros séculos do “Caminho do Senhor”, por sincero arrependimento, a oportunidade de romper de vez os últimos elos que o prendiam ao estigma da tremenda falta cometida, traindo o Mestre por entregar-se às maquinações políticas, que então visavam libertar a Palestina do jugo romano.”
“A ordem foi que volvesse ao plano da carne, ao cadinho purgador que lhe caberia por turno, em virtude de circunstâncias em que exercitara o delito. Veio e animou o corpo de Joana D’Arc. Os colegas de outros tempos, pelas suas faculdades, faziam-se ver e ouvir, segundo a forma das imagens dela conhecidas. Um grande acontecimento temporal, portanto, preparou campo para uma imensa evidência do plano astral, dos fenômenos mediúnicos e de uma grande precisão de ressarcimento. O faltoso reequilibrou-se para com a lei de Harmonia Universal; e o Plano Dirigente, tendo à testa os indicados pelo Divino Mestre, compreendeu a inutilidade do choque mediúnico, frente à monstruosidade do dogmatismo romano. A verdade venceria, é certo, mas teria de avançar por escala. Todavia, com o saldo deixado pelo serviço de Joana, outros louros seriam colhidos. Nenhum sacrifício a bem da Verdade será inútil; no tempo e no espaço, algum dia frutificará.”
“A volta do companheiro faltoso, enobrecido por tão elevado testemunho dado agora, causou muita alegria nos Planos Superiores da vida. O reconhecimento de Joana, do processo usado e da reconquista de sua história, ou de suas vidas, motivou lágrimas de grande contentamento, visões sublimes, bafejos gloriosos, palavras amigas de Jesus. A soberania da lei de causa e efeito, mais uma vez estava acima de todas as cogitações. O perdão deve partir de uns irmãos para com outros, para que casos não sejam apresentados ao Poder Equilibrador do Universo; porque, depois dos casos terem-se dado, ninguém será eximido de culpa, liberto de responsabilidade, a menos que passe pelo cadinho das provas e das expiações. Na vida de Joana intervieram os três porquês, as três razões por que um espírito volve à carne — missão, prova ou expiação.”
“Missão, porque alguém tinha de vir iniciar os trabalhos de restauração do Cristianismo; prova, porque escolheu o programa e a ele sujeitou-se, correndo o risco de falhar, em virtude da prevalecença do direito de livre-arbítrio; e expiação, porque a lei cármica, ou de causa e efeito, não passaria jamais, para que a falta fosse redimida, sem ser por ação equivalente, ou mais certo, por reação proporcional.”
A nota interessante, para os nossos ouvidos atentos e às nossas vidas deslumbrantes, foi a chegada, por essa altura da perlenga, de maravilhoso vulto de jovem, envolta em luzes verde-azulinas, radiantes, suavizadoras. O ambiente estremeceu de júbilo, solidarizado com o espírito redimido... Não é possível descrever cenas destas, com inteireza de narração. Coisas se passam que transgridem a lei do convencionalismo, na qual nos achamos ainda mergulhados, leis inibidoras, restritivas. Todavia, fica dito que os pensamentos do pregador, que logo se tornavam dos assistentes em geral, atraíam, de contínuo, vultos e maravilhosas visões. De onde teria vindo aquele maravilhoso pregador? E o jovem avançava, depondo sobre acontecimentos interessantes:
“Com a experiência de Joana, ficou reconhecido que o fenômeno em si, sem a preparação do ambiente intelecto-moral, nada poderia lavrar de sólido. E nos céus mais elevados da Terra, nas zonas governantes, programas foram traçados. Por isso é que o mundo chegou a conhecer, mais tarde, nos recessos do dogmatismo truculento, perseguidor e assassino, as personalidades de Wicliff e João Huss. Eram agora, os novos emissários, grandes funcionários reformistas. Começavam pela reeducação doutrinária, como convém a todo renovo cíclico de ordem qualquer.”
“Deveis ter lido sobre Wicliff e João Huss, para que me seja dispensado deter-me sobre seus efeitos. Demais, outras ocasiões tivemos, em que sobre tais reformadores falamos. Semearam esses vultos, como é sabido, em terra hostil; tremendas reações do clericalismo tiveram de suportar, tendo sido Huss queimado numa fogueira, no século quinze.”
“E a campanha da Verdade contra os erros prosseguiu; coube a Lutero, no século dezesseis, lançar mais forças contra o maciço da corrupção vaticanícia. E não poderia deixar de vencer, pois as bênçãos da Verdade, expressas na atuação do Divino Mestre e seus imediatos, com ele estavam. Era mais um passo rumo à eclosão mediúnica, que assim como o fenômeno do Pentecostes, tinha de coroar a obra educativa lavrada em bases mentais, em fundo preparatório. Tudo estava em preparo.”
“Em seguida a Lutero tivemos outro grande reformador que foi Giordano Bruno. No seio do vaticanismo é que agiu, até ser obrigado à fuga. Mais tarde, volvendo à terra de nascimento, pagou com a vida o feito de ficar com o Evangelho. A inquisição atirou-o às labaredas crepitantes de uma fogueira. Mas a Verdade avançava.”
“Sobre essas preparações é que, no início do século dezenove, volveu Huss à carne, arrastando consigo a mais empolgante eclosão mediúnica da história. Era mais um homem-símbolo a caracterizar um tempo de transição. O que fez Huss reencarnando, vivendo a personalidade de Kardec, todos sabem. Em todo caso, cumpria-se a palavra de Jesus, profetizando sobre a restauração do Cristianismo. E faço notório que, tendo firmado atenção nos vultos sínteses, nas figuras centrais, lembrados estão todos os que formaram a coroa de auxiliares indispensáveis. Cada um desses vultos foi acompanhado e seguido de milhares de servidores da Causa da Verdade. E que mais teria a vos dizer? Muito, pois os serviços estão em andamento. Com o Consolador radicado no seio humano, lançando os germes da unificação do conhecimento da Verdade, milhões de seres preparam-se para novas lutas contra o reinado das trevas, enquanto outros milhões semeiam, espargem pela carne toda os avisos edificantes do Batismo de Espírito, da promessa do Senhor, pela qual banhou de sangue um lenho infamante; e à qual homens infiéis um dia levantaram traição, corrupção, colocando em seu posto, idolatrias e formalidades pagãs.”
“De Kardec para cá, de ordem da manifestação do plano astral, muitas coisas hão sido ditas, muito progresso doutrinário houve. Trabalhadores competentes nos variados ângulos da Verdade Consoladora têm vindo à banca do mundo, prestar seu concurso aos desígnios amoráveis e sábios do Senhor. E em que pese nuvens negras levantarem-se nos horizontes do mundo temporal, das políticas e seus choques, o Consolador fará o seu serviço de indicar rumos eternos. Perdem-se aqueles que querem perder-se, depois de a lâmpada ter sido manifestada e suas luzes dadivosamente ofertadas.”
“Estamos em pleno tempo de ação vigilante, criteriosa e amorável. Que os doces eflúvios do Divino Mestre, por sobre todos jorre perenemente, quer aos planos da carne, quer aos milhões de errantes trabalhadores astrais, que do mundo maior guiam e orientam nossos passos, na senda que de mais alto o Mestre indica. Está terminada a palestra de hoje. Oremos, agradecendo aos Soberanos Poderes da Vida, por mais esta oportunidade de trabalho, rogando, outrossim, jamais o que fazer nos falte.”
Aquele pedido aos jorros benditos foi atendido; mais tarde, amigos que me estais lendo, sabereis como são tais jorros de santificantes eflúvios. Fraquíssima seria minha exposição. Debilíssima minha palavra, para relatar coisas assim. O que posso é fazer figuração, alegoria talvez exata demais, dizendo que o céu como que descia em forma de luzes divinas sobre nós, num misto de sons e imagens das elevadas regiões, de onde naturalmente provinham. Os céus abençoaram a fala de um homem.
Eu não sei até onde aqueles oito seres encarnados poderiam supor, o que ao seu redor ocorria. Mas sei que todos brilhavam, cada qual a seu modo, segundo seu grau de evolução, que quer dizer identificação com o Sagrado Princípio Interno, que é a Causa de todos os Efeitos. Porque, em verdade, tudo é questão de despertar a santidade ingênita, intrínseca, aquele céu interno de que Jesus Cristo tanto fez recomendação. Nós somos destinados a refletir a Luz Divina que em nós é Base Fundamental. Mas isso não se consegue com os farandolismos exteriores e nem com as posturas intelectuais supersticiosas. É à custa de subir na escala do Conhecimento e do Amor vividos, na vida de relações. Lambetismos religiosistas de nada valem; o que é preciso é Religião-Pura, cada vez mais identificação com a Verdade Fundamental, que não vem de fora, porque está dentro de tudo e todos, porque é Deus, a Essência Divina do Universo, de quem somos emanação.
A debandada espiritual foi maravilhosa. Coriscos vivos, a emitir harmoniosos sons e fulgurações coloridas, invadiam os espaços em todas as direções. E nós seguimos, também, rumo à nossa região-moradia. Quando chegamos ao domicílio de Mesquita, ele ali se achava a palestrar com Fábio e dois outros senhores, de mim não conhecidos. Inquirido sobre o que ouvira, disse aquilo que minha alma sentia, aquilo que o meu coração vivia. Eu não seria capaz de supor, de forma alguma, que uma reunião de encarnados pudesse tanto em repuxos de luz, e acordes superiores. E tenho por certo que a estada do Cristo, pelos Seus imediatos e em capacidade de influências, está mesmo com aqueles que para cuidar das Verdades Eternas se reúnem, assim como prometeu nos dias de Sua passagem pela carne.
E notava a mim mesmo, que crescia em poderes, a cada manifestação dessas a que me facilitavam assistir. Era como um aprendizado vivo, uma como absorção de poderosas forças celestiais, que brotavam de dentro, menos certo não é que vinham pela canaleta dos auxílios fraternos, da maestria de superiores irmãos, quer da carne, quer das esferas celestes. Do fundo de minha alma enternecida, agradeço ao Senhor dos Mundos, a Jesus e Seus servos, por tudo quanto tenho herdado. E se minha palavra se apaga em face da imensidade da gratidão que sinto, peço me sejam dadas oportunidades de a outros servir, para que aquilo que em obras me conferiram, em penhores de ação fraterna possa ser distribuído. Para que assim como senti eu o prazer da Luz Interna, por injunção do puro fraternismo, assim também possam outros vibrar, à certeza de que Deus nos quer simples e amorosos.
PALESTRANDO COM FÁBIO
Estava palestrando com Fábio, dias depois, sobre o acontecido na noite em que Mesquita e ele foram ao tal Centro, onde se realizavam as operações espirituais, de maneira assaz inferior. Dizia-me ele, então, das dúvidas que alimentava sobre a adoção, por parte dos guias, das emendas transmitidas por Mesquita.
— Não aceitarão, tenho certeza, sendo essa mesma opinião de Mesquita. Aqueles guias estão longe do melhor entendimento, por involução. Dois espíritos médicos que lá atuam, em que pese os sãos desejos que os animam, também são psiquicamente inferiores, estando presos a círculos inferiores do astral.
— Então, falaram somente aos guias?
— Por enquanto, sim. Caso algum guia queira, dentro em breve falaremos aos encarnados, em sessão adequada. Por ora, pelo menos, ficou por haver resposta da parte dos guias. Quando Mesquita lá for, um dia destes, saberemos se aceitaram ou não a idéia de reforma.
— Eu pensava que tivessem logrado mais vantagens.
— Não, pois fomos por ordem. São inferiores, ou são como são, como diz Mesquita, mas são bem-intencionados. A tradição achata o homem, mesmo por aqui.
— Se de fato são bem-intencionados!... — atalhei, julgando ao fator boa intenção a meu modo, que é avançar no bem, sempre que possível, sem prevenções e com todas as forças ponderáveis.
— Nossas boas intenções, sobre os céus superiores, ou zonas mais eterizadas, plantar-nos-iam nelas, de momento? Boa intenção é ótima premissa, não há dúvida, para epílogos próximos ou remotos. Contudo, quando se é escravo de vício mental, ambiente formado, principalmente quando se saturou as células cerebrais de convencionalismos, de recalques mecânicos, como se vai abandonar um modo de agir ou crer, pensar e querer? Esses irmãos, por certo, estão como os viciados em certos sentidos de aplicação sectária — não conseguem sacudir de si mesmos o jugo coercível do passadismo lastroso. A embalagem mecânica poderá mais do que a idéia superior, assim mesmo como a prática inferior costuma poder mais do que a teoria sublimada. Admitir o melhor é fácil; vivê-lo é quase impossível.
— O homem será sempre o homem, na Terra ou aqui...
Nessa hora, Mesquita vinha a nós, acompanhado de Alva; deviam trazer recado prazeroso, pelas feições dos semblantes. Levantamo-nos e fomos ao encontro dos dois.
— Começo de função de ambos! — anunciou Mesquita, abraçando-nos.
— Graças a Deus! — exclamou Fábio, baixando a cabeça e ensimesmando-se.
— Andemos? — convidou-nos Alva, apanhando-me pelo braço.
Durante o pequeno trajeto, que mediava, entre o parque e a residência de Mesquita, falamos da função por exercitar. Iríamos residir com Mesquita, até novas ordens, sendo que trabalharíamos para uma organização socorrista do local, de que Mesquita era membro diretor. Tudo era de nossos desejos.
— Amanhã iremos ao encontro do primeiro a ser atendido por você, Adroaldo — disse-me ele.
— Mas ainda sou fraco em aplicações de elementos energéticos. Pelo que me tem sido dado ver, há qualquer coisa de nós mesmos que devemos utilizar, para o encaminhamento dos outros. Não tenho prática desses exercícios...
Sorriu Mesquita e emendou:
— Depende de quem vai atender... Você, por exemplo, terá de entender-se com um evangelista recém-desencarnado. Vagueia ele, sem saber como e nem por que, num campo de paz. Para ali o levaram, durante a turbação inicial, para um sono reparador. Uma vez acordado, passeia pela campina, bebe dos regatos, penetra nos bosques, ajoelha e ora. É preciso que se o avise da morte... Compreende?
— Compreendo que devo esclarecê-lo; mas não sei bem como principiaria por lhe falar. É preciso técnica para tudo, pois boa intenção, como dizia-me há pouco Fábio, é qualquer coisa, mas não é tudo.
— Pois saiba que, sabendo ou não, terá de fazer isso. Fale com sentimento e inteligência. Para o sentimento, lembre que um dia foi recolhido; e para a inteligência, apele para o realismo da vida. Não discuta, afirme. Não comente, exponha. Não prometa, faça.
— Para afirmar, expor e fazer, precisamos saber e poder. E me sinto frágil em tudo, em quase tudo.
— Pois use o pouco de quase o que já começou a sobrar... — saiu dizendo Mesquita, deixando-nos a sós, Fábio, Alva e a mim.
Alva, meiga e amiga, inseriu num sorriso:
— Não tenha receio de nada. As coisas devem andar nos ares sempre, a respeito de quem de fato procura ser útil aos irmãos em natureza e destino. Vá ao seu irmão por orientar, sem receio e nem prevenções, que por fim tudo sairá bem. E se de início não sair bem a contento, compenetre-se de que todos pagamos tributos ao conhecimento, e à técnica de aplicá-lo. Ninguém é obrigado a começar perfeito, nem tampouco é condenável por não o ser.
— Farei o possível — foi o meu remate.
NEÓFITO
Ser principiante ou neófito causa apreensão, seja no ramo que for de atividade. Estar ou não preparado é como ter ou não alma, em certos momentos. O vazio penetra tanto pelas profundezas do Ego, da necessidade de ser alguma coisa para certos feitos, que um tremor nos abala, aniquilando a menor expressão que seja de ânimo. Pelo menos, assim fiquei. Via-me ante um evangelista, um homem conhecedor da Bíblia, eu que só entendia de ídolos e formalidades humanas. A imagem que vislumbrava, do que se iria passar, era a de um teimar que sim e outro que não, até que Deus quisesse intervir, através de alguém melhor, para dar a coisa por terminada, por vencida pró Verdade.
Contudo, lá pelos recônditos impressivos, qualquer coisa se foi definindo como pruridos estimulantes. Para quem tinha passado a vida em adorações formais, que valiam mais ou menos segundo o montante exteriorístico, vinha a calhar bem, mesmo que apenas experimentalmente, um teste de fato. E foi assim que um dia, ou horas depois, sobre o tapete verde de uma campina, o esplendor paisagístico e a brisa suave, vim a encontrar-me com um homem ensimesmado, absorto e vago. Perambulava ele por campos sem fim, imaginoso, parece que sem dar de si conta ou medida, a respeito da incomensurável estuância que o rodeava. Não se detinha, porque a sua visão de alma estaria torva, a observar os prados verdes, as flores multicores, os pássaros bulhentos, a brisa suave, o céu azul e a temperatura tépida; andava, andava sempre, sem prestar a nada atenção, sem beber coisa na fonte exuberante da majestade agreste. Que pensaria ele? Que sentiria? Que gostaria de encontrar? Por quais mundos distantes, na infinita deslumbrância do eu presente, andaria ele a vagar, naquela introspecção acabrunhadora? Não sei dizer palavra; o que sei é que me cumpria abordá-lo. E foi isso o que procurei fazer, concordando em que seria preferível, para todos os fins, que isso se desse à margem de imenso plano, liso e florido.
— Que linda paisagem! — foi o que disse, assim tornado visível, procurando apenas atraí-lo aos meus objetivos.
Ele, de fato, estacou. Olhou-me bem, estudou-me, naturalmente da melhor maneira ao alcance do seu imediato intelecto. Nada disse, todavia; apenas esboçou primórdio de sorriso, assim como quem muito se esforça para aparentar uma satisfação que não pode sentir.
— Não acha linda esta paisagem? — tornei, desconfiado e muito sobre a felicidade do motivo posto a servir de ponto de contato.
Depois de vaguear com os olhos cansados pela planura que parecia não mais ter fim, volveu para o nascente, onde montanhas ao longe bordavam em azul profundo a pala do horizonte doirado. Em seguida, acenando afirmativamente com a cabeça, balbuciou, baixinho:
— É sim... Muito bonita a paisagem...
— Passeia? — forcei, tecendo certa ordem de raciocínio.
Novamente, girou sobre si, encarou os horizontes, olhou para o espaço; e com algum custo, dificultosamente, tornou à fala, franzindo-se todo:
— É mesmo bonita a paisagem... Mas, que vou fazer eu com isso?...
— Admirar é viver internamente a grandeza que se irradia do que Deus fez. O Senhor precisa de estímulos... Todos nós precisamos... Principalmente...
— Principalmente nesta conjuntura? — interrompeu ele, acabrunhando-se.
— Sente-se mal? — indaguei, condoído, observando-lhe a mágoa.
— Tive um ataque de amnésia... Devo tê-lo sofrido...
— Não poderia ter sido outro fato? O senhor, por exemplo, pensa que perdeu a memória e pôs-se a vagar, sem rumo certo, vindo a encontrar-se por estes campos, sem saber como?
— E como teria vindo aqui de outro modo ou por outra circunstância? Eu nunca vi este lugar!...
— E nem poderia tê-lo imaginado, meu amigo. Isto aqui é coisa que o senhor, eu ou qualquer outro dogmático, ou crente em empirismos antiquados não poderia imaginar existisse. Isto é...
— Perdão! Perdão! — começou a apelar o homem, animando-se — Perdão, mas eu não sou antiquado em minha crença, sou evangelista, sou do Senhor. Creio no Deus vivo!
— Ninguém crê no Deus morto, pois seria contra-senso. Quando muito, senhor, o homem pode ser ateu; mas crer em Deus morto, isso não. E relativamente ao seu modo de crer...
— Perdão! Modo de crer eu o não tenho; sou evangelista, sou do Senhor Jesus Cristo! Ressuscitarei no último dia, para a glória, segundo a promessa do Senhor. Ora, disso não tenho dúvidas! Crê e basta, disse o Senhor.
— Sabe que a desencarnação desilude aos presumidos e ensina o que é do Santo Livro da Realidade? Sabe que de um dedalzinho de mediocridades que comportam os livros dos fanáticos religiosistas do mundo, o mesmo fanatismo transforma em tabu, precisamente porque fanatismo significa cessação do direito de raciocínio são?
— O senhor é espírita?! — volveu ele, alerta, avivando-se cada vez mais.
— Eu não sou partidário, como o senhor pensa, mas sou realista, como aprendi a ser, depois que coisas muito sérias se passaram na minha vida. Pode dizer que é do Senhor, que despertará no último dia para a glória, e que não é simples crente e sim um verdadeiro sabedor das coisas de Deus?
— Naturalmente! Tudo depende de se aceitar o Evangelho ou não! E, quanto ao senhor, tem receio de dizer que é espírita, mas de fato o é; os espíritas é que falam ou usam o termo “desencarnação”. E o senhor o usou...
— Pois bem...
— Está vendo?... — interveio sem perda de tempo.
— Pois bem, meu amigo; eu sou espiritista. Tornei-me, porém, depois de ter atravessado o...
— O Círculo do bom senso... O senhor também acreditou nas ditas mensagens e na reencarnação? Olhe que tudo isso é obra do demônio...
— Então Jesus foi mesmo um endemoniado? Pois passou a vida a expelir os maus espíritos e a confabular com os bons. E que fazia impondo mãos para curar, curando a distância e prometendo um Consolador anunciante?
— Pois o Espiritismo nada tem de seu. É apenas uma seita, e que usa tudo o que quer da Bíblia, para se afirmar cristão!
— Tem certeza disso? — reptei-o, calculando o que daí adviria.
— Absoluta! — afirmou ele, sem perda de tempo.
— Tem certeza de que ao morrer ressurgirá, no último dia, para a glória?
— Plenamente!
— E que está passeando pelos campos da Terra, por ter sofrido um ataque amnésico?
— Para mim, quanto à amnésia, penso que sim. Com relação à campina, isso o senhor mesmo pode observar... Não estamos loucos; estamos no uso da razão.
— Pois já morreu e não sabe, meu amigo. Não houve amnésia alguma. Houve apenas um morrer na carne e despertar no espaço, sem necessidade de ressurgir no último dia. Está num dos céus da Terra, ou numa das moradas do Pai. E não tenha receio de que o Espiritismo tenha inventado isto, a reencarnação ou as mensagens mediúnicas. O senhor mesmo irá ver, entender e sentir, uma verdade que não vive à custa das afirmações de credo algum do mundo. Primeiramente quero dar-lhe a ler um livro de nossas bibliotecas, intitulado “O SANTO LIVRO DA REALIDADE”, aguardando em seguida, sua própria palavra de confirmação.
— Com licença, meu amigo... Com sua licença...
— À vontade, amigo, mas com a advertência de que devia estudar primeiro, e dizer qualquer coisa depois. Desconfie de suas certezas, pois eu também tive de abandonar a muitas delas, por imposição de uma verdade que não necessita do beneplácito de quem quer para ser como é. Eu morri, diremos assim, em pleno vigor católico. E vim para estes lados da morte, também sobrecarregado de certezas que não se sustentaram como tal. Temos de aprender com Deus e não pensar em ensinar a Deus. Deixemos os igrejismos dos mundos, os tabus clericalistas, os conchavismos e as pirraças humanas. Pelo menos depois da morte, cumpre sermos mais decentes.
E deixei ao evangelista o tempo que quisesse para raciocinar. Ele olhou para tudo, para o chão coalhado de ervas em flor, para as aves que cortavam os ares, para as copas das árvores frondosas que de quando em quando enfeitavam a linda planura. Estudou-me bem, medindo-me de alto a baixo e vice-versa, por algumas vezes. Depois de muito tempo é que me disse, pedindo:
— O senhor pode garantir-me alguma coisa sobre o que acaba de dizer?
— Até onde Deus e Nosso Senhor Jesus Cristo me afiancem o poder falar e provar. Tenho elementos de prova a lhe oferecer, porque sou um agente do Supremo, em missão de informação e recepção ao primeiro irmão, depois de meu curso de esclarecimentos. Porque, como disse, também vim dos círculos dogmáticos, onde se aprende a crer em fantasias e xingar o realismo das coisas de Deus, em virtude do excesso de empirismo e das deficiências analíticas e experimentais.
— Mas, e as promessas do Cristo?...
— Estão todas de pé, como o seu próprio caso dá testemunho. Veio para os campos de paz, onde dormiu debaixo de frondosa árvore, restaurando certas energias, vindo a dar acordo de si, para logo ser buscado e encaminhado para melhor. Note bem que, sem mistérios e nem milagres, mas em são realismo, como tudo em Deus o é, está sendo guiado, chamado, atendido, na proporção direta aos seus merecimentos. O que deve é pensar com simplicidade, dando a tudo tempo e atenção. Não queira admitir ou negar “a priori”. Investigue bem, sonde os “por quês”, faça mil e uma perguntas, levando em conta que a pobreza de Deus deixa muito longe a riqueza do homem, em verdades conhecidas ou por conhecer. Lembre-se de que o mundo religiosista terrícola, ao invés de viver em função das realidades da vida, quer que a vida e seus realismos vivam, em função de suas futricas teologais, em virtude dos mesmos tacanhismos sectários.
— É interessante!... É interessante!...
— Gostaria de... — e estacou, cismático, tornando a estudar-me detalhadamente, de alto a baixo.
E indagou, num repente, semi-surpreso:
— Nossos corpos, o chão, as aves, o céu azul, a vegetação, tudo isto que se pode ver?... Por que é assim e não de outro modo?...
— Conhece todos os céus da terra? Sabe que a face da Terra também é uma forma de céu? Não pode admitir que o espírito pode, em qualquer mundo, condição ou plano, viver em função do Supremo Determinismo. Como executante de mandatos superiores? Por que pensar e aceitar a tese de que a Terra tenha sido feita por um Deus individualizado, pessoal, antropomórfico, que a largou, em seguida, à sanha de um possível inimigo? Por que afrontar ao Supremo Determinismo, que é íntimo a tudo e todos, com tamanhos rampeirismos? Viver na consciência da Divina Unidade, que é o realismo, que é a Verdade Pura e Inderrogável, não é melhor? Crer na Revelação, por experimentá-la, que é saber, não é muito mais consentâneo com o Evangelho, com toda a Bíblia?
— Mas existem advertências... Em que pese as contradições, existem advertências muito sérias; o senhor deve conhecê-las.
— Existem afirmações muito mais sérias. O sectarismo cuida em tapar o buraco por onde foge o pinto, para deixar aberto aquele por onde escapa o camelo. Todo sectarismo é em si portador de contradição. Como pode observar, todos os Patriarcas, Moisés, Samuel, os Reis, os Profetas, o Cristo, os Apóstolos, todos mantiveram colóquios com agentes do mundo espiritual. Fizeram, falaram, ensinaram, passaram avante, tudo quanto puderam colher através do fenômeno revelacionista. No Livro dos Atos se lê, francamente.
“Vós que recebestes a lei por ministério dos anjos,
e não a guardastes”. (Atos, 7-53).
E o amigo que muito leu sobre a vida de Jesus, sabe muito bem que conversou com os maus e manteve conversa com os bons agentes do espaço. Também, não deve ignorar que prometeu um informador, um Consolador.
— Compreendemos certas coisas, de fato; mas em virtude das deficiências do homem, atribuímos ao homem a culpabilidade de certas falhas, de lacunas dolorosas. Confesso que me choca o ler sobre os grandes acontecimentos da Revelação, na Antigüidade, com a tremenda falta dos mesmos sinais, no presente. Em todo caso, sem poder resolver de outro modo, confiava na fé viva. Não me arrependo de ter vivido em grandeza de esperança, no Senhor. Se a realidade, como diz, depois da morte, força a saber muito mais, tanto melhor. Consciente de que infinito é Deus em natureza e profundidade, nada mais certo de que pressentir a infinidade de Suas manifestações. Mas eu queria ir deste lugar... Sinto vontade indômita de partir para outro lugar, para outros lugares... Parece que alguém me chama, não por palavras, mas por incontida inspiração.
— De fato, trago ordens de encaminhá-lo à região onde moro. É como a Terra, tal qual, de certo modo, mas bem mais divinizada. Frui-se uma vida superiorizada, um gozo de viver, assim como coisa que não tem explicação. E existem céus de imensa envergadura, altamente divinizados... São as moradas dos mais santos e mais sábios. Somos todos iguais em natureza e destinos, mas não o somos em hierarquia. Uns tem mais, porque mais fizeram por ter, sendo que outros até nada possuem, por terem procurado nada ter, ou mesmo perder o que já tiveram. Afinal, amigo, infinitos são os graus de espiritualidade, do mesmo modo sendo infinitos os lugares de estar. Temos, pois ao dispor, infernos e céus à vontade. Mas tudo parte de dentro de nós mesmos. O bilhete de entrada é o esforço próprio.
— Vamo-nos daqui, meu senhor?... Como se chama, por favor?
— Adroaldo, para servi-lo. E o seu nome é Tomé, já o sei, pois tenho o seu documentário imediato aqui comigo.
— Documentário imediato?... Mas... Vamos primeiramente embora daqui?...
E como o novo amigo vibrasse por partir, sentindo eu mesmo uma influência no mesmo sentido, muito pronunciada, fi-lo entender a necessidade de ir por volição. Tomando-o pela mão, fizemos oração, alcançado a região em fração de minuto. Bem soube do grande auxílio prestado por Alva, horas depois. Tinha pois, graças aos amigos, vencido na primeira oportunidade que Deus me havia conferido, através do sagrado mecanismo da vida.
Tomé, por estas alturas, desempenha bela função junto de primorosa organização mediúnica, em terra de língua inglesa. Seu bom conhecimento de inglês garantiu-lhe ótima função esclarecedora, num agrupamento de sinceros amigos da Causa do Senhor, que é a Nossa Causa. Uma moça, médium psicógrafa, passa avante aquilo que ele quer, pode e tem ordens para passar, assim como o faço neste momento. É por determinação superior que as coisas destes lados da vida estão sendo reveladas, em todos os pontos do globo, onde haja possibilidade. Para cada época da Humanidade, para cada tempo, a sua informação. E sabemos que, se estes informes tardaram por ser transmitidos, foi por culpa do mal que os cleros causaram, impondo modos de crer e sentir, completamente inversos à realidade da vida astral. Tivessem permanecido, pelo menos os cristãos, no culto do Batismo de Espírito, e de muito que certas verdades seriam do patrimônio de conhecimentos do homem terrícola. Mas, faremos o devido, como está sendo de mais alto indicado. Quem poderia lutar contra Deus e vencer? Deixemos, portanto, que falem todos os tempos e credos; a realidade da vida vencerá, porque ela apresenta e é, de fato, a Vontade de Deus, mas Deus Onipresente, Impessoal e Determinador Total em tudo e todos.
ACOMPANHANDO FÁBIO
Era mesmo de se esperar que Fábio, com suas experiências e conquistas técnicas, fosse indicado a trabalhos outros, em outros grupos e sob a chefia de mestres no ramo das aplicações magnéticas. Todos nós, naturalmente somos receptores e emissores de fluidos; mas, de par com as possibilidades naturais, coexistem as peculiaridades e aprendizados. Captar e irradiar é comum. Saber captar e aplicar com maestria é outra coisa. E ainda resta o fator tônus, a qualidade do que capta, a elaboração interna a que sujeita e a sapiência na aplicação. Isso não é coisa para se aprender num mês e nem para se conseguir numa vida ou duas. É sabido que o simples fato de modificar o pensar e o sentir faz, imediatamente, se modifique em parte a aura pessoal, quer seja pela imposição vibratória interna, quer seja pela sintonia com os outros graus e outras gamas externas, onde então fará a captação cósmica. Verdadeiramente, todos vivemos, na carne ou fora dela, de contínuo, a captar e transmitir; o que varia de acordo com o “modus vivendi” é a intensidade do mecanismo e a qualidade dos elementos.
Fábio, pois, foi indicado para serviços de passes e curas. É um subdepartamento do instituto, composto de uma vintena de trabalhadores, onde se salientam elementos que agem por delegação, isto é, não só que sabem e podem captar e transmitir, mas que encerram em si autoridade moral e delegada para o fazerem.
Estive presente ao ato de admissão de Fábio, tendo ouvido dizer o chefe de tais serviços, um espírito de reais valores, no ramo:
— Como você procurou conhecer durante a encarnação, há correspondência entre sons, cores e vibrações. Há, também, características próprias e sutis, para efeito de captações e transmissões, bem assim como está todo o ser de posse da faculdade de emprestar valores próprios aos fluidos cósmicos absorvidos. O tônus é conferido pelo ser, sendo que pode variar muito em virtude de suas flutuações mentais e impulsivas em geral. Cumpre saber também que cada órgão interno, pela sua natureza química e ação, possui a sua cor própria, atraindo e expelindo, dando de si condição ou modo de ser próprio aos elementos cósmicos que atrai e concentra. Há que atentar, portanto, para este fato: não é apenas o corpo humano que em unidade se apresenta como capaz de um padrão receptivo e emissivo, ou de dar de si um modo de tônus vibratório, que significa som, cor e qualidade. É que cada órgão por si mesmo faz isso isoladamente, concorrendo para que o todo se apresente a seu modo, com a sua hierarquia tônica.
E ante o grupo de técnicos, onde Fábio formava com a sua atenção crivada nas palavras do chefe, prosseguia este:
— É necessário, pois, pôr toda a atenção na escala cromática, para um bom serviço. Cada órgão reclama sua terapêutica. E embora a elevação de pensamentos concorra para a superioridade, para a elevação do tônus, e conseqüentemente para os resultados seguros, é de atentar-se para o fator externo, que é o doente, o passivo, com o seu grau vibratório problemático, com as suas flutuações, com a sua possível negação absorsiva. Para um bom paciente, a aplicação generalizada ou universal basta; porque ele facilitará, sem dúvida, a que cada raio por si se encaminhe e localize. Mas, ao passivo que não ofereça campo universal, deve-se ir pelas partes, pelos centros em particular. Em nossos hospitais contamos conosco e com os elementos de nosso plano; junto aos encarnados, contamos com os médiuns e os elementos da atmosfera terrestre, ambos riquíssimos em propriedades terapêuticas. Os fluidos emanados dos médiuns, quando estes procuram de fato permanecer em normalidade vibratória, comportam já as tonalidades devidas; são elementos já preparados. Como, porém, surgem complexidades a valer, por via do que podemos ou não, das variantes condições, disposições mediúnicas e diversidades por parte dos passivos, necessário se faz agir com prudência, muita prudência para que os serviços não se tornem nulos, em tempo de emprego e esforços expendidos.
E aprendia eu que nos céus também não existem milagres. Há, sim, leis e regras para tudo, técnicas a serem seguidas, esforços a serem empregados, sacrifícios à cata de obreiros carentes de progresso.
Preparava-me para sair, por ter deveres a cumprir em horas certas, quando o mentor dizia:
— Relatividade é composição. Há que atentar, portanto, para as razões complementares que se possam apresentar, no curso do desempenho funcional. Para agir bem em nossos planos inferiores, curando corpos menos densos e caracteres corruptos, é necessário intervenha todo o quociente técnico possível. Para atender àqueles do lado de lá do limiar etéreo, muito mais cuidado se faz preciso; a densidade dos corpos, a recalcitrância nos hábitos menos edificantes, os vícios funcionais e com eles as taras secreativas, tudo impede a eficiência dos melhores esforços. O homem vive em função dos supremos desígnios e age em função das estultícies que lhe formam o patrimônio tradicional. Precisamos conhecer, ter firme desejo de servir, amar ao ato de dar o possível.
Já ia longe no corredor, e ainda o ouvi dizer:
— Devemos lembrar sempre, porém, que não contamos apenas com recursos técnicos... Pois a coroa de assistência superior há de sempre envolver àqueles que de coração superiorizado derem-se ao afã de lutar pelos irmãos... É que, assim como procuramos atender a uns, preferindo a sombra do anonimato fraterno, assim é que outros, mais bem situados do que nós, também através das leis sublimes da natureza, procuram infiltrar bênçãos valorosas em nossos serviços.
E perdi de ouvir, pesaroso, aquilo que bem gostaria aproveitar.
No dia seguinte, pelas quatro e meia da manhã, fui procurado por Fábio, que, como tinha ficado combinado, iria ao seu primeiro serviço de assistência. Pus-me de pé num momento, uma vez que advertiu:
— Temos que estar junto ao doente em menos de dez minutos. Precisamos aproveitar as últimas horas de repouso matinal. Quanto mais descansados os órgãos, mais relaxados os músculos, menos febril o cérebro e bem diminuídos os vapores de sangue, tanto melhor.
— É encarnado o doente?
— É. A dor o está encaminhando à Verdade...
— Então, tenho razão de achar que a necessidade de dor prova a insuficiência de conhecimento e amor... — quis eu interrompê-lo.
— Mas, calemos, que precisamos partir — advertiu, novamente.
— Vamos sós?
— Não. Três acompanhantes aguardam-nos aí fora... Eu nem saberia ir sozinho à crosta... Dizem que há necessidade de tomar certos cuidados, em determinadas regiões intermediárias.
Tudo pronto, partimos. Éramos cinco homens a rumar para a atmosfera densa do globo sólido, onde um irmão nos aguardava os recursos, por terem por ele feito pedido, em um Centro da localidade. A viagem, porém, não transcorreu por sobre os trâmites mais dificultosos, passando pelas regiões perigosas; valendo-nos dos recursos e vontade daqueles três outros amigos, bifurcamos pelas camadas menos densas do fluido universal, vindo assim a escapar de possíveis dificuldades, ou demoras, pelo contato com gamas menos felizes, sintonizantes com legiões de seres sofríveis, às vezes perseguidores implacáveis.
Quando na crosta, a neblina constituía, para a visão, zeloso sudário. Dormia a natureza terrícola entre os braços de tépida madrugada. Nada de aragens; ruído algum a perturbar a quietude, o repouso das coisas e dos homens. Cinco homens, ou invisíveis forças da manifestação divinal, transpunham, lentos, mas falando alto e bom som, os caminhos solitários daquele interior. E chegamos ao domicílio em vista, casinha pobre erguida ao lado de bambual gotejante. Mas ruído faria um cãozinho que além dormia, se nos visse. Mas nosso plano vibratório era outro.
— Entremos — convidou um daqueles três amigos.
O DOENTE
Uma vez no interior da casa, e no cômodo em que se achava o doente pude verificar, com espanto, que era meu irmão mais velho, de quem havia perdido o contato fazia muitos anos. Isso causou-me muita consternação, a princípio; depois, porém, com as explicações de um dos amigos, tornou-me a paz ao espírito, vindo mesmo a sentir imenso prazer, pelo desfecho que iam dar ao caso.
— Não se turbe por razão alguma, que visamos com esta doença, carreá-lo ao conhecimento do Espiritismo. E como terá de ir junto dos parentes, que deixou distante, por via de um inventário que terá trâmites em movimento dentro em pouco, por ele tornaremos a muitos conhecedores do Batismo de Espírito, razão primordial de nossos trabalhos. Como já deve ter notado, tudo vimos de fazer para que o Batismo de Jesus se torne o mais conhecido possível. O caso deste seu parente e nosso amigo é muito mais que um caso de cura, o que não nos importa muito, será um caso de evangelização à consoladora, o que de fato é interessante.
Subindo em valores mentais e incurso no programa de ação por tanta proximidade, passei a dar ao caso muito de aplicação sentimental. Quando um daqueles três servos de mandato superior ordenou a Fábio que sondasse bem ao paciente, que acordado vigiava os minutos que se iam deslizando por sobre a eternidade, também me aproximei, querendo ver, querendo auscultar. Sorrindo, o mentor encarregado de serviços, disse-me:
— Bem se vê que não aprendeu ainda o bom espiritualismo. Não reconhecesse no doente a um dos seus e assim não se portaria. O verdadeiro amor, amigo, paira acima dos relativismos do mundo. E nem sequer pensa sobre o fim em vista; seus sentires enveredam pelo cuidado puramente físico da vida.
— É verdade... Mas, o que vou fazer?
— Seu irmão, se viesse para estes lados dentro de um ano, por certo que iria para os lugares menos felizes... Procurou muito na vida, mas tudo de ordem material. É pobre de dinheiro, mas foi rico de saúde, tendo gasto o que tinha e o que poderia chegar a ter, em atuações negativas. Não pensou nos filhos, não se deu ao serviço de ponderar sobre a responsabilidade da função paternal. Foi pai infeliz, marido infiel, cidadão deficiente, religioso formal...
— Ele jamais deixou de ser achegado à igreja, nos atos religiosos. Se mais não deu, meu prezado mentor, foi porque também pouco lhe deram — argumentei, não para pretender convencer ao bondoso mentor, mas porque me invadia uma tremenda repulsa contra o que fazem no mundo, aqueles que se presumem ministros de Deus, simplesmente por nada fazerem de caráter verdadeiramente religioso.
— A verdadeira Igreja é aquela que o homem tem em si mesmo, que são os valores inatos, os divinos tributos. Por tais elementos, amigo, cada um pode saber o que mais lhe convenha ou não. Quando Jesus recomendou não se fazer aos outros o que não convém a nós, apelou ou ensinou a apelar para tais reservas internas. Nenhuma organização religiosa precisa ensinar a quem quer que seja que é melhor viver com saúde e em paz, porque isso até os animais inferiores o sabem e prezam, movidos pelo instinto de conservação. Não pode e não deve, pois, homem algum, culpar simplesmente a um credo qualquer, pelo que deixe de ensinar de mais certo. Pela ordem íntima da vida responde, isto é, pela conduta moral-mental-execucional responde o próprio cidadão, ele que sabe até instintivamente o que mais lhe convém, aquilo que gostaria lhe fizessem os outros. Nenhuma religião é contra essa regra intelecto-moral; logo, pela aplicação à vida, quem responde é o indivíduo. Compreendemos as deficiências religiosas dos credos, ou das clerezias do mundo, mas, sabemos que nenhum religioso o é cem por cento, à medida que a sua religião lhe ensina e indica como programa de vida. E se é dado ao indivíduo não aceitar tais ou quais recomendações, por achá-las injustas ou falhas, por que não se responsabiliza ele pelo que pode buscar e cultivar, independentemente de sectarismo, de facciosidade?
O certo é, porém, que enquanto aquele mentor me conduzia o pensamento para longe do trabalho a que se davam Fábio e os outros dois mentores, eu me invalidava como agente emissor de emanações então só prejudiciais, por desenvolver atuação mental de ordem negativa, por particularizar lei de fundo universal, com o meu sentimentalismo de irmão carnal. Naqueles dias, amigos, ainda pensava assim: meus parentes, meus amigos, meus interesses pessoais, tudo tinha de ser melhor, preferível por Deus e pelos homens, encarnados ou desencarnados, pelo simples fato de que a questão era minha ou me dizia respeito. Aquele mentor, portanto, o que quis foi subtrair-me a interferência, sem disso dar-me conta no momento. Mais a distância foi que me disse:
— No encarnado ou desencarnado, amigo Adroaldo, o tom vibratório se modifica em intensidade, em cor e propriedades, de conformidade com o sentimento que o mesmo passe a viver. É preciso encarar toda e qualquer questão, antes de mais nada, de modo universal. Enquanto nossos interesses forem superiores aos dos outros, só porque nós somos nós e os outros são os outros, seremos falhos, frágeis e prejudiciais. O egoísmo, o conservadorismo tacanho, o fanatismo em geral constituem o grande entrave da marcha ascendente da Humanidade. É preciso ser do Universo, assim como o Universo é de todos nós. Temos tudo para ser. Depende de nosso esforço de realização mais imediata. Nós não somos da Terra e nem das suas leis relativíssimas; nós somos Essência Divina, com direitos de universalidade ao infinito. É, porém, em caracterização individual que teremos de elaborar a conquista desses esplendores indizíveis; e com apegos broncos, fanáticos, egoístas, jacobinos ou cabotinos, por certo que não atingiremos a tais píncaros espirituais. No caso de seu irmão, por exemplo, não via o ser imortal com a responsabilidade imensa a pesar-lhe sobre os dias vindouros; via, como costuma ver o encarnado, que quer os seus saudáveis, fortes, rijos, ricos, sobraçando títulos, comendas, regalias do mundo em geral, mesmo que com isso estejam a se aproximar dos abismos, em carreira vertiginosa.
E era isso mesmo, pois assim que me vi envolvido no enfronhado parentesco, no grilhão consangüíneo, deixei de pensar na vida, para pensar na morte; deixei de encarar a coisa pelo prisma deste lado, para encará-lo pelo sistema da carne, que é conservar as aparências, mesmo quando a essência se tenha apodrecido. A enorme valia é que tais mentores não tinham nós ou ataduras pela língua; cultivavam um fraternismo à toda prova, duro, mas eficientíssimo. Por aqui não é possível ser túmulo por dentro e parede caiada por fora... Isso, só na Terra e nos países inferiores do astral. Aqui, e daqui para cima, quem se prender ao menos feliz virá a se encontrar em descida hierárquica, em carreira para os planos menos recomendáveis. E isso não é impossível de se dar; sei hoje de irmãos, ainda cidadãos de regiões pouco menos vantajosas, que de se apegarem às coisas do mundo, por questões de falhas cometidas, ou pretendendo interferir nas obrigações atinentes aos do plano da vida material, ou assim dita, chumbaram-se, tornaram-se doentios, insuficientes para o retorno devido. Até mesmo de males que se haviam livrado, doenças por assim dizer trazidas do mundo carnal, de novo se viram presas, se tornaram vítimas. É bem um grande caso, para estudos profundamente sérios, esse caso da ideoplastia. Por a idéia a funcionar, embalá-la com as forças tremendas do sentimentalismo, eis uma fonte interna capaz de fazer jorrar os céus ou os infernos de dentro do próprio homem! Na carne, a barreira constituída pela mesma carne, não deixa que o desfecho seja repentino; mas nestes planos de vida, com a tenuidade da matéria, para mudar depressa tanto basta se pense com afinco. E esta lei basta para que cada um pense, e pensando se compenetre, de qual seja o poder das obras sobre a edificação hierárquica. Quando o homem quiser certificar-se de que a vida é lei geral, e que o processo do céu é o de ordem executiva na vida de relações, então poderá falar alguma coisa sobre isso a quem chamam de religião.
Religião é o que há de mais grave por ser cogitado pelo homem. Pode mistificar o homem, para o que quiser e o quanto quiser; jamais mistificará para com o seu princípio íntimo de religião, que é onde se refletirá tudo quanto venha a fazer, por mínimo ou estranho que pareça ser às coisas do espírito. No fundo, a verdade é que a vida em si é religião; mas, amigos, é religião segundo a Vontade Suprema, que não pergunta e nem diz, por querer e determinar, no sentido de que cada um, por si, se identifique com a sua santidade interna. Triste destino, pois, o destino dos cultos exteriorísticos, das formalidades, das idolatrias, quer as de ordem mental, moral, intelectual ou material. O Ego, para vir a gozar dos bens latentes, precisa desabrochá-los, nunca, porém, precisaria de torná-los sepultados sob o peso dos farandolismos inventados por homens. Sanear a mente, elevá-la à custa de bons saberes, e por moralização normal pô-la a viver com simplicidade, eis a verdadeira prática espiritualista. O mundo faz o contrário, ensina o caminho inverso, concita o culto dos fantochismos em geral. Para as clerezias em geral, não basta buscar com afinco o melhor conhecimento das leis do Senhor, que são as do Universo; não basta viver decentemente, de modo sadio, é preciso que o cidadão do mundo seja freguês duma banca qualquer, compre quitandas, creia nelas, que as use e recomende ao mundo todo. A vida íntima iluminada pelo sol da Verdade, isso não interessa aos vendilhões dos templos, o que interessa é o abastardamento, a crença nas hierarquias, o apreço pelos graus, pelos títulos, pelos rótulos em geral.
O meu irmão, portanto, havia corrompido, gasto o quantum de poder vital, de que fora ao mundo dotado, em orgias, em relaxamentos; e, naturalmente, sobre si acarreta o correspondente moral, o débito perante a Lei de Equilíbrio, que do íntimo bradaria por resgate, por reequilíbrio, em tempo oportuno, projetando-o ao banco dos réus, que é todo lugar de pranto e ranger de dentes.
Fábio, então, dera de si tudo. E quando foi necessário mais aplicar, então os dois mentores completaram; puseram-lhe as mãos sobre a cabeça, fazendo jorrar sobre ele torrentes de luzes multicores, fluidos curadores, que pelas suas mãos se iam, pelas pontas dos dedos, penetrando no corpo de meu parente. Este, em pouco tempo adormeceu, vindo de fora do corpo, atraído pela vontade daquele mentor que comigo falava, que o puxava pela mão perispiritual. Uma vez saído, cambaleava, assim como se estivesse embriagado.
— Venham para cá — convidou o mentor chefe.
E os dois deixaram o corpo, para virem atender com forças energéticas próprias ao espírito enfraquecido, através do perispírito. Foram novos jorros, mas agora separados, prevalecendo os tons amarelos e esverdeados. Dentro em pouco, com as melhoras apresentadas, passaram aos tons azulinos. Quando estes se foram apresentando bem mais claros, meu mano estava bem disposto, ficava de pé sozinho, procurava falar.
— Veja o seu mano, Adroaldo. Converse com ele — convidou o mentor chefe.
Meu mano teve um abalo forte, precisando de interferência dos mentores. E, depois de um pranto a dois, pois não pude conter-me, fomos volvendo ao tom necessário, de equilíbrio. Conversamos muito bem, graças ao sustento que lhe deram os mentores, Fábio, então, disse-lhe com carinho:
— Vicente, você precisa procurar o Espiritismo. Do contrário não poderá recuperar a saúde, como lhe convém. Tome passes, use a água fluidificada, converse com pessoas espíritas bem esclarecidas.
Fábio foi repetindo, os mentores foram-no recolocando no corpo e ele foi sumido por entre as densidades do plano carnal. Ao dar de si, acordou, meio inconsciente, chamava por mim, repetidamente. E com isso vieram meus sobrinhos, depois minha cunhada, aflitos todos, falando em pesadelos, em quejando tais, menos no soberano realismo por ele vivido há alguns minutos.
— Vamos embora — disse o mentor chefe, acenando com a mão.
Poderosas vontades partiram com o querer. E singramos pelos espaços afora, subtraídos aos vibrares inferiores pelas sintonias com os superiores. Com o Sol a despontar na nossa região, chegamos. Minha alma se apresentava triste, de certo modo bem triste, por reconhecer a fragilidade espiritual do irmão encarnado e a distância em que se encontravam todos, na família, da realidade da vida astral e dos porquês da encarnação. Foi quando um dos mestres me disse, com a bondade que caracteriza os seres realmente fraternos:
— Não padeça por isso... Trabalhe bem, ore racionalmente, que lá iremos tantas vezes quantas necessárias forem, para que o seu parente vá a um Centro e para que ele enverede os demais. Nós ainda falaremos com ele por meio da sua cunhada... Deixe isso com a Sabedoria do Senhor.
Minhas faces se foram banhando. Lágrimas quentes rolaram por elas abaixo, lágrimas de gratidão e esperanças felizes. Quando fui deixado a sós, no meu quarto, queria dobrar os joelhos para orar, vergado sobre o peso da tradição; mas, de pronto, lembrei-me do catecismo estudado, dos seus ensinos. Recomenda o nosso catecismo o máximo respeito pelas obrigações e o envio de ondas mentais para o íntimo do Ego, onde se deve conversar com Deus, a Essência Divina. De pé, com os olhos rasos d’água, o coração transbordando e a mente penhorada às coisas da Vida Superior, agradeci, pedi oportunidades, para trabalhos fraternos. Em torno de mim ouvi palavras surdas, sumidas... Depois ouvi música, melodias, cânticos... O céu interno devia ter atingido a altura necessária, o ponto de contato com as vibrações superiores. As harmonias do Universo, presentes sempre, estavam a ser por mim experimentadas, por apelar a elas, em espírito e em verdade, sem formalidades, sem ídolos, alheio a qualquer idolatria. Foi a linguagem pura de filho para Pai, confessando, desejando o bem; e a resposta foi gloriosa, universal, como resposta de Pai Supremo, em acordes tão maviosos o quão profundos e indefiníveis. Nem nas reuniões coletivas, onde pregadores de outras regiões inflamavam as almas com seu verbo lúcido, assim coisas tinham acontecido. Sentindo em mim, como que ao longe, melodias divinais, deitei-me por alguns instantes.
NUM CAMPO FLORIDO
Que sonho maravilhoso aquele! Assim digo, pois nem sei se sonho de fato o foi ou se constituiu uma saída rápida à deslumbrante região. Nunca cheguei a saber, até hoje, se em realidade existem pradarias assim floridas, espaços com músicas enlevantes, rios imensos de água azul-prateada e brilhante, perfumes e coisas impossíveis de serem relatadas. Em meio a tudo aquilo, uma criança loura de uns três anos, chamando-me pelo nome, guiando-me, numa expressão de felicidade contagiante, quando se volta, falou com a sua vozinha infantil, cheia de graça:
— Nós somos de Um Senhor, Infinito em todos os sentidos. Comportamos virtudes infinitas por desabrochar. Não devemos, portanto, miserabilizar nossas mentes e nossas consciências com as coisas e as impressões dos planos inferiores da vida. É capaz de lembrar-se disto?
— Sou... Se Deus me der as forças...
— Forças nós a temos, por no-las haver dado Deus, desde o princípio, por natureza; o que não devemos é empregá-las negativamente, sob a forma de apegos inferiores, exclusivistas, orgulhosos, racistas, animais, etc. Pense bem, senhor Adroaldo, que não se vive, sem que se seja uma força. O que existe é força, seja lá de ordem qualquer, ou por mais negativa que o seja. O certo é que venhamos a constituir uma força às direitas, no sentido harmônico, acompanhando em vibrações ao Supremo Senhor. Julga ter por acaso a ida de Jesus ao mundo dos encarnados, para tamanho exemplo de esforço direcional conveniente?
— Eu sei que Jesus foi ao mundo...
E acordei. Se foi pesadelo, santo foi ele. Também, mal acordado, eis que por mim chamam, à porta. Quando a abro, era uma jovem do grupo de socorros que vinha avisar-me de serviços por executar, em sua companhia, horas depois. Saí, portanto, em sua companhia, para a rua. Todas as ruas dessa região são amplamente ajardinadas. E creio que melhor tratamento de amor que lhe votam os habitantes não poderiam ter. Cada qual dá às flores, aos jardins, às frondosas árvores, tudo o que pode de afetos puros. E nós sabemos o que significa querer bem, contribuir desse modo pela beleza das coisas que glorificam a vida. Religião não é isso que no mundo carnal faz de conta que é, ou faz-se por ser, religião é vida plena, amante, sábia, feliz, acolhedora, científica, harmônica, altruísta; é viver para tudo e todos, vibrantemente, universalmente, amoravelmente, seja para com os mundos, as nebulosas, os espaços infindos, as pessoas, os animais, as plantas, as pedras, tudo que vive, tudo que é, seja lá o que for, desde que seja manifestação do Supremo Espírito, da Fundamental Essência.
Havendo acompanhado aquela jovem, duas horas depois fomos ter a uma casa da crosta. Devia ser gente protestante, logo calculei, pelas cantorias bonitas com que se dirigiam a Deus, a Jesus, imaginando Aquele da forma a mais antropomórfica possível. Todavia, sentiam muito o que faziam, embalsamando o ambiente de maneira feliz, com radiações vigorosas. Pediam ao Senhor a cura de uma criança, caso isso fosse do Seu Santo Desígnio. Íris, a jovem, foi levar-lhes a resposta do Senhor, resposta positiva. Foi vistoriar o caso, antes de mais nada, pois a menina tinha os intestinos em muito mal estado, fazia dias.
— Esta noite, como você irá ver, havemos de tirá-la daqui para um tratamento em nosso hospital. Faremos a cura pelo perispírito, além de virem médicos depositar elementos de nossa flora nos alimentos da irmãzinha. Ela precisa sarar, pois nasceu para certa função. O mundo carnal precisa de reformadores ou agentes de ideais reformistas; e esta menina irá fazer coisas úteis. Trouxe consigo faculdades mediúnicas vantajosas que, em seu tempo, hão de expor-se, abalando a crendice de muitos. Poderá vir a ser mal compreendida, odiada até; mas, aos servos do Senhor basta-lhes a satisfação de consciência, de mandato em exercício.
A turma de cantores se foi. Nós, também, nada mais tínhamos por fazer, depois de Íris impor-lhe as mãos, passando-lhes fluidos vivificantes.
A noite, por isso mesmo, estava sendo aguardada por mim com todas as honras; aprende-se muito e sempre por estas bandas da vida, no círculo de pessoas agentes do bem. Como Fábio estivesse com tempo, fiz-lhe convite, depois de indagar a Íris se isso seria possível, não prejudicial e do seu agrado. Ele quis muito e assim ficou combinado, para depois da meia-noite.
E a meia-noite chegou.
Quando saímos do instituto socorrista, um grupo de umas dez pessoas mais ou menos, guiado por Íris, foi com destino ao hospital localizado numa região abaixo, posto intermediário entre zonas trevosas e primeiros estágios de restauração e paz. Íris levava encargo no sentido de preparar o necessário para o ato a que a menina houvesse de necessidade. Chegados, pois, ao hospital em vista, deixou ela documento em mãos responsáveis, na portaria do mesmo. E partimos.
Na crosta, e casa adentro, vimos que amorosa mãe velava pelo seu rebento, sentada em cadeira de vime, pensando no Senhor; orava, no momento, desprendendo vigorosos filetes brancos, puros como o seu amor maternal.
— Ponham todos vocês as mãos sobre mim — ordenou-nos Íris.
Feito isso, ordenou de novo:
— Orem ao Sagrado Princípio do Universo, que é em nós a parte e o Todo.
E não havia que pensar em Deus longínquo, depois de tal convite. Passamos, por isso mesmo, a arrancar de nós aquilo que jamais deixou de ser depósito divinal, em poderes e sentires. Nossas almas foram como que se expandindo, tornando-se amplas; cores desconhecidas se foram apresentando, sons maviosos e embalantes se apresentaram a nossos ouvidos. O quarto podia estar escuro para os frouxos alcances do olho encarnado; para nós, porém, tudo era luz e dadivosas bênçãos.
Íris, só então, colocou sua mão direita sobre o ventre da irmãzinha, projetando-lhe eflúvios multicores, que, aos poucos, tomaram a tonalidade mais viva do dourado. Era como se um batalhão de homens bem armados valentemente penetrasse e de chofre pela caverna adentro onde ladrões se escondessem. Porque, assim como os ladrões o fariam, procurando jeito de fuga e esconderijo pelas frinchas e anfractuosidades, assim começaram a fazer, aqueles turbilhões mucosos, numa sortida desesperada.
A mãe, ante as convulsões da filhinha, levantou-se e prontificou-se à higienização. Admirou-se da quantidade de elementos expelidos e do mau cheiro. Mas, notou com satisfação, que o seu anjinho estava com outro aspecto, sorrindo mesmo, como há tempos não o poderia fazer.
Uma vez limpa a criança, colocou-a de novo no leito, acariciando-lhe a cabecinha loura.
— Coloquem vossas mãos sobre a mãe. — ordenou Íris — Vamos aproveitar suas reservas de fluido animal eletromagnetizado.
E ela mesma passou a impor diretriz aos fluidos que começaram a exteriorizar-se pelas pontas dos dedos da progenitora. Com isso, dentro em pouco a menina adormecia. E chegou a hora aguardada.
— Afastem-se um pouco — disse Íris, movendo a cabeça, a sua bela cabeça, de onde despencavam ondeados e sedosos cabelos cor do sol.
E com o nosso afastamento, foi retirado o ser vivente daquele veículo de matéria organizada e sabiamente disposta. A menina estava linda, muito linda, como o seu feliz sorriso, sorriso esse que repercutia no corpinho que dormia. Íris, num jogo de fluidos, vestiu-a como quis, toda de branco, mas um branco radiante, vivo, assim como se falasse, assim como se vivesse. E com seu semblante feliz, sem falar, acenou para a saída imediata. E foi só querer, pois ali todas as vontades eram sua vontade. A mulher, para certas coisas e disposições, é sempre mãe e objeto de superiores cuidados.
Não sei o lapso de tempo gasto na travessia; mas foi como estar ao mesmo tempo nos dois lugares, tal a precisão do acontecimento. Não levamos a menina para a nossa região-moradia, para a nossa zona astral; fomos aportar em rincão de mim não conhecido, zona relativamente inferior, céu eivado de penumbra; mas havia organização hospitalar à altura das necessidades, direi próprias, julgando aqui de modo muito condicional, pois me parece que o ponto forte, sempre, é merecer. Verdadeiramente, merecendo, havendo cabimento executável, o que se não pode dar? O que seria impossível?
Introduzida a menina num recinto apropriado, ei-la entregue a gente do mais apurado metier. Deitaram-na sobre um leito alvo, puseram-na sem roupa, focalizaram-na sem e com aparelhamentos vários, apetrechos técnicos e observações em geral. Em seguida, depois de repicar de um palavreado técnico, para mim sem importância, pois o que me punha extremamente curioso não era isso, que é bem da Terra, houve quem dissesse:
— Só mesmo convocando Eliel. O caso reclama outras intervenções...
Alguém, do círculo, interveio:
— Pois que vá Íris ao encalço de Eliel!
Íris não se fez de rogar; sumiu de diante de nós, mesmo que me pareça tê-la visto sair por uma das portas. E minutos depois, nem cinco deles, creio, ei-la de volta, em companhia de um senhor muito alto, louro, fisionomia alegre e olhar mais bondoso que inteligente. Com a chegada de Eliel, todos o saudaram, com carinhoso afeto. E ele, simples, encaminhou-se para a menina, que sorria feliz, penso eu que, sob a influência dos fluidos de Íris, para acariciá-la, dizer-lhe palavras, que, decerto, a menina não compreendia. Havia, porém, uma qualquer coisa nesse homem simples, cujo olhar radiava extrema bondade.
— Que acha? — indagou um dos do hospital, que devia ser médico.
— Que devemos intervir — respondeu o homem simples, automaticamente.
— Com os projetores? — indagou o homem do hospital.
— Com ambas as projeções... A mecânica e a psíquica.
Com isso dito, mais gente foi convocada, gente que veio formar em torno do leito. Quando todos estavam a postos, o homem simples avisou:
— Todos nós, como sabeis, estamos fundamentados em Deus, na Essência Básica ou Divina do Universo; devemos, pela educação em geral, saber ir a Ela e colher o necessário, para nós e para quem o queria. É o que iremos fazer, mais uma vez, a bem desta nossa irmãzinha. Busquemos, pois, o Sagrado Princípio do Universo, dentro de nós mesmos. Pelo que viermos a luzir, naturalmente saberemos do alcance atingido. Sabendo não ser alheio a nós, Deus, deixemos o resultado a cargo de Sua Soberana Justiça. Oremos, converse com o Pai Comum de tudo e de todos.
Se cada um pensa como pode, certo é que cada qual ora como pode, também. E ninguém foi convidado a dizer isto ou aquilo. Porque, para falar com Deus no templo interno, não há que gritar, nem falar alto, nem murmurar. Há que fazer profundo silêncio. E isso foi acontecendo. Dentro em pouco, parecia ter-se o ruído transformado em nada. O simples zunido, forma em que se apresenta o ruído distante, pareceu desaparecer. Ou ele sumiu de nós ou nós o deixamos, por razão qualquer ou lei atinente.
E, coisa curiosa para mim, de tremenda significação, foi que passei a ver com os olhos cerrados. E data desse dia, essa faculdade de que muito tenho feito valia, em meus trabalhos de espírito socorrista. O que mal vejo de olhos abertos, melhor enxergo com eles fechados. A nitidez é outra, outro é o alcance rumo ao infinitesimal.
Via, pois, com precisão, tudo o que ia pelos intestinos da menina. Se não tenho alcance para dizer de órgãos e acidentes, posso ao menos dizer que vi coisas que estão muito longe do alcance científico, e mesmo de imaginação, de muitos ditos sábios do mundo carnal. Quando Deus quer, direi, tudo será insignificante, quase inexistente, na ordem relativa, ou das coisas ditas da Criação, daquilo que é de acento material, seja da alçada que for, em densidade ou intensidade. Porque o quarto passou a brilhar, e numa intensidade tal, que me vi na contingência de apelar por auxílio, por meio de um gemido surdo, indefinível, transportante.
— Mantenha-se calmo o mais possível — disse o homem simples, num tom de voz que parecia vir das profundezas de si mesmo, lá onde devia estar conversando com o Supremo Todo, ele que devia já poder fazer isso, pelas suas conquistas internas.
— Sim... sim... — foi o que me lembro ter dito.
Ao cabo de minutos, que pareceram séculos, tanto se viveu em tão pouco, gradativamente tudo foi volvendo ao natural. Eu chorava sem saber bem por que, sentindo em mim torrentes de glória e eternidade me rondarem a alma enternecida; e os outros, mais experimentados do que eu, por que chorariam?...
Tudo era natural, diz o homem simples:
— Se for preciso, volveremos... Mas, tenho certeza de que não o será. Graças do Supremo Princípio verteram das profundezas de todos os presentes. Eu vos agradeço, amigos, por tanta dedicação ao próximo. Deus vos pague. E não vos esqueçais, de que estarei sempre ao vosso dispor, para estas subidas de espírito, nas alturas divinais de nós mesmos. Adeus, amigos, que me chamam para outros deveres.
Quando ele devia estar bem longe, perguntei a Íris:
— De que círculos do mundo veio esse irmão?
— Não se iluda, que não alcançou isso com meia dúzia de encarnações. Vem, portanto, de ciclos e ciclos, de eras e eras, num crescendo contínuo, como é natural para todos.
Pauseou e logo prosseguiu, fazendo um trejeitozinho gracioso, todo seu:
— Mas, na última encarnação, para libertar-se de certas quejandinhas de uma vida remota, quis ter e Deus abençoou o seu querer, a vida trabalhosa de um médium de cura, pobre e sem letras, escravo do dever. Findou os seus dias num abrigo, desconhecido de todos, onde fazia questão de servir no que lhe estivesse ao alcance, isto é, ao alcance de um corpo encarquilhado, curvo aos anos e debitado ao laboratório comum. Não ostentou títulos, não teve preferências exteriorísticas, não lhe fizeram discursos encomendatórios na hora do enterramento dos restos, a quem tanto trabalho deu, de quem muito extraiu vantagens.
Enquanto Íris terminava seu breve comentário, trabalhadores da casa dispunham a menina de modo a poder ser recambiada ao corpozinho distante. Assim a jeito, é Íris quem convida a partir. E partimos. Tudo rápido, sem rodeios; entre um piscar de olhos, eis-nos de novo na crosta com a serva a depositar o espírito no seu invólucro temporário. Passou-lhe as níveas e brilhantes mãos da cabeça aos pés, por várias vezes, comprimindo elementos etéricos e astrais no sentido que desejava, que sabia necessários.
— Com esta sobrecarga de elementos intensíssimos em saúde, o corpo somático cederá. As bactérias já foram eliminadas e os tecidos estão em franca restauração. Aguardemos um pouco, até que a mãe lhe prepare o que comer, para que Davi ministre o necessário no alimento.
Eu nem pensava em Davi, um amigo da região, mas que desempenhava função em zona inferior, chefiando um laboratório. Naturalmente, alguém devia ter-lhe passado informe. E para Íris, fácil lhe seria avisar, dispondo, como dispunha, de imenso cabedal psíquico; querer locomover-se, para um espírito de tamanha capacidade em mutação perispiritual, é pensar e fazer. Quando quer densificar o seu corpo, pensa e faz; quando quer furtar-se à densificação, e ingressar em gamas vibratórias que lhe facilitam a invisibilidade e a ligeireza do pensamento, também o faz, também o executa, simplesmente desejando com firmeza.
Quando, pois a menina iniciou um chorozinho e a progenitora, acordando, veio pressurosa atendê-la, Íris nos avisou:
— Fiquem aí, que voltarei num minuto. E sumiu diante de nós, como se fosse uma coisa que sendo, num repente deixasse de sê-lo. Também, para voltar, foi como se tivesse sumido e reaparecido; o jogo da vontade, portanto, operado com o máximo de eficiência e precisão. Veio acompanhada de Davi, que trazia a sua mala forra. E para quem queira pensar na vida, ou processo de vida para além do túmulo, sabendo-o duplicata apenas mais tênue da vida na crosta, ou na carne mais densa, compreenderá muito bem que tudo é natural e certo, sendo como o é, por ser seguimento lento, progressivo, sem a violência de algum salto misterioso ou miraculoso, rumo ao desconhecido. Não, que esse não seja o processo da Sabedoria Suprema. A violência não parte das leis puras do Senhor, serão filhas, apenas, dos desmandos do homem desconhecedor.
Com o levantar da progenitora, e o fato de ter encontrado completa ausência de febre, uma imensa alegria invadiu-lhe o ser. Enviou graças ao Senhor, que se foram éter afora, sob a forma de cristalinos filetes. Assim, porém, que se deu a preparar a alimentação da menina. Davi entrou para o exercício do seu ministério, aplicando dose, acompanhando o desenvolvimento dos elementos, no campo etérico, numa zona da vida que foge ao alcance da vista humana, fugindo, também, das inferiores e humanas vistas destas bandas. Pois tudo é simplesmente comum, aí como aqui, cada qual podendo o que pode, pura e simplesmente. E, para avançar um pouco, seja no sentido que for, faz-se preciso a ajuda de alguém que possa mais; e essa ajuda, esse auxílio, quando muito atinge o ponto máximo de flexão pessoal. Nunca ultrapassa o limite demarcado pela evolução do beneficiário.
Quando a mãe da menina começou a ministrar-lhe o alimento, nós partimos. Estava pronta a nossa tarefa. Hoje, a menina está com uns quinze anos; à custa de suas faculdades, Íris fala continuamente a muitos encarnados e muita gente sabe um pouco mais de Cristianismo do que sabia antes, quando pensava que ser da Doutrina do Cristo é apenas questão de ler textos, entendê-los fanaticamente; cantar hinos; sustentar ideais sectários; desconhecer o problema da morte; furtar-se ao culto da Revelação; pensar que é escolhido, quando é apenas ignorante das imensas leis de Deus. Tudo, pois, em tão pouco tempo, saiu como fora de mais alto determinado. Porque, acima dos conhecimentos humanos das quejandinhas dos homens e dos cleros em geral, paira uma orientação inteligente, organizada, que faz com que tomem as coisas e os seres o rumo justo, segundo os merecimentos, sempre de acordo com a lei de causa e efeito. Porque assim é; de conformidade com a direção dada ao esforço, rumo ao bem ou ao mal, à paz ou à tormenta, assim se terá. Da parte dos guias, dos serviçais do bem, tudo é questão de atender, quando a criatura o mereça, ou de abandonar, quando faça por isso. O certo é que ninguém fica sem acompanhamento astral; de alguém será companhia, far-se-á acompanhante, sendo certo que serão de igual para igual, pois assim o força a lei de afinidades.
GRAÇAS A DEUS
Graças a Deus é uma expressão de consciência? É uma força de expressão? Desejo, para mim, constitua uma expressão de razão; apenas isso. Como expressão de razão, obedecerá à ordem lógica das contingências naturais. Digo, pois, o meu graças a Deus, querendo dizer e afirmando que tudo é por derivativo. O sentido de afeição mística, reverentemente chã, piegas, adulante, não é o que me convém; o sentido que me agrada é o de respeito por respeito, sendo conclusão lógica. Ao invés de um “graças a Deus” filho do temor, prefiro um “graças a Deus” produto da compenetração real. Aquele adula ou teme; este sabe e vive; aquele quer significar o favor de Deus; este afirma que Deus não é cabotino. Aquele afirma o milagre, o mistério e o conchavismo; este se compenetra da Soberana Justiça. Quando aquele se verga rastejante por incompreensão, este se levanta respeitoso por compenetração. Aquele “graças a Deus” quer dizer favor de Deus; estoutro afirma que é em virtude de Deus, sem a morbidez cabalística nem o terror da ira.
E para a concepção monística, tudo é em virtude de Deus, não porém pelos favores de Deus. Como a simples decência humana não admite a bajulação, a lambição rançosa, muito mais não o prezaria Deus, súmula das virtudes que é.
Para mim, graças a Deus quer dizer em virtude de Deus, e não porque Deus faça favores a quem quer que seja. O mais, poder vencer ou fracassar, isso é em função da própria vida e das leis relacionadas, que movidas são pela de Causa e Efeito. Respeito a Deus como Deus na infinidade de Sua Justiça, bem assim como me compenetro de que, por essa mesma Justiça, legou ao homem, por natureza, qualidades para as vitórias. Se o homem por ignorância ou falsa educação espiritual, ao invés de lutar e vencer à custa de tais fundamentais e divinos bens, acha mais prudente bajular, ou engodar, isso não vem de Deus, por isso Deus não responderá.
Já foi dito que o homem prefere, em matéria de religião, seguir caminho menos recomendável, adulando a Deus e traindo aos deveres sociais; mas, repetimos, é um grave erro de cálculo. Que se dê a bom emprego, por compenetrar-se de que tudo o que é, o é em virtude de Deus, porque aí estão a lei básica e o processo que redime.
Mas, qual a razão deste meu graças a Deus?
Simplesmente isto — fui abordado por Mesquita, que me confiou:
— Sabe que seu mano já mudou e está freqüentando uma sessão espírita? Sabe que sua cunhada se acha bem avançada em desenvolvimento mediúnico?
Para quem não sabe qual o montante de anseios pró-Verdade que assaltam o ser consciente após a desencarnação, a bem do esclarecimento daqueles que ficaram na penumbra da carne, ou da vida restritíssima das zonas densas do mundo mais corpóreo, difícil será compreender o prazer que nos causa, a alegria, que nos toma de assalto, ante uma tal disposição de coisas. Saber que aqueles que nos são mais de perto afetos, mais caros pelas circunstâncias que só o coração sabe bem explicar, em deixando o burgo frio das coisas que apenas passam por espirituais, porque apenas são formais e idólatras, vão-se aos poucos transladando para outros e mais acariciantes climas, para esferas de pensamento e práticas que correspondem a conquistas imortais a bem da alma! Quer maior maravilha que atinar com o caminho por excelência? Nenhuma maravilha poderá ser mais estuante que essa, remir faltas depois de se conceber o maior erro, o mais feliz acidente, aquele que é o emprego ruim da razão, aquele que constitui a má diretriz dada às virtudes fundamentais já despertadas.
Diz o refrão que errar é humano; mas, em verdade, humano é quando se erra em franca espontaneidade, sem resquício de turras sectárias, alheio aos ímpetos da mais rameira tradição. E os erros espirituais da Humanidade são justamente dessa ordem — pensam os filhos, os netos e todos os mais, assim como quiseram pensar, passivamente, e a gosto dos exploradores da fé, todos os seus avós, todo ignorantismo que séculos e séculos de clerezias estúpidas forjaram, contrariando propositalmente aos ensinos básicos, à transmissão operada pelos verdadeiros enviados da Diretoria Planetária. Isso o podemos afirmar — que nenhum farsante, que nenhum explorador da fé, que nenhum idólatra, que espécie alguma de negação da realidade universal, pode falar em nome da Diretoria Planetária. De tal plano de orientação não veio jamais fraudes! A fraude, a traficância, a teologia de grupos, a verdade postiça, a religião do conchavo, as clerezias profissionais base de cultos formais, sem Revelação, não vieram dos Vedas, dos Budas e nem dos Cristos, vieram, sim, posteriormente, por corrupção, por falta de escrúpulos da parte de muitos homens.
E dessas corrupções sofre gravemente a Humanidade! Em lugar de crer nas soberanas leis que à Revelação cumpre expor, desviada do caminho certo, crê a Humanidade nas bobagens formais exercitadas por homens e grupos de fingidos mestres.
Quem, portanto, como eu, ao ouvir dizer que meus parentes ficados no mundo mais denso, se encaminhavam para uma reunião espírita, alegrou-se em extremo por isso, nada fez de exagerado. Viu com os olhos de espírito mais livre, pensou com um cérebro mais lúcido, sentiu com um coração mais afim com a Divina Essência do Universo, sobre as verdades de fato, e então verdades salvadoras, de quem esses parentes e irmãos queridos iam se aproximar. Significa isso meio caminho andado, porque vale mesmo por meio caminho o saber certo sobre as coisas ditas da vida e da morte, do além e do aquém-túmulo.
Crêem ditosos seres destas esferas, que toda a carne poderia e deveria buscar os elementos de fé consciente, por estas alturas da civilização, no contato puro do intercâmbio mediúnico, fugindo com isso aos prejuízos que os formalismos e os discursos falazes produzem, criando nas almas disposição para as psicoses negativas, antropomórficas, idólatras, fanáticas, medrosas, viciadas em geral. A Revelação, o intercâmbio interplanos, feito tudo com elevação de conhecimentos e propósitos, é o culto religioso de fato. Eis o que desejou Moisés, o grande vulto que posteriores fraudulentos quiseram e querem tenha proibido a Revelação:
“Quem dera que todo o povo profetizasse,
e que o Senhor lhe desse o seu espírito”
(Números, cap. 11)
À Revelação, pois, cultivada em bases sadias, deverá o homem a sua máxima ou integral obrigação de fundo religioso. O mais é idolatria, venha de onde vier, diga-se o que quiser, passe pelo que queira passar. Porque a finalidade dos planos encarnados, bem o sabemos agora, por evolução, por superioridade, é vir a comungar francamente com os planos erráticos. Se isso se deu com aqueles planetas que são superiores à Terra, e irá dar-se com os que lhe são iguais ou inferiores, que é a Terra para ficar à margem das soberanas leis do Senhor? Só porque a Terra conta com clerezias medonhamente erradas, fanáticas, que querem viver à custa da fé? Só porque a Terra comporta agrupamentos ditos espiritualistas, mas que só falam em segredos, em mistérios, em ocultismos que jamais existiram em Deus, na Sua manifestação, que é a dita Criação? Não, amigos, por isso não, de vez que todos os mundos, em sua infância, tiveram de enfrentar tais problemas, tiveram de eliminar tais absurdidades, tais infelizes aprendizes, tais falsos mestres.
O Amor e a Ciência são expansíveis ao infinito! Eis onde deve estribar-se o espírito, para cultivar a Revelação, a Religião por excelência. Desabrochar os dotes internos, os bens latentes, as faculdades inatas, sem esforço próprio, ou à custa de cultivar o culto dos conceitos de mistérios, de segredos, de ocultismos, de graus ou títulos conferidos por homens, isso não é Religião! A Terra devolve, bem o vemos, todos os dias, para cá, elevado número de titulados religiosos, de criaturas que no mundo se empavonavam com os galardões no mundo obtidos; mas, qual o desfecho? Os títulos que tanto valiam no mundo, aqui ficaram sem efeito. O homem vem para aqui, para ser medido e pesado pela balança da Virtude e do Saber; mas há que ser de fato, pois que moedas falsas não correm nos planos de luz. Poderão passar por trunfo, é certo, mas nas zonas inferiores, nas regiões onde quem tem um olho pode ser rei. Mas, por esferas melhores ou pelas superiores, não transitará com tais pretensos salvo-condutos... Existem, de fato, regiões, onde todos os erros do mundo continuam a ter seguimento; desses planos derivam os espíritos que influenciam o clero, os macumbismos, os fanatismos em geral, por questões de credos, crenças, políticas, princípios em geral de aplicação do pensamento. O discernimento dos espíritos, como disse o Apóstolo dos Gentios, é uma grande faculdade e um elemento de que ninguém deve descurar, principalmente o cultor do mediunismo.
CHORANDO, MAS DE ALEGRIA
Todos os amigos quiseram acompanhar-me, quando da primeira oportunidade de comunicação mediúnica com a família. Arrumaram substitutos para seus serviços, fizeram por estar presente, na hora augusta em que pude manter, pela primeira vez, contato verbal com os meus queridos familiares.
Foi na casa de meu irmão, que por necessidade de auxiliar aos meus no processo de inventário, para junto deles foi residir, transladando-se de um Estado para outro. Havendo convidado, por instância de um guia espiritual, a que fizessem uma sessão em sua residência, convidou ele a vários médiuns, gente sem pretensão, homens e mulheres do povo, mas amigos de instrução e boas leituras, para que o visitassem e ali fizessem qualquer coisa. E o dia chegou.
Minha cunhada era alvo de atenções de alguns amigos destes planos, pelo fato de ser francamente passiva, sonâmbula. E foi por ela que pude falar, dizer coisas da vida, que continua sempre, com ou sem o beneplácito dos homens. A verdade é que tive de enfrentar uma eclosão emocional de envergadura. Ao contato franco, falando como que sem o fator mediúnico, pelos extremos de passividade de minha cunhada, senti-me como se estivesse de novo na posse de um corpo materializado. Minhas primeiras palavras foram embargadas pelo pranto feliz que me invadiu por completo. Coisa estranha, parecia-me chorar por inteiro, por todo o corpo, como se todos os meus membros e órgãos chorassem, sentissem, vivessem psiquicamente.
— O senhor está sofrendo, papai? — quis saber, angustiada, minha filha.
— Filha, o céu nos confere bênçãos por demais, para que as possamos fruir sem abalos íntimos profundos. Eu choro de alegria, uma alegria que só mesmo espiritualmente poderá ser definida. Estou mais do que bem; é preciso morrer para gozar a morte, para sentir o que ela é como a vida exuberantemente espiritual. Porque a morte é uma vida com mais sentidos, com outros poderes de expansão do Ego, do espírito. Eu ainda não sei explicar, mas a morte possui glórias que a vida na carne nunca poderá conferir. Dizem os sábios daqui que nós comportamos, por sermos emanação de Deus, patrimônios divinos por despertar, sem conta. Por lei de ubiqüidade é que denominam o poder de expansão em todos os sentidos. E seja uma questão de termos ou não, a verdade é que tudo aqui cresce, se multiplica, atinge as fronteiras do indefinível...
— O senhor está sozinho? — tornou ela, vivamente interessada.
— Sozinho, minha filha? Esta casa transborda em seres amigos, alguns deles iluminadíssimos. São amigos, são irmãos mais emancipados, são guias espirituais, são angelizados cicerones...
— Que faz o senhor, agora? — interrompeu-me ela.
— Começo a trabalhar...
— Em que, papai? — tornou, prontamente.
— Inicio-me nos socorros... Auxiliado por amigos experimentados, vou atendendo aos que deixam a carne em condições de poderem ser recolhidos às esferas de luz. Como sabe, porque Jesus ensinou e você já leu, cada qual recebe segundo suas obras. O mais certo é dizer que cada qual se encontra consigo mesmo, chega a ser como se fizer. Mas como se fizer interiormente, não exteriormente. Valem a Pureza e a Sabedoria, pois o resto, o que faz, é complicar o ser perante as leis divinas. Por isso vos aconselho, como pai, como irmão e como servo do Senhor, a que jamais aceitem do mundo um título, um grau de ordem religiosa, como que significando valor de ordem espiritual. Procurem, antes, realizar em si mesmos a Pureza e o Conhecimento; porque isso não se perde. Existem muitos titulados e graduados do mundo, nas regiões trevosas. Deus não consulta estatutos humanos, eis a verdade, Deus é em tudo o Fundamento Básico, não se iludindo com as aparências da personalidade; porque o egoísmo, a vaidade, o orgulho, o prazer de mando, de domínio, de querer ser, essas coisas é que traem o espírito. E elas se fingem, passam por virtuosidades, por mandamentos de Deus. Tais homens e tais ambientes, é claro, atraem elementos de planos idênticos, de zonas mentais similares, e acreditando estarem sendo auxiliados por Deus ou por verdadeiros guias, estão é, de fato, sob a tangência de seres igualmente vaidosos, errados e, por vezes, francamente rebelados contra Deus e Suas Soberanas Leis. Ludibriados que foram pela vaidade, portam-se dolosamente junto de encarnados menos avisados.
— Devemos trocar de religião?... — indagou ela, num repente.
Eu ia dizer coisa minha, com características próprias, quando Eliel, que estava ao meu lado, observou-me:
— Diga assim:
“Assim como Jesus ensinou, assim vos lembro;
quem livra é a Verdade. Ele recomendou o culto da Verdade
como Religião por seguir, prometendo um Consolador.
Procurai a Verdade e cultivai o Consolador.”
E a palavra de Eliel foi transmitida inteira e fielmente, graças a Deus.
Em seguida, convidou-me Eliel a despedir, prometendo voltar sempre que Deus o permitisse. Fiz isso e deixei o corpo de minha cunhada livre, para que Eliel pudesse falar e transmitir o que transmitiu, palavras carinhosas e uma recomendação ao meu irmão, por via de seus rins, que iam em mau funcionamento. Mais para frente com os trabalhos, dois endurecidos espíritos foram passados pelo cadinho mediúnico, compenetrando-se de que contra Deus não convém tentar luta. No final dos trabalhos Alva falou; contou a Ângela sobre o que lhe havia feito em tempos outros, revelando-se mais uma vez agradecida. Eram dois espíritos que de novo se falavam, um do continente da morte, outro da vida, mas cujos corações pareciam pulsar em uníssono, pelo que foi-nos dado observar. Entre elas duas, uma cadeia de luz se estabeleceu, num crescente invulgar, fazendo-as vibrar e a todo o ambiente, de um modo sublime. Mais, muito mais que as palavras, falavam os sentimentos, falava a Verdade, a continuidade da vida, a perenidade do Amor, o culto da gratidão...
Qualquer coisa de mais alto, hierarquicamente mais alto, se fez presente, convidando a partir. E partimos, deixando a afetividade penhorada aos queridos que palmilham os caminhos da vida na carne. Neste momento, alguns deles já fazem parte das colméias erráticas, trabalham com amor pelos que permanecem na escola. A Humanidade vive se revezando minuto a minuto, segundo a segundo, entre os dois planos; e nós temos ordem de trabalhar pelo entrosamento consciente de ambos os lados. Contamos com sérios obstáculos, com entraves difíceis de serem removidos, que são aqueles que as tradições ignorantistas constituem. Mas, nem que seja à custa de tremendos choques, ditos políticos, sociais ou econômicos, o Plano Dirigente triunfará. Porque, em verdade, antes de que a Nova Era se tenha apresentado de fato, abalos profundos terão feito o homem pensar melhor, respeitar mais as Leis Supremas, incrustar-se bastante no concerto glorioso da Vida.
F I M